Ao calor do maçarico, os bambus ganham forma, transformam-se em joias e mudam a vida de sete mulheres no ateliê Cerbambu em Ravena, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. As hastes ganham curvas e contornos tais quais as trajetórias de Ana Cristina da Silva, de 39 anos; Cristiane Viríssimo, de 33; Ludmila de Oliveira Veiga Romualdo, de 30; Rosângela Valéria, de 47; Sônia Helenita da Silva Pinto, de 40; Romência Márcia do Nascimento, de 36 anos; e Marlene Gonçalves de Oliveira, de 53.
Além de produzir as joias, as mulheres foram as modelos que as apresentaram em desfile na terça-feira, véspera do Dia da Consciência Negra, celebrado ontem. Os cabelos ganharam tranças – preparados por profissionais da NewDread Studio Afro – e os modelitos que vestiram foram idealizados pelo estilista Luciano Castro. “Quebramos o padrão. Não tem que ser magra para ser modelo. Somos nós mesmas”, conta Ana Cristina.
As mãos dessas sete mulheres criam biojoias com design únicos e exclusivos. Transformam o material retirado de forma sustentável da natureza em peças que ornamentam pescoços, orelhas e braços. As bambuzeiras de Ravena, como se autorreferenciam, nomearam as joias de bans e, pela primeira vez, fazem a exposição e a comercialização delas no espaço Ojá do Festival de Arte Negra (FAN), instalado no Centro e Quatro, na Praça da Estação.
Arquitetura na periferia
Elas se conheceram no curso de arquitetura para periferia, quando aprenderam alvenaria e também como trabalhar com material sustentável para criar móveis e outros objetos, em oficina ministrada por Lúcio Ventania. Perceberam que os pedaços que sobravam poderiam virar brincos, colares e braceletes. Mesmo diante das dificuldades econômicas, essas mulheres buscam formas de manter a autoestima em dia, por isso enxergaram em retalhos de bambu material para confeccionar enfeites para o corpo. “A gente tem altos e baixos, mas sempre gostei da andar arrumada. É o que me levanta, gosto de fazer as sobrancelhas, passar batom e esmalte”, diz Ana Cristina.
O curso arquitetura na periferia, idealizado por Carina Guedes, objetivava dar, às mulheres, ferramentas de melhoria das habitações pelas próprias mãos. Porém, os materiais usados na construção, como cimento, tijolo, concreto e ferro, nem sempre são sustentáveis. Por isso, a tarefa de Lúcio foi inserir o material ecológico. “Fizeram portas, móveis, mas começaram a usar os retalhos de bambu para fazerem brincos e pulseiras”, disse. Depois do curso, as mulheres foram selecionadas em edital e conseguiram R$ 5 mil para continuar se encontrando no Centro de Referência do Bambu e das Tecnologias Sociais, o CerBambu Ravena. No local, Lúcio, junto às atividades artísticas, dedica o trabalho social à formação de mulheres negras. “Dou atenção especial a elas não só aqui em Minas como em todo o Brasil”, diz.
No Ojá, no Centro e Quatro, quem se aproxima do estande para ver as peças, além da plasticidade e da sofisticação das bans, tem oportunidade de conhecer a história das sete mulheres com trajetórias distintas, mas que têm em comum as restrições financeiras causadas pelo desemprego ou pelas dificuldades de inserção no mercado de trabalho que, muitas vezes, limitaram a busca por sonhos.
Sonhos
No horizonte de Ana Cristina está a possibilidade de dar estudos e, consequentemente, uma vida melhor para os três filhos, mas não tem sido fácil. “Criar três filhos sozinha, sem ajuda dos pais, é complicado. Mas temos que correr atrás dos sonhos”, afirma Ana, que trabalhou como doméstica, mas, na atualidade, quando perguntada sobre sua profissão, diz com orgulho: “Bambuzeira”. Criar joias a valoriza como artista e se mostra caminho promissor para gerar renda. “É uma experiência bem nova para mim, ensina os contornos que a gente dá na vida”, afirma.
Ana é moradora da Ocupação Paulo Freire e fez curso de confecção de móveis com bambu a fim de encontrar trabalho. “São vários os contornos pelos quais passei. Tive fases bem precárias. Já passei fome com meus filhos. Deu uma melhoradinha e agora os caminhos estão se abrindo”, diz a mãe de Cristiane Pierre, de 18; Wesley Pierre, de 16; e Emily Louiza, de 12. Ficou para trás o tempo em que, quando não tinha nada o que dar de comer aos filhos, precisava contar com a solidariedade dos vizinhos.
Para fazer as biojoias, as mulheres buscam inspiração nas próprias trajetórias. Cristiane conta que fez o curso de capacitação para atuar como pedreira e orgulha-se de ter erguido o quarto de dormir, que sempre foi um sonho, com as próprias mãos. Apesar da qualificação, muitas vezes, ela enfrenta o preconceito de ser mulher e atuar numa profissão associada aos homens. “Tem o machismo. Às vezes, a pessoa não tem confiança. Dizem que não é para mulher. O cara chega perto de mim e diz: 'cisma que é pedreira'”, afirma.
A produção das biojoias tem contribuído para a saúde mental de Cristiane, que já sofreu com depressão. Ela diz que procura ocupar a cabeça para não reviver lembranças negativas de quando foi moradora de rua. Mesmo com toda a dificuldade do dia a dia, o sonho de Cristiane não é algo para ela – o que mais quer é ter um espaço em que possa ensinar para outras mulheres, principalmente mães solteiras, a trabalhar com bijuterias.
O design das bans vem de forma intuitiva e as mulheres garantem só ser possível confeccionar as biojoias quando estão emocionalmente bem. “O bambu sente, reflete o que a gente está sentido. Se estamos nervosas e ansiosas, vai transparecer. Parece que o bambu pega a energia da gente”, diz Ludmila, que é moradora de Ravena. Quando está tensa, ela não modela o bambu com o maçarico, fica com a tarefa de fazer a montagem e acabamento até se acalmar.