Jornal Estado de Minas

PATRIMÔNIO

Iphan inicia estudo de desenhos atribuídos a escravos em Ouro Preto

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Começam os estudos técnicos sobre os desenhos encontrados no porão de um sobrado de Ouro Preto, na Região Central do estado. Equipe de arqueologia e restauração da superintendência em Minas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) esteve no local e já faz pesquisas para esclarecer questões a respeito das marcas em baixo-relevo encontradas recentemente numa parede revestida de barro, e tudo indica, pelas mãos de um (a) africano (a) ou descendente que viveu no compartimento usado como senzala durante o período da escravidão, regime extinto em 1808, pela Lei Áurea.





"Considero a iniciativa positiva, pois, com avaliação técnica, poderemos saber quando os desenhos foram feitos, origem deles, enfim, uma série de informações importantes para nosso conhecimento e preservação", disse o empresário Philipe Passos, da família proprietária do imóvel em processo de restauração para abrigar um restaurante. A história dos desenhos foi divulgada em 29 de setembro pelo Estado de Minas e, desde então, ganhou mundo, via internet. “Outro dia, recebi um grupo de 40 professores de história. Visitavam o Museu da Inconfidência, na Praça Tiradentes (o sobrado fica a poucos metros) e pediram para ver os desenhos”, contou o empresário.



Os arqueólogos e restauradores informaram, destacou Philipe, que o proprietário do casarão vizinho, onde funciona um restaurante, será comunicado oficialmente pelo Iphan sobre os desenhos visando a conservação, pois apenas uma parede de pedra divide os dois imóveis. “Felizmente, o cômodo atrás do painel não foi aterrado, e, assim, a ventilação garantiu a integridade do bem cultural. Hoje, do outro lado da parede, há uma área de atendimento do restaurante. Se tivesse aterro, a umidade teria danificado.”

Sempre valorizando a descoberta feita por um funcionário da obra do restauro em curso, Philipe não tem dúvidas de que as pesquisas do Iphan vão jogar luz sobre a história dos desenhos que ocupam área de 2,50 metros de largura por 1,20m de altura e contêm cenas coletivas – duas mulheres trabalhando ao pilão, com uma ave no alto, um grupo (feminino e masculino) de 13 pessoas que parece dançar, perto do que parece ser uma torre, e um navio com mais duas figuras humanas. Há também um animal de grandes proporções semelhante ao guepardo ou chita, e ainda uma ave pernalta.





O entusiamo de Philipe aumentou ao receber, de um restaurador, por e-mail, uma cena registrada pelo pintor alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1958), conhecido nas artes como Rugendas, que viajou pelo Brasil durante a primeira metade do século 19. O nome da obra é Marché aux nègres (Mercado Negro). ”O interessante é notar, no canto esquerdo, um menino desenhando um navio na parede, com várias pessoas olhando para ele, numa imagem que remete a eo porão de Ouro Preto”, compara. A antiga Vila Rica recebeu levas e levas de pessoas escravizadas para trabalhar na mineração de ouro, as quais, ao longo do tempo, enriqueceram a cultura da primeira cidade reconhecida como Patrimônio da Humanidade (1980) pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Outro marco para a cidade

Está marcada para 14 de dezembro a visita do presidente da Fundação Palmares, Vanderlei Lourenço a Ouro Preto – a instituição vinculada ao Ministério da Cidadania é responsável pela preservação do patrimônio nacional de matriz africana. Em entrevista ao EM, logo após o achado no sobrado da Rua Conde de Bobadela, Vanderlei disse: “Considero fantástico, e nos interessa muito. Minas, em especial as cidades do Ciclo do Ouro, a exemplo de Ouro Preto, receberam grande parte dos africanos que chegaram ao Brasil no século 18, muitos deles com conhecimento avançado sobre mineração e que, depois, compraram a liberdade”. E mais: “A descoberta no casarão fortalece ainda mais o que Ouro Preto representa para o país”.

Na mesma data, será inaugurada a Casa de Cultura Negra, espaço para a comunidade afro-brasileira local destinado a fortalecer a cultura, manter tradições centenárias e desenvolver atividades sociais e educativas. A iniciativa da Prefeitura de Ouro Preto, inédita no país, segundo especialistas, ocupa a Sala Chico Rei, que foi reformada, ampliada e ganhou mais um módulo com novos serviços e duas arenas, tipo anfiteatro, na área externa. O imóvel fica ao lado da Igreja Santa Efigênia, no Bairro Alto da Cruz, no Centro Histórico. O nome Casa de Cultura Negra, antes Sala Chico Rei, foi mudado em 2017, por lei municipal, atendendo ao pedido dos integrantes do Fórum da Igualdade Racial de Ouro Preto (Firop).