Jornal Estado de Minas

BRILHO MINEIRO

Aos 20 anos de Patrimônio da Humanidade, Diamantina quer mais prêmios

O comerciante José Duarte destaca impulso dado ao turismo e à economia local nas últimas décadas (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A PRESS)


A terra de Chica da Silva e Juscelino Kubitschek comemora este ano duas décadas como Patrimônio da Humanidade, e, com programação especial até dezembro, fica de olho em mais dois destaques internacionais com sabor de título e premiação e divulgados ainda em 2019. Diamantina, candidata a integrar a Rede de Cidades Criativas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), na categoria música, quer se integrar com outros municípios da região, ao programa Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam), concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Nesse segundo aspecto, entram em cena as famílias apanhadoras de sempre-vivas e personagens típicos da Serra do Espinhaço, cuja parte mineira se tornou Reserva da Biosfera. Se tudo der certo, será a primeira experiência com tal certificação no país.



Os dias estão quentes, as noites trazem as mudanças da estação e nada apaga o entusiasmo na cidade que conquistou o título da Unesco em 1º de dezembro de 1999, numa decisão do conselho da Unesco reunido em Marrakech, no Marrocos. Agora, a torcida é por maior valorização dos sons e das plantas – e de quem lhe dá o sopro da vida –, para maior visibilidade além das montanhas. “Diamantina é totalmente musical”, diz a secretária municipal de Cultura, Turismo e Patrimônio, Márcia Betânia Oliveira Horta, explicando que, conforme uma pesquisa recente, há sempre uma pessoa ligada à prática dos instrumentos ou ao canto em mais de 70% das famílias do município. Quem não conhece a famosa Vesperata ou quer repetir a dose, pode se programar e curtir os músicos tocando na sacada dos casarões do Centro Histórico (ver o quadro).

A secretária Márcia Betânia cita como um ponto importante neste ano, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, o desenvolvimento de um programa nas escolas, o De olho no patrimônio, a fim de fortalecer as ações de educação patrimonial. As atividades vão culminar na realização do Fórum de Educação Patrimonial. “Vamos atender, ainda, às demandas das comunidades. Com o título, Diamantina mostrou ao mundo seu valor universal e queremos que os moradores mantenham o sentimento de pertencimento.” A conexão passa pela arquitetura e também pela gastronomia. O tradicional bolo de arroz, por exemplo, reconhecido como bem imaterial, ganha oficinas de culinária para perpetuar e disseminar o modo de fazer.

Para o prefeito Juscelino Brasiliano Roque (MDB), a celebração dos 20 anos do título de Patrimônio da Humanidade merece reflexão sobre o futuro de Diamantina e de esperança para a preservação. “Temos uma cultura diferenciada, uma história rica, recursos naturais maravilhosos, por isso temos que viver a cultura, conhecer a nós mesmos. Sei que ainda falta muito para melhorar e estamos no caminho.”



Ele cita como obras importantes a serem concretizadas a criação do Museu do Tropeiro, que funcionará debaixo do Mercado Velho, a Escola de Arte e Música Francisco Nunes, num prédio a ser restaurado com recursos do PAC Cidades Históricas, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e prefeitura local, a Biblioteca Pública Municipal Helena Morley e outros. “Temos um polo vinícola, queijeiro e agora de cerveja artesanal”, orgulha-se o chefe do Executivo. De acordo com o Iphan, O PAC tem 13 ações selecionadas no município, com previsão total de investimentos de R$ 29,2 milhões.

No caminho dos escravos

Andar com tempo pelo Centro de Diamantina – além da sede, há 11 distritos – mais parece um mergulho na história iniciada no Arraial do Tijuco e cristalizada nas construções de grande beleza, com a moldura da Serra dos Cristais e das pedras capistranas. Estão lá, para encantamento dos visitantes: a Casa da Glória, com o passadiço, a Biblioteca Antonio Torres (Casa do Muxarabiê), o Mercado, a Casa de Chica da Silva (1732-1796, escrava alforriada, mulher do contratador de diamantes, João Fernandes), as igrejas Nossa Senhora do Carmo e São Francisco de Assis, o Museu do Diamante, a Catedral Metropolitana e outros, como o Caminho dos Escravos, que dão mais beleza e charme à Trilha dos Diamantes da Estrada Real.

Mas nem tudo brilha como diamante. Causa tristeza ver o abandono do antigo Grande Hotel, na Rua da Quitanda, propriedade particular que deteriora e empobrece o Centro Histórico. Da mesma foram, dói o coração ver fechada a Casa Juscelino, na qual morou dos 3 aos 19 anos o ex-prefeito da capital (1940-1945), governador de Minas (1951-1955) e presidente do Brasil (1956-1961), Juscelino Kubitschek. Para satisfação, o antigo Hotel Roberto, na esquina da Rua Direita com Vieira Couto, vai ser restaurado e se tornará uma biblioteca municipal.


Casa de Juscelino, em Diamantina, ganhou programação cultural mensal (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Comerciante nascido e criado em Diamantina, Geraldo José Duarte, de 77 anos, acredita que o título de Patrimônio da Humanidade “acrescentou muito”, principalmente para a cultura e o turismo. “Aqui sempre foi uma cidade estudantil, com colégios importantes. Hoje, temos 23 cursos superiores. Os turistas, mesmo antes da conquista do título, nunca deixaram de vir a Diamantina, e isso faz a roda da economia girar”, afirma.

Cartão de visita internacional

O presidente da Associação Comercial de Diamantina (Acid/CDL), Cândido Aparecido Santos, concorda com a musicalidade nativa, e planeja a criação de uma associação de músicos dentro da entidade que preside. “Parece que a música está no sangue do povo. A todo lugar que a gente vai, vê e ouve alguém tocando um instrumento. Meu filho de 5 anos gosta de percussão e minha filha, de 3, vive cantando”, afirma Cândido. Para ele, os reconhecimentos internacionais são cartões de visita fundamentais para alavancar o turismo e outros setores da economia. “Com as vesperatas, os hotéis ficam cheios”, conta.

Entre os mais jovens, reina a confiança e amor pela terra natal. “Temos uma cidade bem tranquila para viver e crescer culturalmente sempre”, revela Gabriel Silva Bazzoni, de 25, que trabalha na Santa Casa e é formado em técnico de enfermagem. Já entre os turistas, impera a descontração. Num brinde à alegria e à história, celebra um grupo de nordestinas, que se intitulam, no maior bom humor, “as Fátimas”.


À mesa de um restaurante da Rua da Quitanda, estão as irmãs e professoras Bernadete Fátima da Costa e Arleide Fátima da Costa, de Recife (PE), Aparecida de Fátima, professora, de Itabaiana (PB), e Fátima Carlos, engenheira, de Natal (RN). “A paisagem é linda e a conservação dos prédios está bem melhor do que na minha cidade”, contou Bernadete, bem impressionada com o artesanato, roupas e peças de bijuterias à venda. Aparecida gostou dos casarões, certa de que um patrimônio tão preservado representa um tesouro, enquanto Fátima se sentiu muito acolhida: “As pessoas recebem muito bem”.