Grávida de seis meses do ex-namorado, a estudante de direito Isadora Gonçalves, de 23 anos, voltava de carro com ele de uma loja onde foram comprar roupas para a filha. No trajeto, discutiram. Ela pediu que ele parasse, e, então, desceu. Quando passou em frente ao carro, conta que foi atropelada propositalmente. A estudante é vítima de um tipo de violência que, só neste ano, segundo dados da Polícia Civil, tirou a vida de 114 mulheres, apenas entre janeiro e outubro em Minas Gerais. Nos mesmos 10 meses, nada menos que 32.730 medidas protetivas foram pedidas por vítimas contra agressores em todo o estado. Na tentativa de atacar ocorrências dessa natureza, uma grande operação foi realizada em todo o país. Somente no território mineiro, mais de 80 pessoas foram presas.
Segundo a Polícia Civil de Minas Gerais, no estado, de janeiro a outubro deste ano, foram registradas 121.987 queixas por violência de gênero. O número de casos de violência, embora já assustador, pode ser ainda maior, pois muitas vítimas demoram a procurar ajuda das autoridades. Foi o que aconteceu com Isadora. A estudante relata que as agressões praticadas pelo companheiro eram recorrentes e até mais violentas. Mas ela só procurou ajuda quando ficou grávida.
Como ela, muitas mulheres ainda têm receio de expor as agressões, o que faz com que os crimes acabem sendo subnotificados. Mas a exposição não é o único fator que pesa. No caso da estudante, ela relata que, na primeira vez em que decidiu procurar a polícia após ser agredida, acabou desistindo, por ter sido procurada por familiares do agressor, pedindo que ela reconsiderasse a decisão. “Não prestei queixa porque a mãe dele me mandou mensagem falando que eu ia acabar com a vida dele”, relembra.
"Quanto mais ações positivas a gente faz, quanto mais ações de divulgação, mais os números sobem"
Bianca Prado, titular da Delegacia Especializada de Crimes contra a Mulher de Santa Luzia
Para a titular da Delegacia Especializada de Crimes Contra a Mulher de Santa Luzia, delegada Bianca Prado, são ações como a operação da Polícia Civil – batizada como “Marias”, em referência à Lei Maria da Penha — que vêm trazendo resultados positivos no incentivo das denúncias. “Hoje em dia, a gente tem cada vez mais a mulher tomando coragem de procurar os órgãos de segurança e fazer a denúncia. Então, ações como essa, que mostram a presença da polícia e que existe, sim, punição, é que estimulam as vítimas a procurar cada vez mais as delegacias”, explica.
Para operação, que teve início anteontem, foram expedidos 470 mandados de prisão e busca e apreensão. Os alvos eram suspeitos de diferentes crimes, entre eles feminicídio, ameaça, estupro, lesão corporal e descumprimento de medidas protetivas. Ao todo, 83 pessoas foram presas. Diante deste cenário tão alarmante, a delegada Bianca Prado alerta que ainda não é possível apontar uma diminuição significativa nos índices de violência doméstica. “Quanto mais ações positivas a gente faz, quanto mais ações de divulgação, mais os números sobem.”
Segundo dados da Polícia Civil, as medidas protetivas em Minas vêm registrando aumento desde 2017, quando foram computadas 35.244 registros, com média de 2.937 casos a cada mês. No ano seguinte, essa média subiu em 2,38%, para um total de 36.093 medidas. Neste ano, já são 32.730, para a média de 3.273 mensais, com nova alta, de 8,84%. No caso dos assassinatos de mulheres ligados à questão de gênero, dois anos trás foram registrados 150 assassinatos em 12 meses, com média de 12,5 a cada 30 dias. Esse índice subiu para 13 homicídios mensais em 2018 (alta de 4%), para um total de 156, e recuou para 11,4 de janeiro a outubro de 2019, quando 114 mulheres foram mortas em Minas por maridos, namorados, companheiros e ex.
Pedofilia
No primeiro dia da operação, em Belo Horizonte, as ações se concentraram no combate à exploração e ao abuso sexual infantil contra meninas. A ação culminou na prisão de oito pessoas. Entre elas, sete em flagrante, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão residencial. Nesses casos, foram encontrados em posse dos suspeitos materiais contendo pornografia infantil.
A chefe da Delegacia de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad), Elenice Cristine Batista Ferreira, conta que entre os presos com esses conteúdos havia pessoas de idades entre 18 e 60 anos. Segundo ela, é possível traçar um perfil dos autores desse tipo de crime. A delegada faz um alerta para as pessoas que compartilham este tipo de material. “Em algum lugar do mundo tem alguma criança ou adolescente sendo vítima de estupro, então, é importante que as pessoas saibam que nem sequer por curiosidade elas devem abrir esse tipo de conteúdo”, comentou.
Na ocasião, também foi cumprido um mandado de prisão por abuso sexual contra uma menor. Só em 2019, segundo a Polícia Civil, foram registrados em Minas 6.391 crimes sexuais contra crianças e adolescentes. “Infelizmente, temos um número muito elevado de registros de violência sexual contra crianças e adolescentes de forma geral” afirma a delegada. Segundo a Polícia Civil 85% desses casos foram contra meninas. “A menina já nasce propensa a ser vítima de violência sexual”, conclui Elenice Ferreira. *Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia