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Ensino integral melhora desempenho de alunos, mas ainda é direito de poucos

Enquanto estatísticas indicam que modelo facilita acesso à educação superior e aumenta ganho salarial, estados correm contra calendário para ampliar carga horária e derrubar a fuga das salas


postado em 02/12/2019 06:00 / atualizado em 02/12/2019 08:05

Alunos na Escola Estadual Maria Luíza Miranda Bastos, em BH, uma das 78 unidades espalhadas pelo estado que adotam o horário estendido: protagonismo de estudantes que hoje ocorre em apenas 12,2% da rede(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Alunos na Escola Estadual Maria Luíza Miranda Bastos, em BH, uma das 78 unidades espalhadas pelo estado que adotam o horário estendido: protagonismo de estudantes que hoje ocorre em apenas 12,2% da rede (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

De um lado, as vantagens de um modelo de ensino que, segundo estatísticas, dá a seus alunos chances significativamente maiores de entrar na universidade e de receber maiores salários quando chegam ao mercado de trabalho. De outro, o enorme desafio de aumentar a carga horária em escolas públicas de todo o país, a curto prazo, para os três anos que antecedem a educação superior. Entre custos e benefícios, o novo ensino médio, chancelado no início do ano passado pelo governo federal, passa a ser realidade já partir do ano que está prestes a começar, evidenciando uma corrida contra o calendário.

Com a obrigação de aumentar a carga horária para nove horas de aula gradativamente, pelos próximos cinco anos, em pelo menos metade dos estabelecimentos públicos de ensino, os estados desafiam o tempo para ampliar a permanência dos estudantes em sala, de forma a obedecer à matriz ditada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A passos bem lentos, a adaptação escancara o tamanho do desafio: oferecer, além de um horário estendido, uma educação integral capaz de melhorar os níveis críticos de aprendizagem. Em Minas, essa é aposta para reduzir a dramática taxa de 21% de abandono das escolas.

 

A política de ensino médio em tempo integral atualmente está presente em todos os estados e no Distrito Federal, e conta com cerca de 2 mil escolas e 600 mil alunos da rede pública. Porém, números do Observatório do Plano Nacional de Educação (PNE) mostram que, em 2017 (último dado disponível), o país detinha apenas 8,7% de matrículas em escolas de tempo integral. O secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Jânio Macedo, anunciou na semana passada, durante o seminário “Perspectiva e fortalecimento da política de ensino médio integral nos estados”, a ampliação da oferta da modalidade no país.

 

Segundo o MEC, a União vai financiar o tempo integral para mais 500 escolas e 40 mil estudantes, por meio do Programa de fomento à escola integral, do ministério, criado em 2016. O seminário, ocorrido em São Paulo, foi promovido pelo Conselho Nacional de Secretarias de Educação (Consed), Instituto Natura, Instituto Sonho Grande e Instituto de Corresponsabilidade pela Educação.

 

O novo ensino médio determina o aumento da carga horária dessa etapa escolar, de 800 para 1.400 horas. As escolas farão a ampliação de forma gradual, mas, nos primeiros cinco anos, já devem oferecer 1.000 horas de aula anuais. Essa previsão se articula com a Meta 6 do PNE, que prevê a oferta de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica até 2024.

 

A BNCC, obrigatória a todas as escolas, deverá ocupar o máximo de 60% da carga horária total do ensino médio. O tempo restante deve ser preenchido por disciplinas de interesse do aluno, que poderá eleger prioridades, de acordo com a formação desejada em uma das cinco áreas de interesse: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.


Salário maior e mais acesso à universidade

 

As vantagens do modelo integral parecem se revelar claramente em números de desempenho de seus alunos. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Sonho Grande, em parceria com a Secretaria de Educação de Pernambuco, aponta que alunos formados nas escolas de tempo parcial têm 46% de chance de ingressar no ensino superior, enquanto entre os egressos das escolas de ensino médio em tempo integral essa chance sobe para 63% – uma diferença de 17 pontos percentuais.

 

De acordo com o mesmo trabalho, egressos do ensino médio em tempo integral também conseguem começar a vida profissional com um salário médio 18% superior ao daqueles formados no modelo parcial. A remuneração inicial é, segundo o estudo, aproximadamente R$ 265 superior ao salário médio dos ex-alunos de meio período. Analisando a diferença salarial entre egressos brancos e pretos/pardos das escolas parciais, verifica-se que os negros recebem em torno de 10% a menos do que brancos. Já para quem frequentou escolas de ensino médio em tempo integral, essa diferença deixa de existir.

 

Essas características são fruto de uma palavra-chave nesse modelo de ensino: o protagonismo. Na Escola Estadual Maria Luíza Miranda Bastos, no Bairro Planalto, na Região Norte de Belo Horizonte, alunos têm autonomia para usar salas e equipamentos e ainda criam e se apropriam dos espaços da instituição, em clubes de totó, vôlei, jardinagem e religião. É um exemplo do que tem sido a busca do estado, que tem atualmente 12,2% de suas escolas com ensino médio em tempo integral.

 

No país, Pernambuco, no Nordeste, é de longe o estado mais avançado e exemplo para o restante. Em 2020, o tempo integral chegará a mais de 60% das escolas estaduais, de acordo com o secretário de estado da Educação, Fred Amâncio, presidente do Consed. A expectativa é de que em 2022 se alcance 70% de abrangência.

 

São 12 anos de processo. O estado foi o pioneiro na criação do modelo, de escola e de grande política de rede. Paralelamente, do 21º lugar no Índice de Desenvolvimento Básico da Educação (Ideb), saltou para o primeiro em 2015 e, atualmente, ocupa a terceira posição na comparação com as outras unidades da federação. “Não é possível fazer algo diferenciado com o estudante só meio turno na escola, principalmente no ensino médio, que tem muitas disciplinas”, afirma.

 

Para ele, os avanços passam também pelo nível das discussões, que deixaram de se concentrar em projetos para fortalecer políticas de estado. “Nosso ponto não é fazer educação em tempo integral, e sim, educação integral. Mas, para isso, o caminho foi o tempo integral, pois o tempo pedagógico maior é importante”, ponderou. “Estamos muito atrasados. Aliás, não há país algum no mundo onde o ensino médio de sucesso seja oferecido em tempo parcial. Somente no Brasil temos diferença entre ensino regular e integral. Nos outros lugares, jornada ampliada é a regra.”

 

 

Estratégia 


O diretor-presidente do Instituto Natura, David Saad, destaca que a extensão da carga horária não é o fim, mas uma das estratégias para o desenvolvimento integral. O instituto faz estudos e dá apoio técnico aos estados. “Não se trata da escola que decidiu ter mais tempo de aula e atividades extras depois, mas daquela que seja atrativa e cujo projeto de vida do aluno seja o ponto central. Onde o jovem tenha a possibilidade de se aproximar dos professores e que estes possam entregar o desenvolvimento integral ao aluno”, diz.

 

 

A presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, ressalta que para resolver a crise de aprendizagem, é preciso desenvolver a escola. “Quando conseguiremos garantir uma base mínima da educação? Escola é formação continuada, em tempo integral. Abaixo desses padrões mínimos, não podemos tolerar que escola seja escola”, ressalta. Segundo ela, as instituições que conseguiram melhor avançar no modelo integral seguiram uma receita com três passos. O primeiro foi melhorar a gestão de recursos e acabar com programas sem vínculo com a qualidade da educação. O segundo, institucionalizar a política em lei estadual, para garantira continuidade do programa. O terceiro, ter um bom projeto pedagógico para uso do tempo na escola. *A repórter viajou a convite do Instituto Natura


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