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Estado de Minas CANABIS MEDICINAL

Remédios à base de maconha: por que liberação não deve beneficiar a maioria

Resolução da Anvisa libera a venda de remédios à base da erva no país, mas avaliação é de que veto ao plantio da matéria-prima no Brasil manterá preço de medicamentos proibitivo


postado em 04/12/2019 06:00 / atualizado em 04/12/2019 08:01

"É um avanço, mas do jeito que foi aprovada, a medida beneficia os laboratórios e as classes altas. Ainda não podemos dar a discussão sobre canabinoides por encerrada"- Mariana Rosa, mãe de paciente e ativista (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)


Medicamentos
derivados da maconha poderão ser vendidos em farmácias e drogarias no Brasil, dando esperança para pacientes que sofrem com doenças como epilepsia, mal de Alzheimer, mal de Parkinson e câncer, entre outras. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem resolução que cria no mercado farmacêutico brasileiro nova classe de remédios à base de cânabis. Até então, os medicamentos podiam ser importados com autorização judicial e da agência. O órgão vetou, entretanto, a liberação do plantio da erva em território nacional para uso medicinal. Por isso, a previsão é de que as fórmulas continuem caras e atendam apenas à população com alto poder aquisitivo.

A regulamentação do registro e da venda de medicamentos à base da cânabis foi aprovada por unanimidade pela Diretoria Colegiada da Anvisa. A norma entra em vigor 90 dias após a publicação, que, segundo a agência, deve ocorrer nos próximos dias. A regulamentação estabelece uma série de critérios para a comercialização desses produtos, que serão tarja preta e exigirão retenção da receita médica.

A indicação dos produtos deverá ser feita exclusivamente por médico e o paciente ou representante legal deverá assinar um termo de consentimento para compra. O regulamento exige que a empresa interessada em fabricar medicamentos à base de maconha tenha autorizações de funcionamento específicas, além de certificado de boas práticas de fabricação emitido pela Anvisa.

Os fabricantes que optarem por importar o substrato da cânabis para fabricação do produto deverão, segundo a Anvisa, comprar no exterior a matéria-prima semielaborada. Ou seja, a empresa não pode importar a planta ou parte dela.

A Resolução da Diretoria Colegiada deverá passar por uma reavaliação em até três anos. Segundo a proposta aprovada pela agência, as empresas não devem abandonar as pesquisas de comprovação de eficácia e segurança das formulações, uma vez que as propostas para produtos à base de cânabis se assemelham aos procedimentos dos medicamentos tradicionais.

Repercussão

Medicamentos, que só podiam ser importados com autorização, agora poderão ser vendidos em drogarias, mas com estrito controle (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)
Medicamentos, que só podiam ser importados com autorização, agora poderão ser vendidos em drogarias, mas com estrito controle (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)

“É um avanço, mas do jeito que foi aprovada, a medida beneficia os laboratórios e as classes altas. Ainda não podemos dar a discussão sobre canabinoides por encerrada”, afirma a ativista em inclusão Mariana Rosa, de 42 anos, que questiona a proibição do plantio da matéria-prima em território nacional. “É um medicamento caro, que deveria ser comercializado por um custo muito baixo, já que é uma erva muito barata”, justifica.

Mariana é mãe da Alice, de 6, que há cinco anos usa medicamento importado à base de cânabis para diminuir crises de epilepsia de difícil controle. Alice, que chegou a ter mais de 70 convulsões por dia, encontrou no canabinoide comprado no exterior alívio para as crises. Ela chegou a testar 11 anticonvulsivos, que não controlaram a doença e acarretaram efeitos colaterais severos.

“Quando uma família decide por isso, é porque é a última alternativa. O medicamento está sendo legalizado e encontramos resistência dos médicos para prescrevê-lo”, reforça. Com autorização da Anvisa, a família importa o medicamento, que custa mais de R$ 1 mil por mês. “A diferença é que agora poderemos comprá-lo na farmácia. Mas é preciso seguir o debate. Não faz sentido ter um custo alto, quando algumas famílias são até autorizadas a plantar pela Justiça”, afirma.

A comercialização de produtos derivados da cânabis fica condicionada à importação dos insumos para fabricação, já que a Anvisa vetou, por três votos a um, o plantio da erva em território nacional para fins científicos e medicinais. O único voto favorável ao plantio foi o do presidente da agência, William Dib. Três diretores votaram contra o cultivo, argumentando, entre outros motivos, não haver estudos sobre impacto na segurança pública, deixando o país vulnerável à ação de grupos criminosos. As empresas também poderão importar os produtos prontos, já com as bulas traduzidas para o português.

Eficácia


Segundo o presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas de Minas Gerais, o psiquiatra e homeopata Aloísio Andrade, pesquisas sobre o canabinoide desde a décadas de 1960 mostram a eficácia da substância no controle de várias doenças. “O principal são as epilepsias resistentes a anticonvulsivos convencionais. Há também indicação de uso em casos de Alzheimer, Parkinson, para questões de dores e inapetência em tratamentos de câncer e alguns casos de doenças autoimunes”, explica.

A decisão, na avaliação do médico, dá mais segurança aos pacientes. “Antes de 2015, havia o risco de quem importasse o medicamento fosse considerado traficante”, lembra. Ele destaca que o uso de derivados da cânabis não tem qualquer relação com o uso como substância piscioativa. “A tecnologia permite produzir o óleo, que é medicinal, com baixíssimo teor de delta-9-tetraidrocannabinol (THC), que é a substância com efeito psicoativo”, diz.


Palavra de especialista


Estevão Ferreira Couto, defensor Público Federal

Poderia ser melhor

“A decisão da Anvisa de autorizar a venda de remédios à base de cânabis é um avanço pequeno. Poderia ser maior. Gera um impacto positivo para as famílias que precisam de um medicamento. Porém, o grande problema é que a Anvisa não tratou do plantio da cânabis e isso faz com que o Brasil fique dependente de produtos do exterior, que chegam mais caros ao país. Além do mais, a Defensoria Pública atende à parte mais pobre da população. Não temos uma demanda muito grande de medicamento com cânabis, até porque esse tipo de método é muito usado hoje como um tratamento paralelo aos convencionais. Essas informações não chegam para a classe mais pobre. Talvez essa parte da população não tenha nem acesso à informação sobre o medicamento e nem os médicos prescrevem como uma possibilidade. Na medida que esse tipo de remédio for para o Sistema Único Saúde (SUS), mais médicos que prescreverão e o impacto da decisão será maior.”


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