O medo continua a navegar nas águas do Paraopeba, afluente do Rio São Francisco tragicamente degradado pelo rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ao participar de encontro em Três Marias, na Região Central de Minas Gerais, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, disse temer, com a chegada da temporada de chuvas, o escoamento da pluma (restos de rejeitos de minério) barrada na Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, entre Pompéu e Curvelo, em direção ao Velho Chico. “Já alertamos as autoridades federais, mas até hoje, nada. Estamos preocupados que os sedimentos sejam revolvidos e levados pelo rio”, afirmou o também presidente do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Preocupado com a possibilidade de risco aos recursos naturais, Polignano explicou que, após a tragédia de 25 de janeiro, não houve contaminação de peixes a jusante de Retiro Baixo, unidade administrada pelo consórcio Furnas, Cemig e Orteng, embora tenha havido consequências para as comunidades ribeirinhas, incluindo pescadores artesanais, piscicultores e quem vive do comércio desses produtos. “A repercussão do rompimento da barragem foi muito forte na região. Hoje, o lago está cheio, mas é preciso providência para evitar a chegada da pluma”, afirmou.
A possibilidade de os rejeitos de minério atingirem o São Francisco gera comoção na região de Três Marias, pois milhares de famílias vivem dos recursos naturais – só em Morada Nova, são 1 mil famílias. O caminho “da tragédia ao temor” foi o seguinte: após o rompimento da estrutura da Vale, a lama seguiu por um córrego afluente do Paraopeba, que, por sua vez, deságua no São Francisco exatamente em Três Marias, onde fica represa a 331 quilômetros da barragem rompida. Por sorte, a ausência de chuvas significativas nos primeiros dias depois da catástrofe colaborou para a baixa velocidade de propagação da frente de sedimentos e para sua deposição no leito do Paraopeba.
Segundo Furnas, via assessoria de imprensa, não há sinais ou qualquer tipo de impedimento na geração e operação da hidrelétrica, e todo o serviço vem sendo monitorado. Já a Vale informa que mantém 67 pontos de monitoramento diário da qualidade da água, entre o Paraopeba e a foz do São Francisco – há pontos instalados ao longo do Ribeirão Ferro Carvão, rios Paraopeba e São Francisco até a foz no Oceano Atlântico, nos reservatórios das usinas de Retiro Baixo e Três Marias, além dos principais afluentes do Paraopeba.
A Vale diz ainda que “são realizadas análises de turbidez 24 horas por dia, em 10 pontos do rio, por meio de sondas automáticas”, e que as feitas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) mostram que os sedimentos não atingiram o São Francisco.
Polêmica
A Hidrelétrica de Retiro Baixo esteve no foco das atenções durante os meses seguintes ao rompimento da Barragem de Córrego do Feijão, considerada a maior tragédia humana da história da mineração no país. O leito do Rio Paraopeba foi monitorado pela Agência Nacional de Águas (ANA), que garantiu que o trabalho seria “mantido, intensificado e estendido ou adaptado, sempre que necessário, para acompanhar a evolução ao longo do Rio Paraopeba e, eventualmente, no reservatório de Três Marias”.
"Já alertamos as autoridades federais, mas até hoje nada. Estamos preocupados que os sedimentos sejam revolvidos e levados pelo rio"
Marcus Vinícius Polignano, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas
Em março, análises de monitoramento da qualidade da água no Paraopeba feitas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), vinculado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), mostraram que “ela estava imprópria e apresentava risco à saúde humana e animal”.
O auge da polêmica chegou no Dia Mundial da Água (22 de março), quando a Fundação SOS Mata Atlântica, monitorando o Paraopeba desde o rompimento, divulgou que metais pesados (manganês, ferro, cobre e cromo) haviam chegado ao Velho Chico, em Felixlândia. Os técnicos da organização não-governamental constataram “turbidez no centro do reservatório acima do aceitável (248 NTU), elevada concentração de metais pesados e diminuição da vida aquática”.
A direção da Semad contestou os dados com base nas pequisas do Igam.
Monitoramento passa para o Igam
O Instituto Mineiro de Gestão de Águas (Igam) vai assumir todas as ações de monitoramento do Rio Paraopeba. Os serviços também abrangem o São Francisco. A Vale vai arcar com a contratação de auditoria técnica independente e dos custos dos serviços, em um prazo de 10 anos.
A transferência ocorre depois de a Vale firmar um termo de compromisso como Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O acordo prevê, ainda, que a auditoria atue no acompanhamento do plano de monitoramento da qualidade das águas subterrâneas e do programa de distribuição de água potável para comunidades impactadas pelo rompimento da barragem.
Desde janeiro deste ano, quando aconteceu a tragédia em Brumadinho, a captação direta de água no Rio Paraopeba está proibida como medida preventiva. “Não existe restrição para captação de água subterrânea para quem está a mais de 100 metros da margem do rio. O uso da água nos trechos que estão antes do município de Brumadinho e depois da Usina de Retiro Baixo está liberado para os mais diversos fins e não existe nenhuma restrição pelos órgãos públicos”, informou a Vale.
Qualidade da água Atualmente, estão sendo monitorados 90 pontos, em uma área de aproximadamente 2,6 mil quilômetros de extensão. Nesse trecho, estão incluídos o Ribeirão Ferro-Carvão, o Rio Paraopeba, 10 de seus afluentes e o São Francisco até sua foz no Oceano Atlântico. Também estão sendo usadas 16 sondas paramétricas, que viabilizam, por meio de telemetria, a leitura remota de parâmetros físicos e químicos da água, de hora em hora, aumentando a eficiência das informações.
“Até o momento, já foram realizadas cerca de quatro milhões de análises de água, solo e sedimentos em mais de 31 mil amostras. Esse trabalho analisa diversos parâmetros, como a presença de metais na água, pH e turbidez. Os testes realizados durante o período de estiagem indicaram uma atenuação das concentrações dos elementos analisados, resultando em maior enquadramento aos níveis permitidos pela legislação.
Os estudos serão continuados durante o período das chuvas. O trabalho é conduzido por dois laboratórios especializados independentes e envolve aproximadamente 250 profissionais”, informou a mineradora.
Ainda de acordo com informações da Vale, as análises feitas por técnicos contratados pela empresa e do Igam mostram que a pluma de sedimentos que vazou da B1 parou no reservatório da Usina de Retiro Baixo, no município de Pompéu (MG), onde chegou somente o material mais fino.