Quem escuta o cantar dos galos saudando a manhã de cada dia não nota nada de diferente nessa prosaica melodia da zona rural de Brumadinho. Mas numa fazenda a sete quilômetros do povoado de Córrego do Feijão, o canto tem um significado de vida renovada a cada aurora. A ave, apelidada de Felipe, é uma sobrevivente do rompimento da Barragem B1, da Mina Córrego do Feijão, operada pela Vale, que completa 11 meses no Natal. É ao som dele, estufando seu peito e abrindo o bico para o alto, que outros sobreviventes, como um boi atolado nos rejeitos, cães, gatos e outros bichos, iniciam a manhã na Fazenda Abrigo de Fauna (FAF), alugada pela mineradora para receber os espécimes atingidos de uma das maiores tragédias socioambientais do país.
O galinheiro de que Felipe cuidava foi desintegrado pela avalanche de mais de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Arrebatado pela lama que se desprendeu com o rompimento da Barragem do Fundão, o galo ficou por três dias perdido, até que as mãos dos bombeiros mineiros o removeram dessa armadilha mortal. Hoje, o galo está saudável e bem nutrido, bem diferente da figura debilitada fotografada sob os braços dos bombeiros em Brumadinho.
Paralelamente à corrida para procurar atingidos ainda vivos e resgatar os corpos das vítimas na área soterrada pelos rejeitos de minério de ferro, socorristas que atuaram em Brumadinho se esforçavam para salvar ou mesmo sacrificar, quando necessário, os animais arrebatados pela onda de lama. Do alto de helicópteros ou do solo, autoridades executaram bichos que não tinham condições de ser removidos do lamaçal. Outros foram resgatados com sucesso por proprietários ou voluntários e 700 acabaram abrigados pela mineradora Vale, operadora da barragem que se rompeu. O resgate abarca os animais afetados pelo rompimento da barragem, aqueles encontrados em áreas de obras e os que estavam em situação de risco nas comunidades.
Enquanto o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), a Polícia Militar (PMMG) e a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) erguiam suas estruturas de comando e de operações avançadas para o resgate, que já recuperou 257 corpos – 13 ainda estão desaparecidos –, cinco dias depois um hospital de campanha era erguido para realizar o pronto-atendimento dos animais e tratá-los clinicamente. O hospital conta com equipamentos de diagnósticos, ambulatório, sala de cirurgia, estoque e farmácia, laboratório de patologia, setor de esterilização de equipamentos, quarentena para doenças infectocontagiosas, canis e gatis para internação de animais em tratamento, e quase 50 profissionais.
Em 28 de janeiro, a Fazenda Abrigo de Fauna (FAF), em Brumadinho, foi alugada e equipada com gatil, canil, piquetes, curral, galinheiros, ambulatório, quarentenas, maternidade, viveiros para animais silvestres etc. A fazenda tem sete hectares e cerca de 120 profissionais entre veterinários, auxiliares de veterinária, tratadores e outros. Na FAF, se encontram equinos, suínos, bovinos, galináceos, pavões, cães, gatos, além de animais silvestres como seriemas, cágados e outros. A Vale informa ter promovido três feiras de adoção de cães e gatos para encontrar novos lares para os animais resgatados. A FAF também pode receber visitas de interessados na adoção dos pets. Já foram adotados 73 cães e 46 gatos. Os animais são vermifugados, vacinados e castrados, quando adultos, e a Vale os acompanha por seis meses em seus lares temporários.
Silvestres
Os animais silvestres também receberam cuidados quando encontrados nas três situações em que a Vale atua, mas, quase meses após o desastre, parte deles ainda não pôde ser reinserida na natureza, como ocorreu com 23 deles, entre os quais um tucano, uma cobra-cipó e um tamanduá-bandeira. Outros 25 animais silvestres, como uma seriema, um gambá e cágados, ainda estão sob os cuidados da Vale. Desses, 14 estão em reabilitação em instituições parcerias, a fim de readaptá-los para o momento de soltura em seu ambiente natural, medida que é realizada por veterinários e biólogos das instituições Loro Vet e Pró-Raptors.
O processo de reintrodução é feito por etapas. Primeiramente, o animal passa pela triagem, exame para registro de sexo e tratamento de doenças e danos. Em seguida, o animal entra na etapa de reabilitação para recuperar suas habilidades naturais, como, por exemplo, voar e buscar alimentos em seu ambiente natural, para só então ser solto na natureza. Nesses casos, a maioria das aves foi encaminhada para o Criatório Científico para Fins de Conservação Fazenda Cachoeira/Loro Vet, instituição parceira da Vale especializada em readaptação aos ambientes naturais. Isso ocorre, por exemplo, com as maritacas, que estão em processo de formação de bandos em viveiros adequados para treinar voos mais altos e longos, antes de ser soltas.
A ação faz parte do Plano de Proteção à Fauna, apresentado pela empresa aos órgãos públicos. O projeto segue uma série de protocolos de manejo e sanitários recomendados pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRVM), pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que também acompanham de perto o trabalho que vem sendo realizado.