Jornal Estado de Minas

Escalada da intolerância: semana termina com duas graves ocorrências em BH



>> Mulher detida ao discriminar taxista por sua cor vai responder por injúria racial, desacato, desobediência e resistência, pois, além do condutor, ofendeu os policiais que a detiveram

 

>> No Centro da capital, idoso é agredido pela segunda vez em dois meses pelo mesmo homem, ao cobrar dívida de condomínio. Vítima reclama da lentidão em resposta de autoridades


Após uma sucessão de episódios de intolerância e violência de origens diversas em Minas, a semana termina com duas ocorrências graves em Belo Horizonte. Depois de uma mulher, de 36 anos, ser autuada em flagrante por injúria racial no Bairro Santo Agostinho – crime que foi seguido de outros, como desacato, desobediência e resistência –, a nova vítima foi um idoso, de 64, agredido fisicamente pela terceira vez pelo mesmo homem, em um prédio no Centro da capital.



A mulher acusada de discriminação racial, ao dizer a um taxista que “não andava com negros” e se confessar racista, está presa e participa hoje de uma audiência de custódia, em que será decidido se continuará detida ou se vai responder em liberdade pelas acusações. No caso da agressão ao idoso, a vítima foi o síndico de um prédio atacado a socos por um inquilino. A motivação seria a cobrança de uma dívida referente à taxa de condomínio. As agressões foram filmadas por câmeras de segurança, assim como já havia ocorrido dois meses atrás. A vítima se diz insegura: “Estou completamente desprotegido”, reclamou.



Os dois casos ilustram uma sequência de agressões verbais e físicas registradas neste ano. Um dos casos mais marcantes aconteceu no mês passado, durante o último clássico do ano entre Cruzeiro e Atlético. Dois irmãos foram indiciados por injúria racial, por chamar um segurança de “macaco” e tratá-lo com menosprezo com a frase “olha a sua cor”. Pouco tempo depois, mais um caso: um processo de escolha de trabalhadores foi divulgado por duas empresas, indicando vagas para cuidadores de idosos. Porém, na descrição dos pré-requisitos constava a exigência de que as candidatas não fossem “negras ou gordas”.

Anteontem, a vítima de discriminação racial foi o taxista Luis Carlos Alves Fernandes, de 51. Ele estava parado diante de seu carro na Avenida Álvares Cabral, em frente ao prédio da Justiça Federal, no Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul de BH, e teria presenciado Natália Burza Gomes Dupin se aproximando com um idoso que se locomovia com dificuldade, aparentemente procurando um táxi. Segundo o motorista, ele se dirigiu à mulher para perguntar se precisava do serviço. Segundo relato do condutor que consta do boletim de ocorrência, a acusada teria dito: “Precisando de um táxi estou mesmo, mas não ando com negros”.




O taxista disse ter questionado a mulher, perguntando se ela sabia que estava cometendo um crime. Ela respondeu, segundo o relato do condutor: “Não gosto de negro mesmo. Sou racista”. E cuspiu no pé do taxista, contou ele. Ela chegou a entrar em outro táxi, mas foi impedida de prosseguir com a corrida. A vítima narrou que pessoas que assistiram à cena ficaram muito revoltadas e chegaram a ameaçar agredi-la. Entretanto, a polícia chegou rápido. “Até então, ela estava muito calma. Exaltou-se ao chegar à delegacia, onde precisou ser algemada”, completou. Lá, ainda chamou uma policial militar de “sapata”.

O destino de Natália Burza Gomes Dupin será decidido hoje. Ela foi autuada em flagrante por injúria racial, desacato, desobediência e resistência, e levada a uma unidade do sistema prisional, mas pode ser solta. As audiências de custódia consistem na apresentação do preso em flagrante a um juiz no prazo de 24 horas. Após a audiência, o magistrado decide se o acusado deve responder ao processo preso ou em liberdade, podendo ainda decidir pela anulação da prisão em caso de ilegalidade. No caso de Natália, ela será ouvida hoje. Segundo a assessoria de imprensa do Fórum Lafayette, ainda não há um horário definido. O advogado de Natália e a irmã dela, que estavam na delegacia no dia da detenção, não quiseram falar sobre o episódio e disseram que só se manifestariam durante o processo.

Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) mostram que os casos de injúria racial vêm se mantendo em patamares altos nos últimos anos em Minas. De janeiro a setembro deste ano, foram 221 registros. No mesmo período do ano passado, foram 230 ocorrências, o mesmo número registrado no estado nos primeiros nove meses em 2017. Em relação aos crimes de racismo, o total de casos registrados em 2017 foi de 173. O número recuou para para 112 em 2018 e entre janeiro e setembro deste ano ficou em 73.



Intolerância contra idoso


Idosos também vêm sendo vítimas frequentes de casos de intolerância e agressões. O caso mais recente foi registrado na quinta-feira, no Centro de Belo Horizonte, e envolve um atrito antigo. O empresário Jeferson Terra Passos, de 64, foi agredido próximo ao prédio onde mora por um inquilino, que o atacou pela segunda vez em dois meses. Mas a vítima conta que já tinha sido agredida em anos anteriores. O motivo seria a cobrança de taxas de condomínio em atraso.

Depois de ser novamente alvo da violência por parte de Michel Simioni, de 36, o empresário está com medo. “Estou me sentindo péssimo, completamente inseguro e desprotegido. Os órgãos públicos estão com as mãos amarradas. Todos os procedimentos são lentos, enquanto sou um cidadão em uma situação intranquila”, comentou. “Não tenho tranquilidade de sair e entrar no prédio. Ele pode estar de tocaia e pode me agredir, como fez desta vez”, completou.

As agressões foram flagradas em câmeras de segurança. Nas imagens, Michel dá um soco em Jeferson, que cai. “Ele estava atrás de uma porta escura. Quando saí do elevador, me seguiu pela rua e foi me falando que iria me agredir e que desta vez não tinha câmeras. Foi falando no meu ouvido por um percurso de 40 metros. Assim que chegou à esquina da Rua da Bahia com Avenida Santos Dumont, me agrediu com palavras, xingando, depois cuspiu na minha cara. Revidei na mesma moeda. Neste momento, levei um soco na cara e caí no chão”, contou o empresário.

O advogado Ércio Quaresma, que defende Michel, afirmou que o síndico ofendeu o cliente dele antes da briga. “Antes das agressões, Michel e a mãe dele foram ofendidos. As imagens (que mostram as agressões) denotam o comportamento dele (Jeferson) de buscar o conflito. É nítido. Ele não perde a oportunidade de espezinhar o Michel”, argumentou o defensor. Segundo ele, familiares do idoso serão denunciados à Justiça por usar redes sociais para postar mensagens contra Michel e a mãe dele. “Vamos entrar com uma queixa-crime contra alguns familiares”, disse.