Mães costumam dizer que precisam ser duas pra dar conta do recado. No caso de Tatiana Rocha Santos, de 34 anos, é diferente: teve que se multiplicar por cinco e nem assim é o bastante. No sobrado em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ela vive com o marido e os cinco filhos. As caçulas, trigêmeas, nasceram prematuras de cinco meses, todas com deficiência: Rute é cega; Ana, cadeirante, e Vitória tem paralisia cerebral. “Me sinto feliz. Tenho minhas filhas para cuidar. Deus me deu a graça de elas estarem vivas. Sem meus cinco filhos, não sou ninguém”.
Hoje tem aniversário na casa da família. Uma festa promovida pelos vizinhos em comemoração aos 6 anos das trigêmeas, completados na sexta-feira. Mas esta não é a história de uma supermãe que enfrenta as adversidades e ainda celebra. Tatiana admite: “Estou cansada. É muito pesado. Tive até um estafa”. A última batalha, ainda sem desfecho, é para conseguir uma cirurgia ortopédica para Vitória, que parou de andar por causa dos pés tortos. Desde que a menina deixou de caminhar, há um ano, Tatiana carrega a filha – que pesa 30 quilos – no colo para baixo e para cima. A residência tem dois pavimentos e a rua onde moram é íngreme e calçada, o que também dificulta a mobilidade com cadeira de rodas, usada por duas das trigêmeas.
Em agosto, Vitória, que tem paralisia cerebral e somente 20% de visão, estava dentro do Hospital da Baleia, em BH, para fazer a cirurgia de correção dos pés, que seria bancada por uma instituição filantrópica, quando a família foi informada que a operação não poderia ser realizada. Por causa do quadro delicado de saúde dela, o risco cirúrgico indicou a necessidade de que o pós-operatório fosse no Centro de Terapia Intensiva (CTI), extrapolando os gastos previstos para o procedimento pela Associação Mineira de Reabilitação (AMR), onde a criança e a irmã Ana fazem acompanhamento.
O gerente clínico da AMR, o ortopedista pediátrico Leonardo Cury, explica que todas as cirurgias para as crianças atendidas pela instituição são pagas com doações e que os recursos não são suficientes para arcar com o CTI. “Continuamos a oferecer todo o tratamento clínico, mas, nesse caso, é necessário o apoio do Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma. Do mesmo jeito que chegaram ao hospital, mãe e filha voltaram para a casa, com laudo indicando a necessidade de a paciente ser encaminhada para o SUS.
“(A paciente) vem piorando com o tempo, a ponto de não ser mais possível a utilização de órteses e impedindo de colocá-la de pé, prejudicando a funcionalidade e qualidade de vida”, apontou o ortopedista da AMR Lucas Henrique Araújo de Oliveira no documento que Tatiana tira de uma ecobag lotada de papéis e exames das filhas. “Quero ver minha filha andando de novo. Fui com o laudo ao posto de saúde e à Secretaria Municipal de Saúde. Eles não autorizam com o papel do médico da AMR, porque falam que é particular”, afirma a mãe.
Dupla gravidez
A gravidez das trigêmeas Ana, Rute e Vitória foi um susto triplo para a família. Na periferia da Grande BH, a casa ainda estava em construção quando Tatiana engravidou naturalmente, tomando anticoncepcional e numa gestação raríssima classificada como dupla. Já estava esperando gêmeas univitelinas – de um único óvulo –, quando ficou grávida novamente. Médicos estimaram a diferença de uma semana entre as duas fecundações.
Foi uma gravidez conturbada e as trigêmeas nasceram prematuras de cinco meses. Depois do parto, a família enfrentou saga de nove meses com as meninas internadas. Para cuidar das crianças, Tatiana precisou abandonar a profissão de empregada doméstica. Mas faltam braços para ela dar conta da responsabilidade e são os filhos mais velhos, Pedro, de 13, e Luiz, de 9, que dão suporte nos cuidados com as irmãs. Eles inventam brincadeiras com as cadeiras de rodas, ajudam a trocar fralda e a dar comida. “A Rute sabe contar até 100”, orgulha-se Luiz.
O marido de Tatiana, Cristiano, pai das cinco crianças, fica noite e dia fora, pois, além da atividade como vigilante, pega bicos para garantir o sustento da família, que teve a despesa multiplicada. As meninas recebem, cada uma, um salário mínimo como benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), mas o dinheiro não cobre as despesas, que incluem medicamentos, fraldas e suplemento nutricional. Como não consegue engolir, Vitória usa sonda gástrica e tem alimentação especial.
A mãe se desdobra pra atender às demandas de todos os filhos. “Ainda tenho que arrumar uma professora de braile para a Rute, que no ano que vem vai ser alfabetizada. O colégio já falou que não tem”, lista Tatiana. Todas estão matriculadas na Escola Municipal Francisco Cândido da Silva, no bairro onde a família mora. Uma vez por semana, Rute frequenta projeto no Instituto São Rafael, em Belo Horizonte. Com tantas atribuições e necessidades, a família arruma tempo para comemorar e agradecer. “Domingo vai ter festa”, avisa às filhas.
SEM RESTRIÇÕES
Questionada pela reportagem, a Prefeitura de Ribeirão das Neves, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informou que a paciente Vitória Pacífico de Souza Rocha não consta no sistema de protocolo de laudo ou solicitação de cirurgia referente a ela. Ao contrário da informação que Tatiana recebeu, a assessoria de imprensa informou à reportagem que a AMR é parceira da secretaria e seus laudos médicos são aceitos sem restrições. Também disse que a responsável pela menor deve comparecer ao setor de protocolo da Secretaria Municipal de Saúde, com a toda a documentação.
O Hospital da Baleia reiterou que se prontifica a dar a assistência, caso a paciente seja cadastrada e encaminhada pela Prefeitura de Ribeirão das Neves para o atendimento pelo SUS. “O caso de Vitória veio na modalidade particular e, como o Hospital da Baleia não possui atendimento primário, não conseguimos cadastrá-la na fila do SUS”, informa a nota. A prefeitura de Neves não deu retorno a respeito do acompanhamento escolar para crianças cegas na educação infantil.