A morte de Gabriel Soares Mendes, de 14 anos, durante uma intervenção policial em um baile funk no Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, em 2017, foi o divisor de águas. De uma vítima desconhecida pelos moradores da maior favela de Minas Gerais, ele se transformou em personagem fundamental para fazer com que o primeiro baile funk com alvará de Minas – talvez do país – acontecesse. Em outubro do ano passado, a equipe do Estado de Minas subiu o morro para acompanhar o evento regulamentado e mostrar como funciona esse “batidão”, que coleciona admiradores entre quem vive em outros locais da cidade. A festa legalizada garante que ações truculentas da polícia não ocorram durante o evento. A organizadora do Baile da Serra nas Quebradas, Cristiane Pereira, a Kika, foi para São Paulo na manhã de ontem para debater o modelo de regulamentação do baile com moradores e lideranças de Paraisópolis, onde uma festa no domingo passado terminou com nove adolescentes mortos após serem encurralados por policiais.
Os eventos do Baile da Serra nas Quebradas – que já recebeu outros nomes – ocorriam todos os domingos, mas a regulamentação encareceu a festa e o custo de produção saltou da média de R$ 1 mil para R$ 8 mil por noite. “Antigamente, a gente conseguia pagar a estrutura com as barraquinhas. Hoje, não conseguimos a grana com a venda de comida e bebida. Agora está assim: fazemos no dia que dá”, disse a organizadora Cristiane Pereira, a Kika. Isso porque as despesas para enquadrar a festa às normas de segurança exigidas pela Comissão de Monitoramento da Violência em Eventos Esportivos e Culturais (Comoveec) não cabiam no orçamento dos moradores da favela.
Para garantir o baile, do ano passado para cá a estratégia mudou. Os bailes continuam a acontecer “quando dá”, mas a organizadora tenta obter recursos por meio de editais. “Entendemos que ficava difícil cumprir todas as normas da Comoveec. Agora, estamos nos inscrevendo em editais de lei de incentivo à cultura. Já fomos aprovados em vários e fazemos o baile por meio de edital”, contou. Ela disse que também já conseguiu fazer com que a festa acontecesse por meio de patrocinadores. Apoiadores grandes como, por exemplo, a Cervejaria Ambev, já entraram com recurso. Kika ressalta que o Baile da Serra nas Quebradas não é o único que ocorre no morro, que os outros ainda acontecem de forma espontânea, sem alvará.
Depois do ocorrido em Paraisópolis, Kika embarcou para São Paulo para mostrar esse novo modelo de baile que ainda é pouco conhecido no país. Ela, que esteve em festa no local onde ocorreu a chacina uma semana antes da tragédia, disse estar muito comovida com as mortes. “Vamos tentar ajudá-los a regularizar o evento. Hoje, o Baile da Serra nas Quebradas ainda é o único legalizado. Vamos mostrar nossa forma de trabalho para os líderes de Paraisópolis”, acrescentou.
MEMÓRIA
Madrugada com nove mortos
Nove pessoas morreram pisoteadas e 12 ficaram feridas durante tumulto após ação da Polícia Militar em baile funk na comunidade de Paraisópolis, Zona Sul de São Paulo, na madrugada do domingo passado. A corporação afirma que os agentes de segurança perseguiam dois suspeitos em uma moto quando entraram no local da festa, que reuniu cerca de 5 mil pessoas. Já moradores, em relatos e vídeos, acusam os PMs de agir com truculência. Vídeos mostram participantes da festa encurralados em beco na comunidade. Polícia Militar afastou seis PMs envolvidos na ação.