Uma barragem íngreme, com falhas na drenagem e recebendo água em excesso, condição agravada pelas chuvas do fim de 2018. Essa combinação de risco levou ao rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, segundo sustenta relatório elaborado por especialistas internacionais e divulgado pela Vale, responsável pelo complexo onde ocorreu o desastre que matou 257 pessoas e, quase um ano depois, ainda deixa 13 desaparecidos. Contrariando inquérito da Polícia Federal (PF) sobre o caso, o estudo aponta que a estrutura não mostrou sinais de instabilidade antes de se converter em um mar de lama, liberando mais de 9,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério.
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Estudo divulgado pela Vale responsabiliza excesso de água por rompimento em BrumadinhoMonitoramento das águas do Rio Paraopeba será custeado pela Vale por 10 anos Comitê teme que chuvas levem lama de Brumadinho para o Rio São FranciscoVale manda executar javaporcos resgatados de zona de inundação em Barão de CocaisAssaltantes rendem funcionários e levam R$ 20 mil de empresa no CaiçaraHomem é morto a tiros ao reagir a assalto em BetimCom 88 páginas, o relatório foi divulgado na manhã de ontem. “O Painel constatou que o rompimento e o deslizamento de lama dele resultante decorreram da liquefação estática dos rejeitos da barragem”, informa trecho do documento, apresentado oficialmente em entrevista coletiva São Paulo. O trabalho aponta ainda que a perda de resistência “significativa e repentina” indica que os materiais apresentavam comportamento frágil.
Produzido a partir de documentos, dados de satélite e imagens de drone, o relatório informa que “nenhuma drenagem interna significativa” foi instalada à medida que a barragem foi aumentando de tamanho. “Exceto pequenos tapetes drenantes, abaixo de alguns dos alteamentos posteriores e drenos verticais em alguns dos alteamentos superiores”, observa.
A liquefação da estrutura foi causada – sempre de acordo com o estudo – pelo alto nível de água, que não foi drenada de maneira adequada. “A falta de recursos de drenagem significativos, juntamente com a presença de camadas de rejeitos finos menos permeáveis dentro da própria barragem, resultaram em um nível de água alto dentro da barragem”. “O Painel concluiu que a súbita perda de resistência e o rompimento resultante da barragem marginalmente estável foram devidos a uma combinação crítica de deformações específicas internas contínuas”, acrescenta.
Responsabilidade
O relatório divulgado ontem pela Vale apontando as causas do rompimento da barragem não vai interferir nas atuações relativas a irregularidades cometidas pela mineradora, informa a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). “O documento foi contratado e atende a uma demanda da própria empresa. Existem outras investigações e laudos gerados por órgãos oficiais do governo”, informou a pasta, por meio de nota.
A Semad também informa que o relatório divulgado pela mineradora “não apresenta nenhum fato de força maior que retire as responsabilidades da empresa”. A secretaria aponta ainda que foi evidenciado que a “Vale S.A. omitiu informação sobre a deficiência da condição de segurança da Barragem 1”, deixando de apresentar a necessidade de completar a instalação de drenos horizontais profundos (DHPs).
Divergências quanto a alertas de instabilidade
Diferentemente do que foi apontado pela Polícia Federal em setembro, quando indiciou sete funcionários da Vale e outros seis da consultoria alemã Tüv Süd pelo rompimento da barragem em Brumadinho, os especialistas internacionais atestam que não havia sinais aparentes de que a catástrofe poderia ocorrer. Segundo disse o delegado da PF Luiz Augusto Pessoa Nogueira na época do indiciamento, “estudos apresentavam segurança abaixo do que era recomendado por painéis de especialistas que a própria Vale adotou”.
O relatório divulgado ontem, entretanto, relata que imagens de drones, que sobrevoaram a região sete dias antes, não mostravam sinais de instabilidade e que nenhum dos métodos de monitoramento detectou deformações e alterações significativas da estrutura antes do rompimento. “O rompimento também é um evento único sob a perspectiva de que ocorreu sem sinais aparentes de instabilidade antes do rompimento”, indica.
O parecer dos especialistas também traz versão diferente de relatório técnico da Agência Nacional de Mineração (ANM), que indica que monitoramento alertou sobre riscos. A agência aponta que dois piezômetros, equipamentos que medem a pressão da água, entraram em nível de emergência. E que o radar que mede as movimentações centimétricas da barragem capturou leituras fora do padrão em dois momentos, em junho e dezembro de 2018, e nenhuma delas foi comunicada à agência.
A agência denunciou problemas na instalação de drenos pela mineradora que podem ter contribuído com o desastre. O painel, entretanto, atesta que não houve nenhum tremor significativo que pudesse ter resultado no rompimento, que a barragem foi monitorada “extensivamente” e que a instalação de dreno não teve impacto na estrutura.
Em julho, a Justiça condenou a Vale a reparar todos os danos causados pelo desastre. Na sentença, foi reconhecida a responsabilidade da mineradora Vale quanto à reparação dos danos nas esferas social, econômica e ambiental.
Investigação oficial
A Polícia Civil de Minas Gerais, que conduz investigação oficial sobre as causas do rompimento da barragem em Brumadinho, informa que o laudo sobre o desastre ainda não foi concluído, mas está em fase final. O Ministério Público Federal (MPF) também contratou relatório sobre o desastre. A Universitat Politécnica de Catalunya (UPC) foi contratada para realizar serviços de análise, modelagem e simulação computacional para determinar objetivamente as causas do rompimento.
O que diz o relatório
O Painel constatou que o rompimento e o deslizamento de lamas dele resultante decorreram da liquefação estática dos rejeitos da barragem. Veja fatores listados no estudo
» Um projeto que resultou em um talude íngreme construído a montante
» O controle de água dentro da bacia de rejeitos, que permitia que a água do lago de decantação chegasse perto da crista da barragem, resultando no lançamento de rejeitos perto da crista
» Um recuo de projeto que empurrou as partes superiores do talude para cima dos rejeitos finos mais fracos
» A falta de drenagem interna significativa, que resultou em um nível de água persistentemente, principalmente na região do pé da barragem
» Alto teor de ferro, resultando em rejeitos pesados com cimentação entre partículas. Essa condição gerou rejeitos rígidos que apresentavam comportamento potencialmente muito frágil se submetidos a um gatilho
» Precipitação regional alta e intensa na estação chuvosa, o que pode resultar em perda significativa de sucção, produzindo uma pequena perda de resistência nos materiais não saturados acima do nível da água