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Justiça manda colecionador devolver a igreja mineira obra de Aleijadinho

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Busto-relicário esculpido pelo mestre do barroco foi recuperado em São Paulo, após ação do MP (foto: Ministério Público de Minas Gerais/Divulgação)

Vitória para o patrimônio cultural mineiro e da defesa do legado de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814). A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou a reintegração definitiva do busto-relicário de São Boaventura (do fim do século 18 e início do 19), com 69 centímetros de altura, ao acervo de origem, sob a guarda do Museu de Aleijadinho e da Arquidiocese de Mariana, na Região Central. Também declarou a obra peça como integrante do conjunto elaborado pelo “mestre do Barroco” para a Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto, localizada na área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e reconhecida como patrimônio da humanidade. A decisão confirma, em reexame necessário, sentença da Comarca de Ouro Preto.



A ação do Ministério Público de Minas Gerais foi proposta em 2011, em atuação conjunta da 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Ouro Preto e Coordenadoria de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, com primeira sentença proferida pela 1ª Vara Cível de Ouro Preto. O MP afirmou que, após denúncia formulada por advogada atuante na comarca, ficou constatado que o busto-relicário de São Boaventura havia sido desviado de sua origem e estava integrando coleção particular. A obra pertence ao “conjunto indissociável formado por quatro bustos em cedro esculpidos por Aleijadinho para adornar uma igreja ouro-pretana”, segundo o MP. Conforme nota expedida pelo TJMG, o Ministério Público informou que, após medida cautelar de busca e apreensão, a peça sacra foi localizada na residência do colecionador, em São Paulo, que a teria adquirido de outras pessoas. Hoje, a peça não se encontra em exposição.

Na ação, o MP requereu a reintegração da obra de arte ao acervo de origem, sob a guarda da Arquidiocese de Mariana e do Museu Aleijadinho, além de indenização por danos morais coletivos e danos materiais. E acrescentou que “foram feitas intervenções danosas e indevidas na peça, como a colocação de uma argola parafusada e a introdução de um suporte em acrílico”. A nota informa ainda que os colecionadores negaram que o busto pertencesse ao acervo da Igreja São Francisco de Assis de Ouro Preto, e questionaram a reintegração da posse, “determinada pela sentença, em razão de sua incompatibilidade com a Constituição da República de 1891” e que “o busto de São Boaventura poderia, sim, ser comercializado”.

O relator do recurso, desembargador Caetano Levi, observou que “a sentença considerou os indícios extraídos da prova produzida suficientes para concluir que a peça pertence à Igreja Católica Apostólica Rom1ana, razão pela qual determinou sua reintegração ao acervo de origem, sob a guarda da Arquidiocese de Mariana e do Museu Aleijadinho”.



HISTÓRICO

Conforme a ação civil pública, Aleijadinho produziu um conjunto formado por quatro bustos-relicários representando os doutores franciscanos venerável Duns Scott, Santo Antônio de Pádua, São Tomás de Aquino e São Boaventura para integrar a Igreja São Francisco de Assis de Ouro Preto, bem tombado desde a década de 1930. Estudos mostram que a obra teria sido concluída na terceira fase de produção de Aleijadinho, entre 1791 e 1812. Os outros bustos ficam no acervo do Museu Aleijadinho, em Ouro Preto.

Em 2014, o MPMG entrou com recurso requerendo à Justiça tutela antecipada determinando a manutenção da obra em Ouro Preto até o julgamento final da ação. Os promotores de Justiça alegaram que “toda a prova pericial produzida indica que o busto objeto dos autos foi produzido para ornar a Igreja São Francisco de Ouro Preto, de onde não poderia ter sido retirado, pois trata-se de bem fora do comércio e expressamente protegido em razão de seu valor cultural imensurável”.

No acórdão, o relator do agravo de instrumento, desembargador Caetano Levi, decidiu, então, que “a peça sacra constitui patrimônio cultural inquestionável da comunidade onde foi produzida” e que “a prova pericial realizada torna certo que a peça é mesmo de autoria do consagrado escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, razão pela qual deve permanecer em Ouro Preto até o julgamento do mérito do recurso pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais”.




INVESTIGAÇÃO

Levantamento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) mostra que 734 peças sacras desaparecidas ao longo de décadas são procuradas pelas autoridades mineiras. Como resultado das ações desenvolvidas em conjunto por diversas instituições, 269 objetos de fé já foram devolvidos à sociedade, com retorno a igrejas, capelas e museus, e 250 objetos de devoção, principalmente imagens de santos, estão sub judice, portanto, aguardando decisão judicial.

Entenda o caso

•  De acordo com a ação proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais na Comarca de Ouro Preto, Aleijadinho teria esculpido um conjunto formado por quatro bustos-relicários representando os doutores franciscanos – venerável Duns Scott, Santo Antônio de Pádua, São Tomás de Aquino e São Boaventura – para integrar a Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto, tombada desde a década de 1930
•  O busto-relicário de São Boaventura, com 69cm de altura, foi desviado do acervo de origem em data indeterminada, indo parar nas mãos de um colecionador do interior de São Paulo. A obra, em cedro, teria sido concluída na terceira fase de produção de Aleijadinho, entre 1791 e 1812. Os outros três bustos que formam o conjunto estão no Museu Aleijadinho, em Ouro Preto.
•  A primeira ação do MPMG, em 2008, pediu a devolução definitiva do busto-relicário de São Boaventura para a Arquidiocese de Mariana, além do pagamento de 
indenização por danos materiais e danos morais coletivos. A ação principal ocorreu em 2011, tendo à frente o então promotor de Justiça de Ouro Preto Ronaldo Crawford e o ex-titular da Coordenadoria de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC) Marcos Paulo de Souza Miranda.



•  Em 28 de abril de 2015, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por meio da 1ª Câmara Cível, determinou que o busto-relicário ficasse em Minas até o fim da tramitação da ação

MEMÓRIA


Marco no resgate do patrimônio de Minas

Quem foi ontem ao Santuário de Santa Luzia, na Praça da Matriz, no Centro Histórico da cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, pôde ver dois anjos ladeando a tarja do arco-cruzeiro e outro, o do sepulcro, no coroamento do altar de Nosso Senhor dos Passos. As peças sacras estavam com um colecionador e foram resgatadas por ordem judicial, em 2003, em um leilão no Rio de Janeiro (RJ), a partir de ação da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia. O caminho se assemelha ao percorrido pelo busto-relicário de São Boaventura, que passa a reintegrar o acervo da Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto.

Para especialistas, a história da preservação do patrimônio de Minas tem um nítido divisor de águas: a mobilização iniciada em Santa Luzia se propagou por todo o estado e as comunidades passaram a lutar pela volta de obras de arte e de peças sacras desaparecidas de igrejas, capelas, museus e prédios públicos. Foi um grito contra o furto de objetos de fé que movimentam o comércio clandestino. De acordo com a Interpol, esse tipo de tráfico só é superado no mundo pelo de drogas e armas.

De forma pioneira, Minas passou a ter uma política específica de preservação, com participação de instituições públicas e privadas. Outro setor que ganhou força foi o de educação patrimonial, com resultados positivos entre os jovens, disse ao EM o promotor de Justiça da comarca de Santa Luzia, Marcos Paulo de Souza Miranda, ex-titular da Coordenadoria das Promotorias de Justiça do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais.



Na época, começaram a trabalhar de forma integrada as secretarias estaduais da Cultura e da Defesa Social, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), polícias Federal, Militar e Civil, Ministério Público Federal e de Minas Gerais, Igreja, Associação das Cidades Históricas e outros.

Em matérias diárias, a equipe de jornalistas do EM denunciou a dilapidação dos templos barrocos, divulgando, igualmente, ações positivas, do poder público ou da comunidade, para garantir a integridade dos tesouros mineiros.

Para denunciar


Tem informações sobre peças sacras desaparecidas? Veja a quem denunciar

» Ministério Público de Minas Gerais
E-mail: cppc@mpmg.mp.br. 


Telefone (31) 3250-4620. Correspondências para Rua Timbiras, 2.941, Bairro Barro Preto, Belo Horizonte. CEP 30140-062. Também está disponível o blog patrimoniocultural.blog.br.mpmg

» Iphan
Para obter ou dar informações, basta acessar o site www.iphan.gov.br e verificar o banco de dados de peças desaparecidas. Denúncias anônimas podem ser feitas pelos telefones (61) 2024-6342, 2024-6355 ou 2024-6370, do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (Depam) e pelo e-mail depam@iphan.gov.br

» Iepha/MG
Pelo site www.iepha.mg.gov.br ou pelos telefones (31) 3235-2812 e 3235-2813