Jornal Estado de Minas

Esta senhora mora em uma casa na Praça da Estação: 'Escuto os shows da janela'

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis

 

Da janela do quarto, a costureira Marly Batista avista primeiro uma roseira carregada de flores de um vermelho muito vivo; logo depois, vêm as alamandas debruçadas sobre a mureta e que, com o amarelo solar, imprimem um belo contraste à fachada da casa. Sem muito esforço, Marly pode ver o antigo prédio da estação abrigando o Museu de Artes e Ofícios (MAO) e o amplo espaço da praça onde Belo Horizonte começou sua história. Difícil imaginar que a mãe de três filhos tenha sossego, principalmente durante grandes shows, como ocorreu com a apresentação de Jorge Benjor, na quinta-feira, quando a capital completou 122 anos de inauguração. “Sabe que nunca fui ver um show aí? Escuto o som da janela e não me causa o menor problema. Na verdade, acho este lugar bem sossegado”, revela a viúva, natural de Bocaiúva, no Norte de Minas, em relação à Praça Rui Barbosa, que todo mundo conhece como Praça da Estação.


É esse lugar marcante da capital mineira o escolhido como tema da quarta reportagem da série do Estado de Minas que, em comemoração a mais um aniversário da capital, revela detalhes e personagens pouco conhecidos de alguns dos cartões-postais de Belo Horizonte. Como a moradora, que tem como “quintal” um dos endereços mais importantes para a história da cidade. Com seu jeito bem mineiro, Marly não esconde, em momento algum, a admiração por Belo Horizonte e pela Praça da Estação, seu endereço há 34 anos. “Considero um espaço maravilhoso!”, declara-se, perto do portão do jardim, a poucos metros do espaço público, que tem como destaque a estátua de bronze denominada Monumento à terra mineira. “Só tenho a agradecer a BH. Afinal, o que consegui na vida foi aqui”, resume.

Perto da casa, de localização privilegiada, o expediente chega ao fim e é hora de o educador Leopoldo Maia, do Museu de Artes e Ofícios, pegar a bicicleta e voltar para casa, no Conjunto Habitacional IAPI, na Avenida Antônio Carlos. “Costumo vir a pé também”, conta o rapaz de 30 anos, protegido com capacete e roupa própria para pedalar. Admirador dessa área do Centro de BH, Leopoldo tem uma palavra para definir a Praça da Estação: diversidade. “Há uma multiplicidade aqui, passa gente de todo lado. Outro dia, vi um grupo de evangélicos reunidos; em outro ponto, uma roda de capoeira; e mais adiante a galera do passinho”, conta o educador, que, para se divertir, curte os tradicionais duelos de MCs debaixo do Viaduto Santa Tereza, como o que começou ontem.

'ABALO SÍSMICO'

Neste fim de semana, a praça sedia encontro nacional de MCs: “Temos aqui uma zona cultural importante para BH, um território que vai da Funarte (Casa do Conde, na Rua Januária) ao Parque Municipal, passando pelo Viaduto Santa Tereza e Serraria Sousa Pinto”.


Pioneiro da ocupação que transformou a Praça da Estação, no verão de 2010, em Praia da Estação, e, na sequência, a folia de BH em uma das mais animadas do país, o músico e historiador Guto Borges joga mais luz sobre o assunto e recorda aquele ano como o que provocou “um pequeno abalo sísmico” nas estruturas urbanas, inaugurando uma “célula insubmissa” contra um decreto municipal sobre a ocupação (ou não ocupação) de espaços públicos.

Quem viveu a época sabe que todas as tribos, jovens e pessoas ligadas à cultura se encontraram no local e fizeram uma festa histórica, colocando, com alegria, uma “pedra sapato do desenho muito rigoroso da cidade”. “A cidade não tem uma história única. A história de uma cidade comporta muitas histórias e, precisamos lembrar, há muita gente que não se adapta aos limites rigorosos”, observa Guto. “Então, temos o engenheiro (Aarão Reis, chefe da comissão construtora de BH), a cidade mercantil, que sempre prezou pelo controle da experiência social, pelos contornos que determinam o que vai ser a cidade.” Foi uma outra face que surgiu no verão de 2010 na Praça da Estação: a insubmissão.

PORTA DE ENTRADA

Diante do Museu de Artes e Ofícios – inaugurado em dezembro de 2005 pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez, presidido pela empresária Ângela Gutierrez, e, desde 2016, vinculado à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, via Serviço Social da Indústria (Sesi/Fiemg) – pode-se entender um pouco da história da Praça da Estação. Conforme especialistas, o espaço foi a porta de entrada de toda a matéria-prima usada na construção de BH, cidade inaugurada em 12 de dezembro de 1897.


O primeiro relógio público da cidade foi instalado no alto da torre do primitivo prédio que abrigou a estação ferroviária, substituído pelo atual, inaugurado em 11 de novembro de 1922, em estilo eclético, seguindo projeto do arquiteto Luiz Olivieri. A praça começou a ser urbanizada em 1904, com jardins em estilo inglês e, desde o movimento das Diretas já (entre 1983 e 1984, pelas eleições presidenciais), se transformou em área livre para manifestações populares, grandes shows e comemorações.


O vizinho Viaduto Santa Tereza também tem muita história, parte dela eternizada no livro O encontro marcado (1956), de Fernando Sabino (1923-2004). Nos tempos atuais, um espaço iluminado por uma boa notícia: os 37 postes com 74 luminárias em estilo republicano, após longa restauração voltaram ao cartão-postal da cidade.

Então, para terminar, um pouco de história: o célebre Viaduto Santa Tereza foi projetado pelo engenheiro Emílio Henrique Baumgart, um dos pioneiros nas construções com concreto armado no Brasil. Para ligar os bairros Floresta e Santa Tereza ao Centro de BH, a estrutura foi construída em 1929, tendo 390 metros de extensão, 13m de largura e 14m de altura. Tombado pelo município na década de 1990, integra o conjunto arquitetônico da Praça da Estação.