O comerciante Fausto Rogério Teixeira Maciel é o que se pode chamar de “testemunha ocular” de boa parte dos 122 anos de Belo Horizonte, completados na última quinta-feira. Dono de uma banca de jornais, revistas, livros, apostilas e tabacaria, ele trabalha há 45 anos na Praça Sete, no Centro da capital, em um negócio que começou com os irmãos e chegou até suas mãos. “É um espaço público cheio de novidades: na política, no comportamento, nas manifestações populares... enfim, tudo passa por aqui”, diz o morador do Bairro Ana Lúcia, em Sabará, na região metropolitana, que, diariamente, tem oportunidade de observar o movimento, conversar com fregueses e se inteirar dos acontecimentos urbanos. E bota acontecimentos nisso, pois não seria exagero afirmar que o mais frenético cruzamento da cidade está no caminho de sua história. Não foi à toa que foi ele o escolhido para encerrar esta série do Estado de Minas, que desde o dia 12 faz homenagem ao aniversário de BH.
Leia Mais
Praça Sete: a história urbanística, cultural e econômica de uma referência em BHEsta senhora mora em uma casa na Praça da Estação: 'Escuto os shows da janela'Disputa por instrumento de arte marcial termina em morte na Praça Sete; veja vídeoQuem vê Rogério, como é conhecido, saudando a Praça Sete, sente firmeza quando fala do seu amor pela cidade, onde chegou aos 11 anos, vindo da terra natal Papagaios, na Região Centro-Oeste – há 25, mora em Sabará. E fatos importantes vêm à memória. “Durante a ditadura, fui ameaçado, pois havia perseguição aos jornais “Movimento”, “Opinião” e outros (contra o regime militar), e eu continuava vendendo normalmente. Naqueles tempos, uma banca foi incendiada na Rua Tupinambás ou Curitiba. Falaram que aqui ocorreria o mesmo”, revela o comerciante.
Um dos momentos mais tensos nessa trajetória – “fiquei com medo”, confessa –, foi, em 1979, durante a chamada “revolta dos peões”, que levou milhares de operários da construção civil às ruas centrais da cidade. O protesto dos perueiros, na tarde de 19 de julho de 2001, transformando a área em “praça de guerra”, também marcou a memória de Rogério. Mas houve momentos espetaculares, “emocionantes”, como define: um deles, a campanha Diretas Já, entre 1983 e 1984, que reivindicava eleições presidenciais diretas no Brasil.
Abraço
São 18h30 de quarta-feira, véspera do aniversário de BH. As luzes do Cine Theatro Brasil já se acenderam e, junto das que vão brotando dentro dos outros prédios, parecem tornar o complexo arquitetônico mais grandioso no início da noite. É nesse momento que os colegas Lília Graciano, de 25, João Carlos Henrique Moreira Silva, de 20, e Brenda Graciele Jesus Tobias se abraçam e se despendem, no passeio da Avenida Afonso Pena, de mais um dia de serviço em um laboratório.”Trabalho no oitavo andar, então, de manhã cedo, tenho uma visão muito bonita da cidade. Depois, quando começa o movimento, muda tudo”, conta Lília.Para João Carlos, “tudo acontece na Praça Sete”, daí tanto movimento e sobrecarga no transporte público. Ele pede mais cuidado com a limpeza urbana, ressaltando que muita gente joga lixo no chão. Moradora do Centro da cidade – “Venho e volto a pé para o trabalho”, afirma com satisfação –, Brenda gosta da região, e também concorda que é centro nervoso da metrópole. A conversa é o ponto de partida para se conhecer um pouco sobre o espaço que, na planta original de BH (de 1894), tem o nome de Praça 14 de Outubro, data referente à criação da Comissão de Estudos das Localidades Indicadas para a Nova Capital, e que depois passou a ser chamada Praça Doze de Dezembro, em homenagem à data de fundação da cidade planejada.
O nome Sete de Setembro só veio no início da década de 1920, em homenagem ao centenário da Independência do Brasil. Em 7 de setembro, foi lançada a pedra fundamental do famoso Pirulito, obelisco esculpido em Betim, na Grande BH. A ideia de instalar o monumento foi do então presidente de Minas (na época, ainda não se usava o termo governador) Raul Soares (1877-1924). Conforme pesquisas, no início da década de 1920 o monumento com 13,57m de altura foi projetado pelo arquiteto Antonio Rego e executado pela empresa do engenheiro Antônio Gonçalves Gravatá, com matéria-prima de uma pedreira da cidade vizinha. A inauguração ocorreria dois anos depois e, devido às proporções da peça de cantaria, dividida em blocos, foi necessária a construção de um trecho ferroviário específico para seu transporte.
Pirulino já visitou a Savassi
Mas nem só de glórias viveu o Pirulito. Em 1962, ele foi retirado da Praça Sete pelo prefeito Amintas de Barros (de 1969 a 1963), para ficar abandonado num lote ao lado do Museu Histórico da Cidade, atual Museu Abílio Barreto, na Cidade Jardim, Região Centro-Sul. Com a Praça Sete livre para o crescente trânsito de veículos, foi erguido ali um monumento executado por H. Leão Veloso, com bustos de importantes personalidades da nova capital: Aarão Reis, Afonso Pena, Augusto de Lima e Bias Fortes. A homenagem ao quarteto ilustre ficou no local de 1963 a 1970. Depois, foi levada para o Parque Municipal Américo René Giannetti.Em 1963, o obelisco foi transferido para a Praça Diogo de Vasconcelos, a chamada praça da Savassi. Enquanto isso, a Praça Sete se tornava apenas uma área asfaltada, sem qualquer marco de referência. Somente em 1980, após mobilização popular e reivindicação, o obelisco retornou ao seu lugar de origem. Quem trabalha na Praça Sete ou passa por lá, sabe que o marco se tornou um personagem: já foi impiedosamente pichado, teve gente acorrentada à sua base, em ato de protesto, ganhou camisinha gigante em campanha contra a Aids, testemunhou dezenas de manifestações políticas e sempre significou uma referência importante para os belo-horizontinos.
Agora, está próximo da revitalização do Centro, vizinho a equipamentos que vêm sendo restaurados. Um deles, o antigo prédio do Bemge, projeto de Oscar Niemeyer (1907-2012), tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico de Artístico (Iepha-MG), que está em fase final de obras para abrigar o P7 Criativo – Agência de Desenvolvimento da Indústria Criativa de Minas Gerais.