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Estado de Minas

Pelo 3º ano, passagem de ônibus de BH motiva batalha de números; entenda

Prefeito de BH barra reajuste e decreto manda empresas abrirem contas. Empresários querem 5,5%, vão à Justiça por aumento e ameaçam cortar serviço


postado em 20/12/2019 06:00 / atualizado em 20/12/2019 07:45

Em meio à batalha entre empresas e prefeitura, usuários, já pressionados pela queda de qualidade e pelo aumento do metrô, não querem saber de reajuste de passagens(foto: Túlio Santos/EM/DA Press)
Em meio à batalha entre empresas e prefeitura, usuários, já pressionados pela queda de qualidade e pelo aumento do metrô, não querem saber de reajuste de passagens (foto: Túlio Santos/EM/DA Press)


A decisão do prefeito Alexandre Kalil de não reajustar a tarifa de ônibus em Belo Horizonte em 2020, anunciada ontem, colocou combustível em uma queda de braço que vai acabar na Justiça. O chefe do Executivo anunciou ontem a manutenção do preço da passagem predominante de R$ 4,50 no próximo ano, atribuindo à falta de cobradores o principal motivo para a não concessão do aumento. Sem reajuste, o que sobe é a tensão entre poder público e as empresas do transporte público, que ameaçam corte nas viagens. O prefeito publica hoje decreto que determina que as 40 empresas que prestam o serviço revelem, individualmente, a fórmula de composição de seus custos de operação até dezembro de 2020.

Depois de reunião tensa entre representantes da prefeitura e das concessionárias, na tarde de ontem, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) informou que vai entrar na Justiça para conseguir reajuste de R$ 0,25, que elevaria a tarifa predominante para R$ 4,75. A entidade defende o acréscimo de 5,5% argumentando que, sem esse aumento, será necessário demitir funcionários e reduzir o número das viagens de ônibus.

Em 2017, não houve reajuste da tarifa de ônibus e, no ano passado, o aumento foi de 11%, o que elevou a passagem mais comum nos ônibus da cidade de R$ 4,05 para os atuais R$ 4,50. “A prefeitura está simplesmente rasgando o nosso contrato”, afirmou o presidente do Setra-BH, Joel Paschoalin, em referência aos termos que regulam a relação entre as empresas de transporte e o município. O representante do setor definiu a reunião de ontem como “péssima”.

"Todo contrato tem que ter um equilíbrio financeiro. Sem isso, vai haver corte de horários, pois as empresas não têm como manter o serviço"

Joel Paschoalin, presidente do sindicato das empresas de transporte



“Todo contrato tem que ter um equilíbrio financeiro. Sem isso vai haver corte de horários, pois as empresas não têm como manter o serviço”, argumentou. Atualmente, a frota de ônibus da capital é de 2.850 veículos. O representante das concessionárias não soube precisar qual seria essa redução, que estaria ligada à realidade de cada uma das 40 empresas de transporte. Segundo ele, pelo menos um empresário cogita sair do sistema de transporte coletivo.

O prefeito Alexandre Kalil minimizou a ameaça das empresas de diminuir o número de viagens ou mesmo de abandonar a concessão. “Não vamos parar nem fazer nada, porque não vai faltar gente para querer uma concessão em uma cidade como Belo Horizonte”, disse. De acordo com o prefeito, a ausência de cobradores nos ônibus foi o que mais pesou na decisão de não permitir o reajuste da tarifa do transporte coletivo. “Tiveram, sim, quebras de contrato dos dois lados, mas isso não é Atlético e Cruzeiro, Flamengo e Fluminense, não é guerra”, afirmou. Kalil disse ainda que a prefeitura está preparada para punir eventuais reduções no quadro de horários.

Cobradores


Em agosto, a Prefeitura de BH exigiu que as empresas contratassem pelo menos 500 cobradores, já que, por lei, a presença de agentes de bordo é obrigatória na capital mineira. Os veículos só podem circular sem trocador no horário noturno, das 20h30 às 5h59, com exceção das linhas do Move. Mas não é o que vem acontecendo. As multas pela ausência desses trabalhadores a bordo cresceram 60,9%, antes mesmo do fim do ano. De janeiro a novembro, foram 14.980 infrações, totalizando mais de R$ 10,3 milhões em punição. No ano passado inteiro foram 9.306 autuações.

"Não vai faltar gente para querer uma concessão em uma cidade como BH. (...) Tiveram, sim, quebras de contrato dos dois lados, mas isso não é Atlético e Cruzeiro"

Alexandre Kalil, prefeito de Belo Horizonte



O presidente do Setra-BH reconhece que há empresas que não estão cumprindo a determinação, mas argumenta que as concessionárias, em contrapartida, gastaram com outros custos fora do contrato, como os ônibus com ar-condicionado. “Atualmente, 45% da frota tem ar-condicionado, o que não era uma obrigação, e isso representou num aumento de consumo de combustível. A parte da prefeitura ela não tem feito, que são os corredores com faixas exclusivas”, rebateu.

Segundo Paschoalin, 70% dos custos do transporte público são com mão de obra e combustível. “Não tem como fechar a conta. No primeiro ano o prefeito não aumentou a tarifa, no segundo deu o menor valor e agora não quer dar reajuste”, reclamou o representante dos empresários.

Contas abertas


Em meio à queda de braço, um decreto com publicação prevista para hoje pela prefeitura quer conhecer melhor a realidade financeira das empresas que prestam o serviço de transporte de passageiros em Belo Horizonte. A concessão do serviço de transporte por ônibus na capital tem prazo de 20 anos, de 2008 a 2028. O sistema é composto por 40 empresas, que participam de quatro consórcios. A determinação editada pelo município prevê que cada uma dessas companhias mostre a fórmula da composição de seus custos.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


As contas das empresas de ônibus da capital serão analisadas também por uma comissão composta por integrantes do Ministério Público de Minas Gerais e do Ministério Público de Contas. Os trabalhos de análise devem durar aproximadamente quatro meses. Segundo a promotora de Justiça Luciana Ribeiro da Fonseca, da área de Habitação e Urbanismo de Belo Horizonte, a situação é complexa e requer uma análise minuciosa. “O objetivo é fazer com que essa comissão, que terá também a participação do município de Belo Horizonte, analise as contas das empresas de uma forma mais abrangente, além do que foi feito recentemente por uma empresa de consultoria”, disse.

A prefeitura da capital já havia contratado uma auditoria para analisar os números dos consórcios, no ano passado. A empresa Maciel Consultores analisou, durante oito meses, mais de 104 mil documentos. O resultado, apresentado há um ano, indicou que o preço da passagem deveria ser de R$ 6,35 para que as despesas do transporte público fossem supridas. Mas o município não aceitou o valor. Outra análise, da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), apontou que a tarifa predominante na cidade está defasada e que deveria custar entre R$ 5,04 e R$ 5,61. Esse estudo usa a mesma base usada pelo movimento Tarifa Zero para apontar que a passagem deveria custar R$ 3,45.

Enquanto poder público e empresas travam uma batalha em relação às tarifas do sistema, os passageiros, já pressionados pela crise econômica, prejudicados pela queda na qualidade do serviço prestado, com a ausência de cobradores, e pela alta em custos de outros tipos de transporte, como o metrô, não querem nem saber de aumento nos ônibus. Usuária do transporte público de BH, a estudante Rafaela Saraiva considerou “impensável” um reajuste na tarifa. Moradora de Raposos, na região metropolitana, ela disse que as oportunidades de emprego têm ficado mais restritas, já que patrões pensam duas vezes antes de contratar alguém que represente alto custo de deslocamento. “Pego um ônibus de R$ 7,35 e outro de R$ 4,50. O gasto com passagem fica em R$ 23 por dia. Eles acham muito alto”, argumenta. (Com João Henrique do Vale)

Escalada de preços no metrô


Os moradores de Belo Horizonte e região metropolitana já vêm sofrendo com aumentos da tarifa do metrô, que liga a capital a Contagem. As passagens vêm sendo reajustadas escalonadamente desde abril, como foi determinado pela 15ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais. A última mudança ocorreu em novembro, quando o preço do bilhete passou de R$ 3,40 para os atuais R$ 3,70. E a escalada ainda não terminou: no início do próximo ano, mais precisamente em 5 de janeiro, o valor vai passar para R$ 4. Dois meses depois, terá um novo aumento, chegando a R$ 4,25.


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