Encravado na mancha de destruição que soterrou 130 hectares e sepultou em menos de cinco minutos parte da Mina Córrego do Feijão e moradias rurais de Brumadinho, chegando ao Bairro Córrego do Feijão, um memorial será erguido para homenagear as 270 vítimas do rompimento da Barragem B1, que completa 11 meses no dia 25. Esse monumento não é o mesmo anunciado pela Arquidiocese de Belo Horizonte, 30 dias depois do rompimento. O projeto em questão segue as diretrizes da comunidade e dos familiares dos mortos, por meio da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da Mina do Córrego Feijão de Brumadinho (Avabrum).
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Aihara publica mensagem de Natal com sobreviventes de Brumadinho: ''O nome disso é milagre''Tendas para proteger buscas de bombeiros em Brumadinho são liberadas para usoÁgua ainda é desafio em Brumadinho, que terá parque em área devastada''Parece que dói ainda mais'': 11 meses depois, parentes homenageiam vítimas de Brumadinho no NatalMilagre da vida: o Natal de quem escapou por pouco da morte em BrumadinhoChamado de Minas de Esperança, o memorial ofertado pela arquidiocese teve sua pedra fundamental lançada em 25 de fevereiro, no antigo Centro de Formação de Líderes, na Rua Alberto Cambraia, 140, Centro de Brumadinho. Os planos também mudaram e o complexo será ampliado para formar o Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora do Rosário, com a presença do memorial em seu interior, de acordo com informações da arquidiocese.
Já o memorial da Avabrum ainda não tem nome e será fundado na área destruída, próximo à comunidade do Córrego do Feijão. As negociações para a sua instalação ainda ocorrem junto à mineradora Vale e ao governo do estado de Minas Gerais. Não há ainda uma data estimada para a construção nem previsão fechada de custos. De acordo com declaração da Vale por e-mail, “por se tratar de tema sensível a todos, os encontros ocorrem periodicamente e levam em conta um processo de escuta ativa da comunidade, buscando formas de atender às necessidades e demandas dos atingidos”.
De acordo com a responsável pelo projeto na associação, Kenya Paiva Lamounier, a Vale promoveu as apresentações de quatro arquitetos para mostrar ideias e inspirar a concepção do projeto do memorial. Para ela, o importante é que seja um espaço de memória das vítimas. "Vai ser para a história dessas pessoas. Pensando nessa lógica, de como coisas como essas não podem ocorrer mais. Todos que vierem precisam saber o que ocorreu", afirma.
A ideia é que o monumento seja construído no rumo da antiga portaria da Vale para o complexo minerário de Córrego do Feijão, local que foi completamente destroçado pela passagem dos quase 12 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro. A portaria não existe mais e a única estrada viabilizada depois do desastre é destinada exclusivamente à incessante procura pelos corpos de 13 desaparecidos que ainda estão sob a lama. Por esse motivo, a via aberta pela Vale só comporta o tráfego de caminhões, tratores e demais máquinas pesadas.
O local não foi escolhido ao acaso. Ali, tanto os familiares dos trabalhadores que morreram no complexo – que representam mais de dois terços das vítimas – quanto o de moradores da região e do Bairro Córrego do Feijão poderiam ter próximos de si essa homenagem às vítimas do maior desastre brasileiro em número de óbitos. A própria responsável pelo memorial é viúva de um dos trabalhadores que estavam na mina no dia do rompimento e leva o seu trabalho como uma homenagem ao marido. Adriano Aguiar Lamounier, de 54 anos, trabalhou no planejamento elétrico da mina e era diretor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Extração de Ferro e Metais Básicos de Brumadinho e Região (Metabase). Seu corpo foi sepultado em 20 de fevereiro, sendo o terceiro diretor do sindicato vítima da tragédia. “O memorial é algo que por representar uma perda tão importante para nossas famílias precisa ter esse significado”, afirma Kenia.
Para lembrar vidas e história
A participação da comunidade do Córrego do Feijão, em Brumadinho, é muito importante na concepção do memorial das vítimas do rompimento da Barragem B1, segundo a viúva de uma das vítimas e diretora da Avabrum, Kenya Paiva Lamounier. É essa comunidade que terá a estrutura como parte integrante de seu cotidiano. “Estamos conversando e a gente se encontra quase que semanalmente para insistir para que o monumento seja perto da portaria, próximo à igreja e ao campo onde as buscas ocorreram. É um trabalho de formiguinha, não somos experientes em nada desse tipo, mas temos a tragédia em comum e a missão de construir essa homenagem, só com a nossa dor e a nossa memória. Não estamos dispostos a desistir nunca”, afirma.
Morador do Córrego do Feijão, o aposentado Sebastião Felício Camilo, de 68 anos, afirma que o memorial será uma obra importante para homenagear as pessoas que perderam a vida na tragédia, muitas delas vizinhos e amigos de grande convívio que foram perdidos. “Mas não vou precisar de memorial para me lembrar do que passamos. Nunca vamos esquecer aquilo. Minha coluna nunca mais parou de doer depois que ajudei a tirar um menino de7 meses do fundo da lama, ainda vivo. É filho de uma vizinha e estava todo enlameado. Estava preso, chorava com o nariz todo cheio de lama. Quando o entreguei para a mãe, que estava em lágrimas, ela me agradeceu e disse: ‘Minha criança’. Esqueço isso mais não”, suspira o aposentado.
O auxiliar administrativo Maikon Antônio Ferreira Cândido, de 25, também morador do Córrego do Feijão, conta que as infestações de insetos são a mais recente praga trazida pelo rompimento que desfigurou sua comunidade e matou muitos amigos. “Para nós, a noite se tornou um inferno, cheia de mosquitos e pernilongos que não tínhamos antes. Deve ser por causa desse tanto de poças de lama e de água. Todos reclamam. A agonia não passa. Além da depressão, ainda temos as picadas de bichos todos os dias”, reclama. O rapaz conta que a comunidade mudou completamente e que a homenagem de um memorial seria bem-vinda. “Passava muito pela Pousada Nova Instância, onde tinha muitos amigos e trabalhei de garçom por seis anos. Só que ela acabou. Não tem mais nada. Tinha um restaurante bacana, mas tudo se desintegrou e só ficou uma moita de bambu”, observa.