Um drama que representou mais de 4 anos de atrasos e até hoje não tem uma solução adequada desde o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em novembro de 2015, é saber exatamente o destino dos cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro que vazaram na tragédia e inundaram o Vale do Rio Doce. Desafio similar pode ter desfecho menos problemático no caso da ruptura da Barragem B1, da Vale, na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Estudos realizados pela mineradora mostram que uma das opções preferidas seria recolher os cerca de 7 milhões de metros cúbicos de rejeitos espalhados pelos 9,6 quilômetros de extensão do Ribeirão Ferro-Carvão e injetá-los na antiga cava da Mina Córrego do Feijão, uma depressão rochosa aberta na serra com capacidade para receber até 27 milhões de metros cúbicos de material e que fica dentro do próprio complexo minerário. Esse destino confinado poderia representar menores impactos e mais segurança. Ontem, missa e homenagens às vítimas marcaram o Natal e os 11 meses do desastre.
Atualmente, os rejeitos removidos do vale do manancial atingido precisam ser vistoriados e liberados pelas equipes de bombeiros que ainda realizam buscas pelos corpos de 13 desaparecidos de um total de 270 vítimas do rompimento. Depois de vistoriados, os rejeitos são transportados por uma estrada de terra de 3,6 quilômetros que foi criada a partir da antiga estrada de ferro operada no complexo. “Descomissionamos a linha de ferro para ter acesso exclusivo para a passagem do rejeito. Foi uma forma que encontramos para não impactar a comunidade e uma via municipal próxima com o tráfego intenso de caminhões, geração de resíduos, entre outros problemas”, afirma o gerente-executivo das obras de reparação da Vale em Brumadinho, Rogério Bueno Galvão. As primeiras casas do Bairro Parque do Lago, de Brumadinho, ficam a apenas a 130 metros dessa via. A estrada de ligação com o Bairro Córrego do Feijão fica a menos de 100 metros.
Os caminhões que saem da zona quente de buscas por vítimas carregados com rejeitos removidos da área atingida sobem toda a estrada, passando pelas antigas estruturas de beneficiamento, que foram destruídas e desmobilizadas. O destino dos restos da extração de minério de ferro é a pilha de estéril de 65 metros de altura que fica entre a cava da Mina Córrego do Feijão, afastada a 250 metros da barragem B6, que foi esvaziada e reforçada, e a 650 metros do que sobrou da ombreira mais próxima da barragem B1, que se rompeu. O rejeito precisa passar por desidratação para ser disposto na pilha.
A utilização das antigas cavas abertas durante a extração de minério para acomodar rejeito não seria nada novo. A própria Samarco tem projeto de voltar a minerar no Complexo de Germano, em Mariana, e para isso prepara a cava da Mina de Alegria Sul para receber os rejeitos oriundos de suas atividades. O volume que pode ser acomodado chega a 10 milhões de metros cúbicos. Com a obtenção da Licença de Operação Corretiva (LOC), em outubro, a Samarco tem todos os documentos ambientais desse tipo necessários para reiniciar suas operações, o que deverá ocorrer apenas após a implantação do sistema de filtragem, que permitirá o empilhamento de rejeitos a seco, em meados do ano que vem.
DESAFIO
Já os detritos acumulados pela exploração de minério de ferro e que desceram da Barragem do Fundão ainda representam um grande desafio. Dos 10 milhões de metros cúbicos acumulados no fundo da Barragem de Candonga, entre Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, 3 milhões deveriam ser removidos e ficar numa barragem, mas uma série de problemas com a construção desse barramento impediu essa manobra. Outros 10 milhões de metros cúbicos estão na área da mineradora, inclusive dentro de três diques e de um barramento. Não há sequer aprovação do Conselho Interfederativo, que define os rumos das reparações do desastre, para as técnicas utilizadas na remoção de rejeitos de sete das 17 áreas demarcadas no desastre. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), até o momento, 1.161.591 metros cúbicos foram removidos da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, o que representa 2,6% do total desprendido de Fundão.A Mina Córrego do Feijão ainda estava em operação em dezembro de 2018, antes do rompimento da barragem B1, em 25 de janeiro. Um projeto de integração com as operações da mina vizinha, de Jangada, estava em andamento, aguardando autorização dos órgãos ambientais. Mesmo com a cava contendo minério de ferro não explorado, a Vale se comprometeu a não mais ativar as atividades no local, o que deixaria o espaço aberto para a destinação de rejeitos se assim for aprovado pelos órgãos ambientais. A usina de tratamento do complexo minerário também está desativada, mas ainda não se sabe se há planos para seu aproveitamento futuro.
Água filtrada
A água do Ribeirão Ferro-Carvão passa por filtragem na Estação de Tratamento de Água Fluvial (Etaf) Iracema para remover rejeitos de minério. Eles são depositados em bolsões geotêxteis e a água devolvida pura no processo segue para o Córrego Casa Branca, um afluente do Rio Paraopeba que deságua a menos de 200 metros do Ferro-Carvão. Outra parte do rejeito é dragada do Rio Paraopeba, num trecho de dois quilômetros após a foz do ribeirão. Já foram removidos 38 mil metros cúbicos de material nesse trecho, mobilizando 45 empresas, 584 equipamentos e 2,8 mil trabalhadores, quase a metade de Brumadinho e região. Os investimentos beiram os R$ 500 milhões e devem somar R$ 1,8 bilhão até o fim do processo.Homenagens e trabalho
Marcelo da Fonseca e Gabriel Ronan
Missa, homenagem às vítimas e trabalho incessante dos bombeiros marcaram a manhã de Natal em Brumadinho, na Região Metropolitana de BH, quando se completaram 11 meses do rompimento da Barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão. No Santuário de Nossa Senhora do Rosário, amigos e familiares das pessoas que morreram celebraram a memória de seus entes queridos. Depois, partiram para o letreiro localizado logo na entrada do município, onde exatamente às 12h28, horário do desastre ocorrido em janeiro, reverenciaram os 257 mortos já confirmados e 13 desaparecidos.
“Não teve Natal na minha casa. Não vai ter ano-novo. Não tem nenhuma festa. É só tristeza que não acaba.” O desabafo é de Geraldo Resende, pai de Juliana Resende, ex-funcionária da Vale na Mina do Córrego do Feijão, uma das vítimas que ainda não foram encontradas.
As recordações daqueles que perderam a vida na lama que vazou da barragem permearam as conversas no Natal, dia em que tradicionalmente as famílias trocam presentes e se reúnem em almoço. “Estávamos juntas no Natal passado. Lembro-me da minha irmã fazendo planos para este ano. Nesta época das festas, parece que a falta dói ainda mais”, diz Joana Melo, que perdeu a irmã Eliane, prestadora de serviço à mineradora.
“Este é um momento de nos ressignificar. Ontem (terça-feira), fizemos uma ceia e relembramos os momentos com o Bruno”, disse Andresa Rodrigues, que perdeu o filho Bruno Rodrigues, diante de um varal de fotos das vítimas. “Precisamos nos apoiar uns nos outros. A união das famílias é nosso alento. As nossas joias estão sendo honradas”, afirmou Andresa. Houve também protestos contra a Vale, proprietária do complexo minerário onde a barragem se rompeu.
Para Geraldo Resende, a busca pelo corpo de sua filha virou missão de vida. Ele participou, na semana passada, de reunião com representantes do Corpo de Bombeiros para pedir que as buscas não fossem interrompidas durante as festas de fim de ano. Medida que foi aceita pelos bombeiros.
Ontem, por exemplo, 85 bombeiros militares se dedicaram a 12 frentes de trabalho na área. Eles usaram 128 máquinas e um drone para tentar encontrar os desaparecidos. A última pessoa a entrar na lista das mortes confirmadas foi localizada pelo Corpo de Bombeiros em 2 de dezembro.