Emocionada, a farmacêutica Camila Massardi Demartini, de 29 anos, confirmou a informação mas não teve forças para falar mais nada à reportagem na noite de ontem. O pai dela, Paschoal Darmartini Filho, de 55, acabara de morrer na Santa Casa de Juiz de Fora, vítima da doença misteriosa que levou sete homens à internação com grave quadro de insuficiência renal associado a sintomas neurológicos. O marido dela, Luiz Felippe Teles Ribeiro, de 37, também está internado com o mesmo quadro, mas em Belo Horizonte. Antes de adoecer, ambos participaram de festa no Buritis no fim do ano, Região Oeste da cidade, bairro ao qual todos os pacientes estão conectados – moram, passaram por ele ou vivem no seu entorno. Uma força-tarefa foi designada pelas autoridades de saúde para vasculhar estabelecimento comerciais e casas do Buritis em busca de respostas para os casos. A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG), que divulgou nota informando sobre o óbito na noite de ontem, pede calma à população e afirma que os casos são pontuais e circunscritos a esse bairro.
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Morre paciente que estava internado por doença misteriosa em MinasDoença desconhecida está além do Buritis e atinge ao menos sete pessoas em MinasContaminação no Buritis: o que é fato e o que é boato sobre o caso que circulou no WhatsAppExecutivo de Nova Lima é um dos pacientes com doença misteriosa investigada em MGCom mais duas notificações, doença misteriosa leva medo ao BuritisCorpo de homem que morreu por doença misteriosa chega a BHSaúde recebe mais duas notificações de doença misteriosa; pacientes moram no BuritisCorpo de vítima da doença misteriosa passará por necrópsia em BH"Não temos um diagnóstico. Temos um mesmo quadro clínico para um critério de caso. O que sabemos é que todos são homens, de uma mesma localidade em Belo Horizonte e adoeceram no mesmo período do ano. Não temos nenhuma nova notificação. Nenhum caso de adoecimento em janeiro – o que pode ser indício de que se trata de um momento pontual de exposição. A lista de possíveis causas é extremamente extensa. Não se pode descartar nenhuma. Pelo contrário, estamos ampliando a gama de possibilidades. Mas acreditamos se tratar de intoxicação exógena ou de um agente infeccioso", explicou ontem o subsecretário de Vigilância em Saúde de Minas Gerais, Dario Brock Ramalho.
A intoxicação exógena é o conjunto de sintomas decorrentes da exposição a substâncias químicas tóxicas, como remédios em doses excessivas, picadas de animais venenosos, metais pesados (como chumbo e mercúrio) ou exposição a inseticidas e agrotóxicos. Agentes infecciosos, por sua vez, são microrganismos responsáveis por causar doenças infecciosas com potencial de transmissão para outros seres vivos, da mesma espécie ou não.
Entre as hipóteses aventadas estão o botulismo ou intoxicação por metanol. A segunda hipótese, segundo o subsecretário, se adéqua mais aos sintomas apresentados pelos pacientes, mas não completamente. "Os sintomas parecem mais compatíveis, são similares. Mas a contaminação por metanol é evento muito raro e alguns dos nossos especialistas não acreditam na possibilidade", acrescentou. Isso porque, de acordo com ele, o principal causador é a cachaça que não tenha sido produzida de forma correta. "Todos os doentes são homens, adultos e que ingerem álcool. Mas apenas dois deles beberam cachaça nas datas anteriores aos sintomas. Cachaças diferentes. E não faz sentido que a doença ocorra por meio da cerveja”, disse.
Já o botulismo é causado pela bactéria Clostridium botulinum, cujos esporos sobrevivem até em ambientes com pouco oxigênio, como em alimentos em conserva ou enlatados. Ele produz uma toxina que, mesmo se ingerida em pouquíssima quantidade, pode causar envenenamento grave em questão de horas. Mas, de acordo com o secretário, "o botulismo não causa sintomas como a insuficiência renal, que afetou os sete pacientes em análise. E a paralisia ocorre de forma mais pontual”.
Outros casos
Seis pacientes continuam internados em hospitais da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Cinco na capital e um em Nova Lima. Para Dario Brock, também esse caso tem ligação com o Buritis, já que a cidade faz limite com o bairro. Assim como Paschoal Damartini Filho, todos apresentaram os sintomas a partir de dezembro. Entre os enfermos, a média de tempo entre início dos primeiros sintomas e a internação foi de 2,5 dias, conforme o documento. A Secretaria de Saúde avalia a retirada de um dos casos da contabilidade. Trata-se de um idoso de 75 anos morador do Buritis. "Pessoas jovens não adoecem de doenças graves sem explicação bem definida. Mas o idoso já tem uma doença prévia", informou.
As informações sobre a doença misteriosa começaram a circular nas redes sociais no último fim de semana, creditando o quadro ao consumo de alimentos contaminados no Bairro Buritis e geraram grande preocupação em toda a cidade e inundaram as redes sociais de boatos. No domingo, a filha de Paschoal falou ao Estado de Minas: “Fizemos um churrasco aqui no prédio no dia 22. Meu pai e meu marido estavam. Comemos picanha, medalhão, salsichão. Bebemos cerveja. Todos comemos. Mas, na segunda-feira seguinte ao evento, Felipe começou a passar mal. Teve febre, dor no corpo e diarreia. Na quarta-feira, o mesmo ocorreu com o meu pai”, relatou Camila. Eles foram internados na quinta-feira (27), após procurar ajuda médica pensando se tratar de uma virose. “É um mistério. E o que liga os quatro casos do Buritis? Eu não sei te falar”, desabafou.
Na segunda-feira, o Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs-Minas), enviou nota informando que os sintomas de insuficiência renal aguda de evolução rápida (em até 72 horas) somados a alterações neurológicas já atingem cinco moradores de Belo Horizonte, um de Ubá (internado em Juiz de Fora), na Zona da Mata, e outro em Nova Lima, na região metropolitana da capital. Entre as alterações neurológicas apresentadas pelos pacientes, o documento destaca: paralisia facial, borramento visual, amaurose (perda da visão parcial ou totalmente), alteração sensorial e paralisia descendente.
Alerta médico
Todos os profissionais da saúde que atuam em centros de saúde e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do estado foram orientados a ficar atentos a quadros semelhantes aos apresentados pelos pacientes internados. De acordo com o secretário, casos iniciais de insuficiência renal aguda já devem ser notificados. Ele faz uma analogia com a epidemia de febre amarela para explicar por que sintomas mais leves de problemas urinários ou renais não estão incluídos na lista de notificações. "Quando começou epidemia de febre amarela em 2017, apenas os casos com sangramento eram notificados como suspeitos. Isso porque se todas as pessoas com febre fossem consideradas suspeitas não iríamos detectar e cercar a doença. Posteriormente, quando já tínhamos alto índice por região, a febre passou a ser sintoma importante para a notificação. Dessa mesma forma, consideramos casos em alerta os que apresentam a insuficiência renal", explicou. Mas vale ressaltar que muitas doenças desencadeiam insuficiência renal. Ele explica que inúmeros exames foram feitos, mas não há prazo para serem finalizados. "Não é o caso de faltar apenas um exame para definirmos a doença", disse.