Ainda é grave o estado de saúde de dois pacientes internados no Hospital Mater Dei, no Bairro Santo Agostinho, em Belo Horizonte, com diagnóstico de insuficiência renal e alterações neurológicas. Ambos estão sob os cuidados do Centro de Terapia Intensivo (CTI) da unidade, após ingestão da Cerveja Belorizontina, da Backer. Segundo laudo preliminar da Polícia Civil, a bebida foi contaminada por dietilenoglicol, substância capaz de causar intoxicação severa. Ao todo, oito pessoas que beberam a Belorizontina foram internadas com sintomas compatíveis com o envenenamento pelo produto químico (uma delas morreu na terça-feira (10).
"Os pacientes se encontram em observação. A pedido da família, não podemos dar detalhes do quadro clínico mas ele inspira cuidados, é delicado, afirmou a médica infectologista e Coordenadora do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar da Rede Mater Dei de Saúde, Silvana de Barros, ao Estado de Minas.
Silvana de Barros explica que quando ingerido, o produto destrói parte de dentro das células e pode provocar insuficiência renal e problemas neurológicos. Segundo a profissional de saúde, os sintomas começam com náusea e vômitos e podem evoluir para alterações nos rins e insuficiência renal. Também pode provocar visão borrada, cegueira e paralisia facial.
Conforme a médica, a ingestão de uma pequena quantidade de dietilenoglicol é capaz de provocar estragos. No caso dos pacientes internados no hospital Mater Dei, a quantidade do produto ingerido variou. "Um bebeu muito e o outro pouco. É individual, mas trata-se de uma dose-dependente, ou seja, quanto maior a quantidade, maior o risco", explicou.
Ela também informou que, apesar da gravidade do estado de saúde dos pacientes e de possíveis novos casos, não há motivo para pânico. "As pessoas devem ficar em alerta e acompanhar o caso por meio de fonte oficiais. A recomendação óbvia é não ingerir o produto e, quem tiver em casa, entregar as garrafas para a Vigilância Sanitária", disse.
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais convocou uma reunião com a força tarefa que analisa a contaminação da cerveja Belorizontina, para discutirem os próximos passos da investigação. Compõem o grupo especial que analisa a situação Polícia Civil, Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), Ministério Público, Vigilância Sanitária e Ministérios da Saúde e da Agricultura.
A reunião deve acontecer nesta sexta-feira, e um resultado sobre encaminhamentos médicos, epidemiológicos e da Vigilância Sanitária será divulgado em sequência.
Por meio de nota, a Backer, disse que a substância encontrada nas amostras investigadas não faz parte do seu processo de produção. Os lotes envolvidos serão recolhidos de circulação.
O que é o dietilenoglicol
Segundo a mestre cervejeira Fabiana Arreguy, o dietilenoglicol é uma substância usada para agilizar o resfriamento no processo de produção de cerveja. No entanto, a substância não deveria ter contato com a bebida, uma vez que passa por um cano fora do tanque.
“Quando a cerveja termina o processo de feitura, que é a parte quente, ela vai para o fermentador e precisa passar por resfriamento imediato. Então, existe uma serpentina externa dos tanques, que não passa dentro. Lá passam várias substâncias, álcool com água e o etilenoglicol, que é uma substância anticongelante. Isso é usado para resfriar de forma imediata o líquido, mas não tem contato direto com a cerveja. Para que houvesse contato com a bebida, teria que ter um furo, um rasgo no tanque, um vazamento ligando a serpentina ao líquido. Um problema sério do equipamento”, explica Fabiana.
Mortes pelo mundo
A substância dietilenoglicol já provocou desastres pelo mundo. Em 2009, por exemplo, autoridades de Bangladesh encontraram vestígios do produto químico tóxico em um xarope de paracetamol que teria matado 24 crianças.
À época, as crianças, que tinham entre 11 meses e três anos, morreram devido a problemas renais depois de terem consumido uma marca de xarope de paracetamol.
Em novembro de 2008, bebês começaram a morrer na Nigéria após desenvolverem febres e vômitos. As investigações revelaram que todos haviam tomado um medicamento chamado "My Pikin Baby", que continha dietilenoglicol.
O veneno causou a morte de pelo menos 84 crianças entre dois meses e sete anos. O governo nigeriano localizou o dietilenoglicol em um revendedor de produtos químicos não licenciado, que o vendeu a um fabricante farmacêutico local.
Em 1990, outro caso na Nigéria abalou o país. Naquele ano, 47 crianças foram internadas no hospital universitário Jos University, com anúria, febre e vômito. As crianças mais tarde desenvolveram insuficiência renal e morreram.
Todas as crianças receberam xarope de acetaminofeno para tratar infecções respiratórias superiores relacionadas à malária. Depois que os médicos identificaram um xarope suspeito de paracetamol, as amostras foram enviadas para os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos EUA. Esse incidente encorajou o governo nigeriano a desenvolver diretrizes de controle de qualidade farmacêutica.
A substância também já provocou mortes na Argentina, Espanha e Índia.