Oito regiões, inclusive fora de Minas Gerais, receberam o lote da cerveja Belorizontina em que a Polícia Civil constatou a presença da substância tóxica dietilenoglicol. No estado, as 33 mil garrafas foram distribuídas para Belo Horizonte e municípios da região metropolitana, Tiradentes, na Zona da Mata, Ouro Preto, na Região Central, e para o Centro-Oeste de Minas. A bebida, produzida pela cervejaria Backer, também chegou aos estados de São Paulo e Espírito Santo, além de Brasília (DF). Já são 10 os casos suspeitos de pacientes intoxicados pela substância, sendo que em três deles houve a confirmação do agente químico em exames de sangue.
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Casos sobem e quatro Ministérios interditam cervejariaBacker: cervejas de lote investigado foram distribuídas em três estados e DFEm meio a suspeitas, bar da Backer funciona normalmente em BHBelorizontina: pesquisa de casos de intoxicação deve retroceder a novembro Intoxicados e morto consumiram cerveja Belorizontina, da Backer, diz força-tarefaMulher é internada em Viçosa com suspeita de intoxicação pela cerveja BelorizontinaUm dia após intervenção do Governo Federal, movimento na Cervejaria Backer segue normalClima faz cogumelos brotarem em BH“É importante informar que essas 33 mil garrafas de cerveja foram para várias regiões e somente ali no Bairro Buritis estão acontecendo esses casos. É importante a gente entender isso. A gente quer respostas também, quer analisar e quer que o cliente Backer tenha respostas”, afirmou a diretora de marketing da Backer, Paula Lebbos, uma das proprietárias da cervejaria.
Oito dos casos conhecidos de pacientes com quadro clínico compatível com a contaminação por dietilenoglicol – problemas gastrointestinais, insuficiência renal aguda, alterações neurológicas, perda da visão parcial ou totalmente, entre outros – moram ou passaram pelo Bairro Buritis, na Região Oeste de BH. Não há, entretanto, conhecimento ainda sobre a origem de outras duas notificações informadas ontem pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), que confirmou a presença do agente químico em três dos 10 pacientes sob investigação.
Mestre cervejeiro da Backer, Sandro Duarte reiterou que a substância dietilenoglicol não faz parte do processo produtivo da empresa, cuja planta com capacidade para 300 mil litros está instalada no Bairro Olhos D'água. Segundo ele, o líquido usado para a refrigeração dos tanques de fermentação da Backer é composto por outro tipo de substância, o monoetilenoglicol. “Esse em questão não tem na fábrica e nem utilizamos. A gente usa o monoetilenoglicol. Ele tem uma toxicidade bem menor”, afirma Duarte.
Ele reitera que não há contato entre o líquido para resfriar a cerveja, uma das etapas da produção, e os 60 tanques da cervejaria, que também são usados na fabricação de outros rótulos, e não somente a Belorizontina. “É um caso raro, se é que aconteceu. Não se tem notícia de uma eventual contaminação de líquido refrigerante com cervejaria. É um líquido que corre na parte externa do tanque”, detalhou. Questionada sobre a hipótese de uma “sabotagem”, como tem circulado em redes sociais, a diretora da Backer, Paula Lebbos, respondeu que “nesse momento em não acredito em nada e acredito em tudo”.
PRELIMINAR O advogado da cervejaria Backer, Estêvão Nejm, contestou o laudo da PC que indicou a presença do dietilenoglicol em duas garrafas da Belorizontina. “Não existe laudo técnico que ateste a presença do agente químico. O documento enviado pela PC é uma análise preliminar que não foi submetida a uma conclusão, sem uma contraprova. Ele negou ainda haver notificação do Ministério da Agricultura para interditar a fábrica e que fiscais do órgão federal foram à indústria para “fazer diligências e análises”.
Primeira cervejaria artesanal mineira, a Backer foi criada pelos irmãos Lobbo em 1999 aos pés da Serra do Curral, em Belo Horizonte. A fábrica conta com cerca de 350 funcionários. Com 20 rótulos, vários deles premiados internacionalmente, a Backer lançou a Belorizontina para homenagear os 120 anos da capital mineira, em 2017. A cerveja, que teria uma edição limitada, fez sucesso e continuou a ser produzida pela marca.
Socorro rápido pode barrar estragos
Márcia Maria Cruz
A intoxicação com composto orgânico apontado como a causa da sídrome nefroneural que já acometeu 10 pacientes e levou um deles, de 55 anos, à morte pode ser evitada se ministrado antídoto nas primeiras 48 horas após a ingestão. O dietilenoglicol é apontado como causa de envenenamentos em países de inverno mais rigoroso. “A substância é usada para baixar a temperatura de congelamento e impede que radiador e bateria entrem em estado de congelamento”, diz o nefrologista Vinícius Sardão Colores, membro da diretoria da Sociedade Mineira de Nefrologia.
De acordo com a quantidade, a ingestão pode levar à morte, conforme alertam os professores de química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Bruno Gonçalves Botelho e Cláudio Luís Donnici. A intoxicação com o dietilenoglicol pode evoluir para três fases: comprometimento gastrointestinal, nefrológica e complicações neurológicas.
Quando ingerido, o composto orgânico é absorvido pelo trato intestinal. Depois de 48 horas, o paciente inicia quadro de insuficiência renal, o rim para de funcionar. Quando aparecem esses primeiros sinais, a pessoa contaminada costuma procurar os serviços médicos. “Em geral, o paciente dá entrada com insuficiência renal, com exames alterados ou por parar de urinar.”
No período de sete a 10 dias, o paciente pode apresentar problemas no quadro neurológico, com a paralisia dos pares cranianos, que fazem toda a musculatura da face funcionar (músculos dos óculos e da boca). O quadro pode evoluir para paralisia dos músculos do pescoço para baixo, como se fosse uma tetraplegia. Esses metabólicos tóxicos se acumulam e lesionam os órgãos.
Nas primeiras 48 horas, o nefrologista explica que pode ser ministrado um antídoto, com a aplicação intravenosa de álcool etílico. No entanto, o procedimento não deve ser feito sem acompanhamento médico. “É um tratamento muito raro. No Brasil, não temos histórico desse tipo de intoxicação. É mais comum ocorrer em países frios.”
O comprometimento neurológico pode não ter reversibilidade. “Para a parte neurológica se recuperar, é preciso fisioterapia e tratamento de suporte no período de oito a 14 semanas até o paciente esboçar melhora. O composto orgânico atinge o neurônio, levando lesão da mielina (bainha de mielina). “Quando há perda dessa substância de condução nervosa, o nervo começa a não funcionar. Não é uma limitação muscular. O que ocorre é o nervo, que não consegue levar o estímulo”, diz.
QUANTIDADE LETAL Dietilenoglicol, cujo nome oficial é 3-Oxa-1,5-pentanediol, é um líquido, viscoso, incolor, inodoro e tóxico muito usado como componente em vários produtos químicos e tem sido responsável por diversas epidemias de envenenamento.
O análogo mais simples o etilenoglicol é comumente usado como anticongelante, e o derivado mais complexo o dietilenoglicol pode estar presente como subproduto na produção do etilenoglicol. A dose tóxica mínima é estimada do dietilenoglicol de 0,14 miligrama por quilo de peso corporal e a dose letal está entre 1 e 1,63 grama por quilo de peso corporal.
A ingestão de grandes quantidades tanto de etilenoglicol quanto de dietilenoglicol pode ser fatal. De acordo com o professor Claudio Donnici, a dose letal é de 786 miligramas de etilenoglicol por quilo e de 1,0 a 1,63 mg/Kg de dietilenoglicol para humanos. "Isso significa que uma pessoa de 80 quilos tem que ingerir 80 gramas para ser fatal. A quantidade é muito alta", argumenta. Mas temos que lembrar que o dietilenoglicol é metabolizado no fígado gerando outros compostos como 2-hidroxietoxi-acetaldeido e ácido 2-hidróxi-acético", afirma.
Em 1985, em Viena, na Áustria, foi reportado um caso de vinho contaminado com altas doses de dietilenoglicol, o que levou o governo austríaco na época a retirar milhões de garrafa da bebida do comércio. Esse caso foi bem divulgado nos Estados Unidos pelo jornal The New York Times.