Jornal Estado de Minas

ROMPIMENTO DE BARRAGEM

Brumadinho: técnica inovadora pode revitalizar natureza destruída em dez anos

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Ribeirão já passa por processo de draga para uma estação de tratamento, que devolverá a água mais pura (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Mesmo um olhar atento e técnico tem dificuldade para identificar como era a natureza nos 275 hectares arrasados pela lama e os rejeitos de minério de ferro despejados pelo rompimento da Barragem B1, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Barrancas de ribeirões, córregos chegando por brejos, bambuzais, matas. Tudo consumido e resumido numa única paisagem cor de terra vermelha. Mas um projeto pode abrir uma janela para o futuro e com auxílio de várias tecnologias apontar como o Vale do Ribeirão Ferro-Carvão, soterrado por mais de 7 milhões de metros cúbicos (m³) de rejeitos – no total foram liberados 10,6 milhões de m³ –, poderá voltar a correr em meio a várzeas arborizadas, servindo de berçário a peixes e aplacando a sede de animais silvestres como fazia antes de 25 de janeiro, data do rompimento.



Essa janela para o futuro é um laboratório de cerca de 5 hectares, numa extensão de 700 metros do Ribeirão Ferro-Carvão entre a ponte da estrada para Alberto Flores e a foz do manancial no Rio Paraopeba. O projeto utiliza essencialmente uma técnica chamada de vertical green e outras tecnologias, para possibilitar com mínimo impacto e práticas sustentáveis o reestabelecimento da natureza no trecho soterrado pelos rejeitos. O trabalho começou há quatro meses e os resultados já são animadores e podem representar uma forma de se revitalizar toda a bacia atingida pelo rompimento da barragem, ao longo de 9,6 quilômetros do Rio Paraopeba, aos pés da Barragem B1.

Mas não é um processo simples e nem pode ser implantado a qualquer momento. Para se ter uma ideia, a Vale só pode começar com o experimento depois que os bombeiros, que ainda trabalham nas buscas pelos corpos desaparecidos de 13 pessoas, exaurirem as possibilidades de encontrar qualquer vestígio humano naquele trecho. O trabalho dos militares socorristas é prioritário sobre todos os demais que não sejam emergenciais. Com o sinal verde da corporação, é preciso remover com maquinário todo o rejeito depositado pelo rompimento.

“Foi contratada uma empresa de engenharia ambiental que sugeriu essa solução, com a técnica do vertical green para um experimento nessa área que tinha sido liberada. Nossa intenção era testar para ver se ocorreria uma recuperação ambiental satisfatória e até agora os resultados parecem bons”, observa o gerente-executivo das obras de reparação da Vale em Brumadinho, Rogério Bueno Galvão. “Depois que removemos os rejeitos, passamos a implantar o processo de recuperação de áreas degradadas com a estabilização de barrancos, o restabelecimento de margens e a renaturalização do Ribeirão Ferro-Carvão”, conta.



Fidelidade

Enquanto o terreno era liberado do rejeito, uma equipe de projetistas, munidos com imagens de satélite e outras referências, reproduziu com a máxima fidelidade possível cada curva, remanso e corredeira a ser restituída no traçado do Ribeirão Ferro-Carvão. Como não bastava apenas utilizar material ambientalmente sustentável, mas também capaz de resistir às cheias, enxurradas e demais eventos naturais a que o manancial estaria sujeito, foram usados materiais geossintéticos que estabilizaram o solo e ainda permitem a semeadura de espécimes nativas para o reflorestamento.

“Montamos as margens com paredes estruturadas com biomantas, redes e mantas que permitem segurar as sementes e tudo vai florir com estabilidade. Os tributários, a água que percola pelo terreno e matas, todo esse sistema está tendendo a um equilíbrio similar às condições anteriores”, aponta Galvão.

Nada nesse processo pode ser feito sem o acompanhamento e liberação dos órgãos ambientais. “Tivemos de fazer um senso de cada árvore que estava nessa área e repassá-lo para o Instituto Estadual de Florestas (IEF) para que fossem definidas quais poderiam ser suprimidas e quais deveriam ser mantidas por vários motivos, como por serem estruturas para ninhos etc. Com isso, levamos quatro meses realizando o senso”, afirma o gerente-executivo das obras de reparação.



Testes definirão amplitude do projeto



Se o vertical green será a solução a ser implantada em toda a área atingida até a Barragem B1, isso ainda vai depender de testes, sobretudo os posteriores ao fim da estação chuvosa 2019/2020, após o mês de março. No trecho que vai além da área de testes, onde o Rio Paraopeba foi engolido pela massa de rejeitos, as técnicas de recuperação a serem utilizadas serão outras. De acordo com a Vale, nos primeiros dois quilômetros após a foz do Ribeirão Ferro-Carvão, foram feitos trabalhos de batimetria que encontraram 225 mil metros cúbicos (m³) de rejeitos na calha. “Esse trecho já está sendo dragado e o material que é removido direcionado para a Estação de Tratamento de Águas Fluviais da Lajinha, construída com capacidade para 350 mil m³ e que depois devolve a água pura para o rio”, afirma o gerente-executivo das obras de reparação da Vale em Brumadinho, Rogério Bueno Galvão.

Mesmo o processo de dragagem precisa observar critérios rígidos e foram estabelecidos pelos órgãos ambientais e de controle, como Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e o Ministério Público Estadual (MP), gatilhos técnicos para interromper o processo. “São vários gatilhos de monitoramento que interrompem o processo imediatamente quando há indícios de impactos. São fatos como uma elevação muito acentuada de turbidez (saturação da água por partículas) ou uma mortandade de peixes. Foram seis meses para que os métodos de dragagem e seus protocolos fossem aprovados. Será um progresso lento, mas até julho de 2020 esperamos ter retirado tudo”, estima Galvão.

Técnicos da Fundação SOS Mata Atlântica que estiveram na área do rompimento logo após a tragédia estimaram que uma recuperação florestal plena levaria cerca de 10 anos. Contudo, para que os ecossistemas destroçados pudessem voltar a uma harmonia plena, esse processo seria ainda mais longo, beirando um século. A reportagem entrou em contato com a fundação para saber se esse modelo prossegue com a utilização das atuais técnicas empregadas. De acordo com a assessoria de imprensa da SOS Mata Atlântica, uma equipe técnica deverá retornar “à região das bacias do Paraopeba e Alto São Francisco, afetadas pelos rejeitos, para análises comparativas da evolução dos indicadores de qualidade da água”.



Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), as obras do projeto vertical green se encontram em atraso. “Conforme a Vale, os atrasos ocorreram devido à existência de quatro dutos da Transpetro na área onde o projeto será instalado. É necessário um trabalho de envelopamento dos dutos, visando preservar a integridade dos mesmos. A previsão do fim do envelopamento é 20 de janeiro, com a implementação do “concrete channel” em seguida. As obras estão previstas para finalização em fevereiro”, informou.

Em um primeiro momento, a Semad entende que a técnica “atende ao necessário para reconformar o curso hídrico e proteger o solo contra processos erosivos, porém, trata-se de uma solução imediata, emergencial e temporária, que deverá ser sucedida em momento posterior por outras ações de recuperação ambiental da área”, como o reflorestamento, que é parte dos projetos da mineradora.