Informativo divulgado na sexta-feira pela força-tarefa criada para lidar com o caso que assusta Minas Gerais já avisava que a saúde pública estadual elaboraria “um novo protocolo clínico para intoxicação por dietilenoglicol visando ao tratamento dos pacientes”. Foi exatamente isso que ocorreu ontem. A nota técnica não só define o que deve ser caso suspeito daqui pra frente, mas também indica as primeiras ações a serem adotadas pelo profissional de saúde quando se deparar com um possível caso da doença. Além de exames laboratoriais iniciais, a pessoa que apresentar os sintomas precisa passar por avaliações oftalmológica e neurológica, define o protocolo.
O documento indica ainda o uso de etanol como antídoto para frear a intoxicação. O procedimento deve ser feito, preferencialmente, de maneira intravenosa, mas, em caso de indisponibilidade desse recurso, o paciente pode receber o remédio via oral. “O início do tratamento deve ser avaliado antes mesmo do diagnóstico laboratorial”, alerta a nota técnica.
Sete pacientes de Belo Horizonte, um de Ubá (Zona da Mata), um de Nova Lima e outro de São Lourenço (Sul de Minas) estão incluídos no balanço de doentes apresentado pelo documento da Secretaria de Saúde. As idades variam entre 23 e 76 anos e, segundo a nota, todos consumiram a cerveja Belorizontina. Três deles já testaram positivo para a presença do dietilenoglicol em sua corrente sanguínea – um desses é um executivo que está internado no Hospital Biocor, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, segundo fontes ouvidas pela reportagem. Vale lembrar que o morador de Ubá é Paschoal Demartini Filho, de 55 anos, que morreu na terça-feira em hospital de Juiz de Fora depois de consumir a cerveja em festa de família na capital mineira. O genro dele, Luiz Felippe Teles Ribeiro, de 37, também foi internado com o mesmo quadro do sogro.
A nota informa ainda que exames laboratoriais foram realizados pela Fundação Ezequiel Dias (Funed) para pesquisa de doenças transmissíveis e intoxicação exógena. Até o momento foram excluídas: arboviroses, febres hemorrágicas, infecções bacterianas e fúngicas sistêmicas, doenças neuroinvasivas e outras enfermidades como sarampo, hepatites virais, doença de Chagas e HIV. “Complementarmente às análises, a Polícia Civil tem realizado análises toxicológicas de amostras biológicas dos pacientes e produtos recolhidos pelas vigilâncias sanitárias municipais e estadual”, diz o texto.
Problema nacional
As determinações dos ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Justiça e Segurança Pública para interditar a fábrica da Backer e mapear para onde foram enviadas as cervejas do lote suspeito, emitidas na sexta-feira, já eram a constatação de que o caso havia virado assunto nacional. Após a própria cervejaria informar que garrafas do lote investigado foram enviadas para o interior de Minas, para os estados do Espírito Santo e de São Paulo e para o Distrito Federal, essas unidades federativas já se mexem para resguardar suas populações.
A Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Sesa) informou ontem à reportagem que “está acompanhando o caso de Minas Gerais e já encaminhou” a cidades capixabas um comunicado do Ministério da Saúde sobre o tema. Também disse que publicará, amanhã, portaria para determinar, por meio da Vigilância Sanitária daquele estado, “a fiscalização e recolhimento dos dois lotes da cerveja que ainda não tenham sido retirados do mercado pela própria empresa ou pelo Ministério da Agricultura”. O Estado de Minas tentou contato com o Ministério da Saúde para apurar os termos do comunicado expedido às secretarias, mas não obteve retorno.
A cervejaria Backer afirma que não usa dietilenoglicol na produção de suas cervejas e que mantém o controle de qualidade. Ontem funcionários fizeram vistoria nas instalações da fábrica interditada. O restaurante que funciona em espaço contíguo funcionou normalmente. Em entrevista coletiva na sexta-feira, a marca informou que realiza as próprias investigações e disse querer uma contraprova dos testes da polícia.
Escalada
Em 30 de dezembro, a Secretaria Estadual de Saúde recebeu a primeira notificação sobre a síndrome. Após emissão de nota técnica pelo órgão, na segunda-feira, 6 de janeiro, determinando notificação de casos semelhantes, os números cresceram rapidamente, até chegar aos 10 oficialmente investigados atualmente. Entre os pacientes, três fatores em comum: além da síndrome nefroneural, o fato de terem bebido a Belorizontina e de morar ou ter passado pelo Bairro Buritis, na Região Oeste de Belo Horizonte. A média de dias entre o início dos primeiros sintomas e a internação foi de 2 a 3 dias. Todos com insuficiência renal aguda de rápida evolução (até 72 horas) e alterações neurológicas centrais e periféricas.
Uma mulher, até ontem ainda não incluída na lista oficial da SES de casos suspeitos, foi internada em Viçosa, cidade da Zona da Mata mineira, com suspeita de intoxicação pela mesma cerveja. Segundo o diretor administrativo do Hospital São João Batista, Sérgio Pinheiro, a paciente deu entrada na quinta-feira. Ela chegou ao hospital com duas garrafas de Belorizontina, de dois lotes diferentes entre si e que também não correspondem àqueles em que a Polícia Civil verificou a presença de dietilenoglicol. De acordo com o diretor, o caso foi notificado às autoridades de saúde. (Com Luiz Ribeiro)