Jornal Estado de Minas

MINAS 300 ANOS

Barbacena inaugura roteiro turístico e gastronômico na Serra da Mantiqueira

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Doce de leite direto da linha de produção, também em versões sem açúcar e sem lactose (foto: Gustavo Weneck/EM/D.A Press)


Barbacena – Colher a maçã madura no pé, ver a produção de um queijo premiado, sentir o aroma da galinhada preparada na hora, ouvir o balido da ovelha e provar o doce de leite na rapa do tacho. Todos os sentidos afloram ao longo da Serra da Mantiqueira, entre Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, celeiro da diversidade de sabores e palco natural de grandes atrativos para aplauso dos visitantes.



A fim de valorizar esse tesouro, ainda pouco conhecido dos brasileiros, estará à disposição, a partir de amanhã, o roteiro Serras Alterosas da Mantiqueira, uma experiência sensorial contemplando, de início, Barbacena, na Região do Campo das Vertentes. À frente da iniciativa, está o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que levou um grupo de convidados e parceiros ao passeio inaugural por propriedade rurais do município, com degustação das delícias da agricultura, sem deixar de lado os monumentos históricos da cidade de 229 anos.

O roteiro (veja o serviço) faz parte da comemoração dos 300 anos de Minas (a partir da separação da Capitania de São Paulo, em 1720), e também do tricentenário da gastronomia mineira, ressalta a consultora técnica de pesquisa em gastronomia do Senac Minas, Vani Pedrosa. “Somos seres das serras, precisamos fortalecer sempre essa identidade, sendo o melhor caminho, sem dúvida, o que passa pelas comidas. Nossa culinária tem características muito próprias e conquista paladares. Por isso, em 2020, vamos focar nas quatro regiões cardeais: Norte, Sul, Leste e Oeste e mostrar o potencial de cada uma”, afirma Vani.
 
Queijo de cabra Névoa Valençuai, premiado na França (foto: Gustavo Weneck/EM/D.A Press)

No passeio inaugural, com partida no Hotel Grogotó e duração de dois dias, a consultora teve ao lado o chef de cozinha executivo do hotel escola Senac, Ronie Peterson Costa, filho da região e conhecedor das fazendas e sítios. “Formamos um time para proporcionar aos interessados a descoberta ou a redescoberta do estado.” Até dia 14 (amanhã), o roteiro será encaminhado ao Ministério do Turismo para avaliação e possível inclusão num programa maior abrangendo os três estados do Sudeste do país.



A raiz do roteiro está no projeto Primórdios da Cozinha Mineira – Da história à mesa, criado por Vani Pedrosa há 10 anos e em prática no Entre Serras, ligando a Serra da Piedade, em Caeté, na Grande BH, ao Santuário do Caraça, entre Catas Altas e Santa Bárbara, na Região Central. Em 2015, o projeto virou programa, foi adotado pelo Senac Minas, e por meio da Faculdade de Gestão do Senac Contagem, os professores Samir Haddad e Sandra Souto elaboraram o atual roteiro.

O Primórdios se sustenta em nove pilares – e são eles que norteiam o roteiro Serras Alterosas da Mantiqueira: carnes, técnicas (assar, cozinhar etc.), doçaria, farinhas, bebidas fermentadas, leite e derivados, queijaria, horticultura e grãos. “Barbacena foi o município escolhido por representar o primeiro pilar do programa, que é a técnica de produção da gastronomia, e ainda dispor de quatro tipos de leite (vaca, cabra, ovelha e búfala), de técnicas de cozinha avançada, no Grogotó, e produção agrícola com frutas e legumes”, esclarece Vani.
 
Edson Costa com o reprodutor Wolverine, astro no rancho Capril (foto: Gustavo Weneck/EM/D.A Press)

Depois de uma palestra do professor e pesquisador, Edson Barros, e visita a locais históricos de destaque, como a Basílica de São José Operário, Matriz Nossa Senhora da Piedade e Igreja da Assunção (Boa Morte), o grupo fez, na terça-feira, a primeira parada no Laticínio Nosso, produtor do queijo do reino Millano. É ali que Moacir Lucas Vidal, na companhia dos filhos, Igor de Lucas Morais, técnico em laticínios, e Yuri de Lucas Morais, engenheiro de produção, abre as portas para o conhecimento da atividade conduzida há 28 anos e com produção dirigida, em 95%, ao Nordeste do Brasil. A explicação vem de longe, do período em que a região esteve sob domínio dos holandeses, no século 17. “Os nordestinos apreciam nas festas natalinas e juninas”, conta o pai.



REINO SABOROSO

A cada parada, portanto, o visitante vai perceber que o melhor do passeio é unir vários lados culturais, entre eles história e sabor. Inspirado no queijo holandês edam e preferido da corte portuguesa, o reino ganhou esse nome depois de dom João VI aportar no Rio de Janeiro, em 1808, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, e não ter mais a facilidade de mandar buscar o queijo na Holanda. Moacir e os filhos trazem essa página na ponta da língua e, com o roteiro, acreditam na qualidade e história do seu queijo, que, nos meses de maior produção, atinge 4 toneladas/dia. “Acredito que muita gente tem curiosidade em ver o processo”, diz Yuri, enquanto o irmão Igor está certo da valorização da atividade.
 
Do pomar à seleção para distribuição ao mercado, passeio em chácara produtora de frutas aguça olhar, olfato e paladar (foto: Gustavo Weneck/EM/D.A Press)

Antes de seguir caminho, é bom fazer um alerta aos viajantes: esqueça a dieta e caia sem susto na comilança, afinal, o roteiro inclui muita andança pelas propriedades – e vale muito calçar botas e pisar no barro sem perder o charme. A hora da degustação aguça ainda mais os sentidos. E quem não quer passar doses generosas do doce de leite fabricado no laticínio sobre lascas do queijo do reino? “Estamos com a faca e o queijo na mão”, brinca Moacir, na cozinha da casa, ao posar para a foto com os filhos.

O dia vai ser longo, mas vencido com muito apetite. Na Chácara da Mantiqueira, o proprietário Luiz Gava se orgulha em produzir 14 tipos de frutas (maçã, pêssego, nectarina, ameixa, atemoia, caqui, goiaba e outras) plantadas num pomar de 630 hectares, com produção de 3,5 mil toneladas/ano. “Meu pai adquiriu este terreno em 1927”, revela o proprietário, que administra o empreendimento com o irmão, dois filhos, dois sobrinhos, entre elas Stela Gava, de 17 anos. A jovem de conhecimento e traquejo acolhe bem os visitantes. Depois, vem o melhor: visitar o pomar e colher a maçã madura no pé, um dos momentos inesquecíveis do passeio.



A tarde reserva muitas surpresas, como provar – e comprar para levar para casa, certamente – o doce de leite Blu, na Fazenda Maracujá, de Arthur Patrus de Campos Bello. Ressaltando a ancestralidade da terra, que pertenceu ao bisavó, nascido em 1868, Arthur, formado em zootecnia, esmera na qualidade do leite e do doce “sem conservantes, sem aditivos e totalmente natural”. Com conhecimento técnico e afeição explícita pelo doce, também nas versões zero açúcar e zero lactose, o proprietário diz estar sempre em busca da excelência dos produtos e da sustentabilidade do negócio. O leite para o doce é do gado girolando. Como há criação de búfalos na fazenda, o passeio pode se completar, dependendo da vontade do visitante, com uma visita curral, sobre o reprodutor Jack – que não tem cara de mau.

O dia vai se completar com a visita à Fazenda Graminha, de produção de ovelhas. Trata-se de um momento oportuno para ouvir as explicações do zootecnista com doutorado em produção animal Pedro Silva de Oliveira, responsável técnico pelo manejo do rebanho, e conhecer os animais criados em sistema semi-intensivo para corte. A interação com os bichos se torna obrigatória, principalmente para moradores de grandes centros urbanos e sem oportunidade de visitar locais de produção animal. No melhor turismo de experiência, pode-se pegar o carneiro no colo e acariciá-lo. O celular deve estar no jeito para selfies. Já no Grogotó, o destaque vai para a galinha preparada ao vivo e em cores pelo chefe de cozinha do Senac, Mauro César de Paula.
 
 

DONO DO PEDAÇO

A quarta-feira começou cedo com a visita ao Capril Rancho das Vertentes, de Edson da Costa Cardoso e Eloísio Francisco. O local se tornou referência internacional, quando, em 3 de junho, ganhou medalha de ouro com o queijo Névoa Valençuai, no Mondial du Fromage 2019, na França – foi o primeiro queijo de cabra brasileiro a merecer tal destaque. Engenheiro de computação, carioca, casado com matemática especialista em estatística Sandra Cantona Cardoso, mineira, Edson mostrou as dependências e apresentou o reprodutor e dono do pedaço, Wolverine, que posou para foto certo de que é um astro no Capril.



Na degustação, além do queijo premiado de um cheese-cake com cobertura de morango, criado por Sandra, os visitantes provaram também de queijos cremosos, iogurte, doce de leite de cabra e outros queijos de massa dura e semidura. Nem é preciso dizer que foi um festim ao ar livre, com sabor de quero mais. “Foi plantada uma semente para gerar frutos sociais. Há o prazer do passeio, mas também a movimentação da economia, gerando renda e aumentando a autoestima da população”, acredita o cozinheiro de Belo Horizonte e um dos fundadores da Frente de Gastronomia Mineira, Flávio Dornas. Já o agente de viagens de Barbacena, Nei Armstrong do Nascimento, vê progresso para toda a cadeia produtiva local, especialmente o setor de turismo. “Escolhendo as localidades e produtos certos, é um avanço para a economia. Só temos a ganhar”.

SERVIÇO
Roteiro turístico-gastronômico Serras Alterosas da Mantiqueira, do Senac Minas
Operadora: www.planetaminas.com.br
A partir deamanhã, os dias, preços e demais informações estarão disponíveis no site da operadora