A implantação das alças Norte e Sul do Rodoanel Metropolitano e a construção de dois presídios no interior de Minas Gerais estão na mesa de negociação como obras de compensação da mineradora Vale, segundo a informação de fontes do governo estadual ao Estado de Minas. As obras seriam para contrabalançar os prejuízos que a administração estadual alega ter tido depois de a arrecadação no setor minerário ser afetada drasticamente com várias paralisações devido à insegurança das estruturas de barramentos. Segundo informou ontem o governador Romeu Zema, em balanço de um ano de ações após o rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, dezenas de obras sairão desses acordos, sendo que uma das mais importantes é a ligação dos sistemas Paraopeba e Velhas, já acordada em outubro, e que pode trazer maior segurança ao abastecimento de água da Grande BH.
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Atingidos por barragens protestam em BH para lembrar um ano de desastre em Brumadinho Zema quer que Vale assuma R$ 7 bilhões em obras para indenizar estado após BrumadinhoBrumadinho 1 ano depois: agricultores cobram água e luzRio que é caminho de rejeitos será dragado pela Vale em Barão de CocaisMP denuncia Vale, Tüv Süd e 16 pessoas por rompimento da barragem de BrumadinhoContudo, a mineradora e o governo ainda não chegaram a um acordo. "Temos enfrentado resistência da empresa, e, se for preciso, vamos judicializar a cobrança, mas seremos duros e estamos confiantes em resolver essa questão por negociação. Os valores que nos ofertam ainda não estão dentro do que queremos", disse Zema. Oficialmente, a Vale e o governo não confirmam nem descartam que o Rodoanel e os presídios sejam parte das ações negociadas. A mineradora informou, por meio de nota, que “está em negociação com o governo de Minas para discutir os temas referentes às compensações pelo rompimento da Barragem B1, em Brumadinho”. A tragédia do rompimento lançou mais de 10 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos na Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba. Até agora, foram localizados os corpos de 259 vítimas e 11 permanecem desaparecidas.
Em outubro, a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) informou que a Vale doou R$ 14 milhões para que os projetos das alças Norte e Sul do Rodoanel Metropolitano pudessem sair do papel desafogando o Anel Rodoviário que cruza a capital de Noroeste a Sul, funcionando como uma avenida abarrotada por 140 mil veículos por dia e que mistura trânsito local, de viagem e transporte de cargas por seus 27 quilômetros. A ideia, agora, seria a de que a Vale assumisse essa obra. A última vez que se tentou viabilizar a Alça Norte do Rodoanel (Betim a Sabará), a licitação foi encerrada em 2013, sem interessados. Em 2014, o governo seguinte anunciou que um novo projeto, mais modesto, seria implementado, mas isso jamais saiu do papel.
A obra teria dois acessos à BR-381 nas extremidades, sendo um deles em Betim, no trecho BH-São Paulo, e outro em Ravena (Caeté), segmento BH-São Paulo, passando por Contagem, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia, São José da Lapa e Vespasiano. O custo estimado para os 66,7 quilômetros previstos era de R$ 4 bilhões, dos quais R$ 800 milhões do governo do estado e R$ 3,2 bilhões por meio de parceria público privada (PPP). Desse valor, R$ 535 milhões seriam usados em desapropriações. A via reduziria à metade o tráfego no Anel Rodoviário de BH.
Já a Alça Sul teria como principal trajeto trecho da BR-381 (Fernão Dias) à BR-040 (BH-RJ), ligando Betim a Ibirité e Nova Lima, mas não saiu do papel. Um outro, a Alça Leste, fechando o contorno e desviando o tráfego rodoviário de BH fecharia o Contorno de Nova Lima a Sabará, mas não teve sequer estudos inicias realizados.
As obras de dois presídios ajudariam a desafogar o sistema carcerário do estado. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), Minas Gerais tem 75 mil presos para 46,5 mil vagas, uma razão de 1,6 preso por vaga.
O contingente representa pouco mais de 10% da população carcerária brasileira (726 mil). Seriam dois presídios de 600 lugares cada um nos municípios de Lavras (Sul de Minas) e Itabira (Vale do Aço).
Segurança hídrica
Outra intervenção negociada com a Vale é sobre a segurança hídrica da Grande BH, que depende dos rios Paraopeba (30%) e das Velhas (70%), o primeiro já atingido e todos eles na rota de barragens antigas e de processo construtivo mais temerário, de alteamento a montante. "Para garantir a segurança hídrica da região, a Vale terá de fazer uma série de obras para integrar as duas bacias, uma vez que o descomissionamento das barragens terá de ocorrer até 2022", afirma Zema, lembrando que em maio de 2019 ele sancionou a Lei Mar de Lama, que determina o descomissionamento de barragens de sistema a montante seja realizado em 3 anos, desativando 43 estruturas nessas condições.
A conexão dos dois sistemas permitirá uma administração mais dinâmica caso um esteja enfrentando problemas como secas e até mesmo rompimento de outras barragens. Essa ação, de valor não informado, consta do segundo termo aditivo assinado em outubro pela Vale, o Ministério público e o governo de Minas Gerais. “A intervenção prevista viabilizará a interligação entre os sistemas de abastecimento hídrico da Bacia do Rio Paraopeba e da Bacia do Rio das Velhas, além de adequações na rede distribuidora da Copasa na Região Metropolitana de Belo Horizonte”, informa a mineradora.
Fetos
No balanço de um ano de ações, o governador surpreendeu ao considerar como vítimas dois fetos que morreram soterrados pela lama no ventre de suas mães, o que eleva o número de vidas perdidas na tragédia para 272.
Zema usou o termo adotado pelas famílias atingidas ao se referir aos entes perdidos, chamando-os de joias. "As operações de buscas vão continuar até que as 272 joias tenham todas sido encontradas e suas famílias possam fazer um funeral adequado”, disse, lembrando que as vítimas foram também duas mulheres grávidas. Uma família sem poder dar um funeral (ao seu ente) é muito mais traumatizada", destacou o governador.
Sobre a questão criminal, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Sérgio Tonet, relembrou que logo que ocorreu a tragédia R$ 1 bilhão foi bloqueado da Vale. "Conseguimos também bloquear R$ 5 bilhões em recursos da empresa para garantir as reparações e ações emergenciais".
Sem dar uma data precisa, o procurador informou que o MP e a Polícia Civil deverão indiciar, nos próximos dias, os responsáveis pelos danos ambientais e mortes, incluindo pessoas tanto da mineradora quanto de empresas envolvidas, como a consultoria Tüv Süd, que emitiu laudos de estabilidade para a barragem rompida.
Em negociação
Confira o que pode entrar na balança de compensação da Vale
R$ 7 bilhões
recursos que o governo de Minas espera receber da mineradora por perdas decorrentes do desastre de Brumadinho e interrupções da atividade das minas, em 100 anos
OBRAS
Em discussão, entre outras
» Dois presídios, com 1.200 vagas ao todo, provavelmente em Lavras e Itabira
» Implantação das alças Norte (Betim a Sabará) e Sul (Betim a Nova Lima) do Rodoanel Metropolitano
Em andamento
» Interligação dos sistemas de captação e distribuição de água da Grande BH do Rio Paraopeba (30% do fornecimento) e das Velhas (70%)
Fontes: Governo de Minas e Vale
Caravana de atingidos protesta
Moradores de municípios afetados por rompimentos de barragens em Minas Gerais e no Espírito Santo participam de uma semana de atos públicos para lembrar um ano do desastre em Brumadinho, Região Central de Minas, que se completa no sábado. Membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (Mab), Joceli Andrioli explicou que o grupo realiza uma marcha ao longo dos municípios da Bacia do Paraopeba.
Na manhã de ontem, representantes dos atingidos se concentraram na Praça do Papa, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, e caminharam em direção ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), na Avenida Afonso Pena, e à Agência Nacional de Mineração (ANM). O grupo reclama de lentidão da Justiça para tratar do caso, exigindo, entre outras coisas, uma consultoria independente, programas de reparação e maior fiscalização das barragens.
“A caravana toda tem em torno de 350 pessoas fixas e em cada local realizaremos atos”, explicou Andrioli. “Tem gente de Mariana, do Espírito Santo, da Região do Médio Rio Doce, Aimorés, Governador Valadares, Vale do Aço e Barra Longa”, listou.
A marcha vai passar por Juatuba e Pompéu nos próximos dias. Segundo ele, no dia 24 será realizado um seminário internacional no Bairro Citrolândia, em Betim, com a presença de representantes de 17 países para falar sobre a questão das barragens. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi convidado para um ato público no local no mesmo dia. No sábado, dia em que o desastre, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, completa um ano, a caravana chega a Brumadinho e participa da homenagem realizada pela população às vítimas.
Em nota, a Vale informou que "respeita a livre manifestação, desde que observado o direito de ir e vir e a propriedade, repudiando qualquer manifestação que viole tais direitos". Além disso, destacou que "realiza encontros regulares com representantes legítimos dos atingidos pelo rompimento da barragem I, em Brumadinho, visando uma reparação célere e respeitosa." (Cristiane Silva)