Jornal Estado de Minas

Consumidora da Backer alega ter sentido sintomas e não ter contado com apoio das autoridades



Tatiane Benatti, de 33 anos, alega que convive com dores abdominais e muito inchaço na barriga desde o fim do ano passado. Segundo a mulher, ela chegou a ser internada por 10 dias na Santa Casa de Belo Horizonte três dias após ter tomado uma garrafa da cerveja da Backer e, desde então, vem se sentindo mal há mais de um mês. Revoltada, Tatiane denuncia não ter recebido o apoio das autoridades de saúde e, por isso, registrou um boletim de ocorrência. Por outro lado, a Secretaria Municipal de Saúde afirma que os sintomas dela não  são compatíveis com a intoxicação por dietilenoglicol.


 Formada em turismo há uma década, a moradora de Belo Horizonte achou superinteressante a possibilidade de experimentar uma cerveja com edição comemorativa dos 120 anos de sua cidade, em 2017. Desde então, passou a consumir e a apresentar a cerveja para familiares e amigos. O rótulo fez tanto sucesso que a edição se tornou permanente no portfólio do fabricante e no gosto de Tatiane que, por sua vez, se tornou consumidora fiel e elegeu a Belorizontina como sua cerveja artesanal favorita. Ela não imaginava que logo enfrentaria muitos transtornos decorrentes da escolha.

“Em 30 de novembro de 2019, consumi em casa a Backer pilsen, comprada em um supermercado próximo de casa. Três dias depois, fui internada na Santa Casa por 10 dias com problemas renais. Fiquei lá entre 4 e 12 de dezembro, com problemas gastrointestinais, dor abdominal, dor lombar e náuseas”, relatou. Após melhora, teve alta: “Fui informada que estava com infecção urinária, mas não sabiam o porquê de apresentar o sintoma de sangue na urina”, contou. “Como não estava me sentindo bem e a barriga ficava cada vez mais inchada, fui até uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) em 30 de dezembro. Eu ia para um sítio com familiares e amigos e cancelei por não estar me sentindo bem. Comprei duas cervejas e tomei sozinha. Desde então fui sentindo uma piora”, acrescentou. Naquela data, o caso Backer ainda não era foco de investigação policial nem sanitária.

Segundo Tatiane, em 17 de janeiro, depois de o caso ter ganhado as manchetes dos jornais, ela fez um boletim de ocorrência na polícia. Relatou dor abdominal, lombar, cólica, inchaço abdominal, diarreia, falta de ar e presença de sangue na urina e nas fezes. Desde então, ela entrou em contato com a Backer no telefone divulgado para assistência pela empresa várias vezes e não obteve retorno. “Ninguém me procurou. Nem sei se eu estou dentro dos 22 casos em investigação. Liguei na Secretaria de Saúde também e nada. Estive na UPA Leste domingo e o caso também não foi encaminhado pela médica para tomada de providências”, acrescentou. Na segunda-feira, ela fez contato com um advogado para entrar com pedido de assistência por parte da Backer. “Preciso ser encaminhada para tratamento. A primeira preocupação é com a saúde já que as consequências e reações da intoxicação são desconhecidas”, disse.


Até essa quinta-feira, 22 casos suspeitos de intoxicação exógena por dietilenoglicol haviam sido notificados. Desses, 19 pessoas são do sexo masculino e três do sexo feminino. Quatro casos foram confirmados e os 18 restantes continuam sob investigação, uma vez que apresentaram relato de exposição à bebida com sinais e sintomas compatíveis com o quadro de intoxicação por dietilenoglicol. Quatro casos evoluíram para óbito.

Vida afetada  


Tatiane conta que teve a rotina completamente alterada desde que passou mal pela primeira vez. “Não trabalho direito, não consigo dormir. A barriga está muito inchada, até parece que estou grávida. E sinto dor em vários lugares do abdômen”, conta. Ela deixou de trabalhar e afirma que a vida está “parada”. “É atormentador pensar que quatro pessoas morreram e eu posso sofrer do mesmo mal. Estou muito abalada. Provavelmente, a substância não está mais no meu corpo, pois os médicos dizem que o metabolismo é muito rápido. Mas e as sequelas? Os médicos desconhecem as reações. Preciso ser monitorada”, disse.

A turismóloga não fez o exame toxicológico. “Preciso da autorização da Polícia Civil de Minas Gerais. “Não é um exame comum. Não é qualquer lugar que faz, não sei o custo. Preciso que entrem em contato comigo”, acrescentou. Ela conta que procurou por atendimento médico várias vezes. “Passei meu aniversário e os dias 9, 14, 17 e 19 de janeiro atrás de atendimento”, lamentou. Ela está revoltada e se sente abandonada pela Backer e pelas autoridades de saúde: “Sentimento de impotência. A Backer não está conseguindo atender 22 pessoas possivelmente ou comprovadamente intoxicadas. E se fossem centenas?”.


A Prefeitura de Belo Horizonte por meio da Secretaria Municipal de Saúde informa que paciente deu entrada na UPA Leste, no dia 9 de janeiro, com sintomas não compatíveis com a intoxicação por dietilenoglicol. Foi atendida e realizou exame. Não há registro na unidade, da entrada paciente no dia 17 de janeiro. "Pessoas com suspeita de terem consumido cerveja contaminada por dietilenoglicol, devem procurar um dos serviços de urgência da capital e relatar os sintomas", informou. O Centro de Informações Estratégicas em Vigilância e Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, que investiga todos os casos notificados, está 24 horas disponível para discussão de casos clínicos com os profissionais de saúde.

Recall de 82 lotes


Nessa quinta-feira, a cervejaria Backer publicou um novo comunicado de recall de 82 lotes de oito rótulos da marca contaminados por dietilenoglicol. Mas a secretaria de saúde reitera: “em decorrência das últimas evidências obtidas, a recomendação vigente é de que, por precaução, nenhuma cerveja produzida pela Cervejaria Backer, independentemente de marca e lote, seja consumida”.  

O consumo das cervejas contaminadas pode levar a síndrome nefroneural e ao óbito. Os sintomas incluem dores abdominais, vômito e náusea, associados à oligúria (produção reduzida de urina) de evolução rápida para insuficiência renal aguda, seguidos ou não de uma ou mais alterações neurológicas: paralisia facial, barramento visual, amaurose, alterações de sensório, paralisia descendente e crise convulsiva.

Conforme a nota da Backer, o recolhimento das cervejas foi iniciado no sábado, dia 18, atendendo a determinação da Justiça e a notificação da Anvisa. A cervejaria informou que vai buscar os lotes nos estabelecimentos comerciais e disponibilizou um número de telefone para clientes solicitarem a coleta. “A Cervejaria Backer reitera que está colaborando de forma integral com todas as investigações e se coloca à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos”, informou.


Casos monitorados 


A Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG) monitora dois casos de pacientes com sinais e sintomas semelhantes ao quadro de intoxicação por dietilenoglicol e com relato de exposição a cerveja da Backer em data anterior a outubro de 2019. Os casos, que podem ser os primeiros fora da chamada “janela de contaminação” investigados pelas autoridades de saúde e policiais, foram comunicados ao órgão na terça-feira, mas ainda não são considerados casos suspeitos já que, para isso, “é necessário que haja confirmação da exposição e exclusão de outras causas para o quadro clínico apresentado”, explica a SES, no boletim sobre o tema divulgado nessa quinta-feira.