Jornal Estado de Minas

Brumadinho 1 ano depois: dor e prejuízo continuam no rastro da lama

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


Brumadinho, Caetanópolis, Curvelo, Pará de Minas e Paraopeba – Casas fechadas, comércio desativado e ares de comunidades fantasmas acompanham o rastro de rejeitos de 310 quilômetros deixado na Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, após o rompimento da Barragem B1, da Mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho. O desprendimento de mais de 10 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, que neste sábado (25) completa um ano, matou 270 pessoas, sendo 11 ainda desaparecidas. Devastou a natureza e as pequenas comunidades de tal forma que muitos preferiram ir embora, seja de áreas urbanas ou rurais, deixando animais e rebanhos à própria sorte, consumindo a água contaminada.


Uma realidade que a reportagem do Estado de Minas constatou de Brumadinho, onde ocorreu o rompimento, até Curvelo, onde os rejeitos foram detidos pelo lago da Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo. Na área do rompimento ainda se vê o rombo provocado pela ruptura da barragem e duas extremidades das ombreiras que apoiavam a estrutura. Abaixo, o caminho de destruição varreu vegetação, pedras maiores que caminhões e retorceu as estruturas de extração, separação e beneficiamento de minério.

“Quando ocorreu o rompimento, os rejeitos não entraram imediatamente na calha do Ribeirão Ferro-Carvão, seguindo até o Rio Paraopeba. Era tanta energia que aquela massa foi se chocando em terrenos mais altos e recuava criando remansos por quase 10 quilômetros até o rio”, explica o tenente-coronel Alysson Malta, comandante das operações do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais em Brumadinho.


  • 1 - Mina Córrego do Feijão - Barragem B1
    Onde ficava a Barragem B1. Base Bravo do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais onde se comanda e organiza o trabalho de busca pelos 11 desaparecidos. Obras emergenciais são realizadas

  • 2 - Terminal de carga ferroviária
  • 3 - Área administrativa da Vale
  • 4 - Barragem IV
  • 5 - Córrego do Feijão (Brumadinho)
    Lugarejo tem ares de cidade fantasma. Pessoas foram embora, comércio fechou e quem ficou quer sair. Reclamam de poeira constante e de grande número de mosquitos

  • 6 - Pousada Nova Estância
  • 7 - Pontilhão destruído
  • 8 - Bairro Parque da Cachoeira (Brumadinho)
    Bairro foi dilacerado pela lama. Propriedades rurais foram devastadas, estão sem energia elétrica, água superficial e subterrânea foram embargadas por suspeita de contaminação. O bairro em boa parte também foi abandonado

  • 9 - Rio Paraopeba
    Manancial foi atingido em Brumadinho e carreou rejeitos por cerca de 300 quilômetros. Boa parte do rio foi comprometida. A captação da Copasa que fornecia água para a Grande BH foi suspensa e uma nova esta sendo construída 12 quilômetros antes. Comunidades indígenas que tinham uma relação tradicional com o manancial acabaram tendo seu modo de vida prejudicado

  • 10 - Brumadinho

A comerciante Gersina Inocência Silveira lamenta desaparecimento de turistas na comunidade de Cachoeira do Choro, em Curvelo (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


  • 11 - Igarapé
  • 12 - Mário Campos
  • 13 - Betim
  • 14 - Pará de Minas
    Captação para 84.215 pessoas foi suspensa no Paraopeba. No primeiro momento água foi fornecida pela Vale e a captação passou a ser feita nos ribeirões dos Moreiras e Cova Danta, que apresentam insuficiência na estiagem. Nova adutora de 48 quilômetros está sendo implantada no Rio Pará, em Conceição do Pará
  • 15 - Esmeraldas
  • 16 - Fortuna de Minas
  • 17 - Papagaios
  • 18 - Caetanópolis
    Município de 10.218 habitantes tinha 20% de sua captação no Rio Paraopeba e outros 80% em poços. Prefeitura pediu consciência no uso da água para evitar qualquer problema de fornecimento
  • 19 - Paraopeba
    Município de 22.563 habitantes dependia de sua captação no Rio Paraopeba e de poços subterrâneos. Mais poços estão sendo cavados e a antiga captação do Córrego do Cedro foi reativada, mas a qualidade tem sido questionada
  • 20 - Cachoeira do Choro
    Povoado turístico de Curvelo perdeu praticamente todo movimento de pescadores, sitiantes e pessoas em busca de turismo rural. A água do poço que abastece a comunidade tem queixas de insalubridade
  • 21 - Hidrelétrica Retiro Baixo
    A usina é o destino final dos rejeitos. Chegou a paralisar duas vezes as atividades, mas está gerando energia normalmente. A unidade funciona desde 2010 e possui uma capacidade instalada de 82 Mega Watts, energia suficiente para atender 200 mil pessoas
  • 22 - Represa de Três Marias/Rio São Francisco
    Não foram registrados rejeitos em Três Marias, mas a Vale e os órgão ambientais matêm monitoramento ao longo do Rio São Francisco

Nas áreas onde os bombeiros esgotaram as buscas, cerca de 95% dos 270 hectares, a Vale faz obras de contenção de sedimentos para que as águas do ribeirão não levem mais sólidos para o Rio Paraopeba. O rejeito removido será destinado à cava da mina, como antecipou o EM. Mais abaixo, seguindo um dos afluentes do ribeirão, está a primeira comunidade atingida, Córrego do Feijão. Era nesse local de onde decolavam helicópteros para operações de busca e logística. Na comunidade de casas simples e típica paz interiorana funcionou uma base do Instituto Médico-Legal e, no cemitério local, muitas vítimas foram enterradas.


Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, destino final dos rejeitos de minério, chegou a paralisar duas vezes as atividades (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
O lugarejo lembra uma cidade fantasma. Pessoas foram embora, lojas fecharam e quem ficou quer ir embora. “Está muito difícil continuar morando no Córrego do Feijão. A gente se lembra dos helicópteros levando corpos de amigos sobre as nossas cabeças. Tem dia que falta luz. Tem dia que falta água. Uma porção de gente cansou e foi embora. Queria que a Vale comprasse minha casa para eu ir embora também”, diz a dona de casa Marlene Gonçalves Ferreira, de 56 anos.

“A gente perdeu muita gente querida. Meus primos, duas sobrinhas. Nunca mais vou esquecer o barulho (do rompimento). Entendo as pessoas que se foram. Começou a ter ataques de nuvens de mosquitos, que não dão sossego. Tenho cinco filhos, fica mais complicado recomeçar tudo”, desabafa a doméstica Neusa Ferreira, de 67.

A professora Giselle Cristiane Niza Sales, de 37, do Projeto Casa Rosa, pensa em ir embora e abandonar a ação que busca trazer mais equilíbrio para a comunidade. “Nunca saiu da minha cabeça a imagem da lama levando embora quem a gente ama. Meu marido chegou a trabalhar duas vezes na mina, imagina se estivesse lá? Quero ir embora. Acabou a alegria do Córrego do Feijão”, afirma.



Do outro lado do rombo que os rejeitos abriram no vale fica o Bairro Parque da Cachoeira, onde moradores se veem cada vez mais entre casas de portas fechadas, comércios abandonados e ruas vazias. O armarinho e mercearia do comerciante João Moreira do Carmo, de 64, era o plano de aposentadoria para ele e a mulher. O movimento era bom e estavam perto dos amigos, até que ocorreu o rompimento. “Agora que todos estão indo embora, fiquei aqui com o negócio vazio, sem saber se abro ou fecho.”

Mariane Diaz, moradora de Paraopeba, critica qualidade da água fornecida no município, que fica ha´130 quilômetros de Brumadinho (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
O leito do Ribeirão Ferro-Carvão desce após as comunidades para os últimos quilômetros até a foz no Rio Paraopeba. Faltando 400m para o encontro, um represamento construído pela Vale retém a água, que é bombeada para uma estação de tratamento moderna. São vários processos de decantação, separação dos rejeitos por meio de produtos especiais e a retirada mecânica do acumulado.

A água que volta ao Rio Paraopeba tem se apresentado abaixo do limite para turbidez (sólidos na água) do Conselho Nacional de Meio Ambiente. Contudo, segundo levantamento da organização não governamental SOS Mata Atlântica, divulgado ontem, não há um trecho sequer do Paraopeba com condições de consumo de água, devido à presença de contaminantes dos rejeitos e de metais pesados.



No último trecho do ribeirão, um projeto-piloto de reconformação da calha original e reflorestamento em seus 400 metros finais, o chamado Marco Zero, tem obtido resultados animadores que poderão ser replicados na área impactada. Dois quilômetros do Rio Paraopeba também receberão o projeto e já estão sendo dragados para a remoção dos rejeitos. Adiante, perto de Inhotim, a captação da Copasa para a Grande BH foi suspensa e uma nova está sendo construída 12 quilômetros antes.
 

Qualidade das águas do Paraopeba

“Quando a água da torneira não sai barrenta, sai branca e com cheiro de cloro. Só parar de chover que vamos voltar a ter essa água péssima, que faz a gente ter diarreia.” A reclamação é da dona de casa Mariane Diaz de Souza, de 23 anos, moradora de Paraopeba, na Região Central de Minas, mãe de dois fi- lhos. Desde que ocorreu o rompimento da barragem, em Brumadinho, a 130 quilômetros de distância, a mulher conta que a interrupção da captação do Rio Paraopeba e sua substituição pelo Ribeirão do Cedro fez despencar a qualidade do consumo no seu bairro, o Dom Bosco. “Às vezes, vinha água só de noite e a gente tinha de guardar. Passava o dia sem água e depois vinha água suja ou branquinha de cloro. Diarreia virou uma epidemia aqui. Adultos, idosos e crianças, qualquer um ficava doente”, conta.

(foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)
“Tinha vez que tinha de deixar as panelas sujas ou ir até a casa da minha irmã para lavar as panelas, de tão suja que a água começou a vir. Se parar a chuva, acho que esse inferno vai voltar”, afirma a frentista Rosimeire Primeiro, de 35. “Se comer fica doente. Se tomar banho queima o chuveiro. Não sei se é pior ficar: ter ou não essa água ruim”, lamenta a dona de casa Katia Aparecida Rocha Gomes Vieira, de 24.



A qualidade da água também fez com que a comunidade de Cachoeira do Choro, em Curvelo, a 50 quilômetros de Paraopeba, tivesse de usar caminhões-pipa e água mineral quando o poço começou a apresentar suspeitas de contaminação. O lugarejo vivia basicamente do turismo à volta do rio e suas corredeiras de pedra. Campings, pousadas, ranchos e comércios fecharam depois do rompimento.

A bonança econômica de antigamente fez até com que a aposentada Gersina Inocência Silveira, de 65, e de BH, deixasse a capital para montar uma sorveteria de sabores do cerrado há 5 anos. “Antes, aqui era cheio em todas as épocas do ano, e não era só para pescar que as pessoas vinham. Tinha muitos passeios. Foi romper a barragem que a coisa definhou.”



Até a Hidrelétrica Retiro Baixo, no mesmo município, são mais 26 quilômetros. O lago conseguiu parar a onda de rejeitos que ingressou no fundo do represamento. Ainda assim, as dúvidas sobre a qualidade da água refletiram no mercado imobiliário e vários condomínios e empreendimentos de fim de semana e recessos pararam de vender propriedades.



A usina chegou a paralisar duas vezes a geração de energia para evitar que a água contaminada danificasse seus equipamentos, mas está gerando energia normalmente. A unidade funciona desde 2010 e tem capacidade instalada de 82 megawatts (MW), energia suficiente para atender 200 mil pessoas.

O que diz a mineradora Vale

A possibilidade de quem deseja sair de casa e ter imóvel comprado pela Vale existe, mas em situações específicas. A mineradora informou que “todo o atendimento realizado pela empresa respeita o desejo e a privacidade das famílias atingidas”. Contudo, “as ações emergenciais, bem como as obras de cunho social acordadas com o município, demandaram e ainda demandarão a aquisição de imóveis, razão pela qual ainda não conseguimos precisar o número. Quanto a outras áreas necessárias, a Vale está em tratativas junto aos proprietários, conciliando sempre a necessidade de execução de obras e o pleito dos envolvidos, em harmonia com o termo de compromisso celebrado com a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais”.

Sobre o desabastecimento causado pela poluição do Rio Paraopeba em Paraopeba e Caetanópolis, a Vale informou que “está instalando poços profundos a fim de evitar que este curso d'água seja necessário na próxima estiagem. A previsão é de que as obras estejam concluídas ainda no primeiro trimestre de 2020”. A pesca profissional está proibida no Rio Paraopeba desde 2004, mas quanto aos pescadores e barranqueiros que exerciam a pesca amadora, a Vale informa que “estão sendo discutidas, com os órgãos competentes, formas de indenização. Toda atividade econômica impactada é passível de indenização, bastando os atingidos procurarem a Defensoria Pública de Minas Gerais ou o escritório de indenização da Vale, em Brumadinho”.