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Mãe e dois filhos soterrados

Encosta desaba sobre casa na Vila Ideal, em Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Madrinha dos meninos está desaparecida. O pai não estava em casa na hora


postado em 25/01/2020 04:00 / atualizado em 24/01/2020 22:31

Desabamento e mortes causaram comoção entre os moradores da Vila Ideal, na cidade de Grande BH, na tarde de ontem(foto: FOTOS ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS)
Desabamento e mortes causaram comoção entre os moradores da Vila Ideal, na cidade de Grande BH, na tarde de ontem (foto: FOTOS ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS)


Três dias de chuvas intensas causaram tragédia na Rua Águas de Minas, na Vila Ideal, em Ibirité, na Grande BH, onde uma casa desabou, depois que a encosta de um morro a engoliu, provocando o fim de quase toda uma família: morreram a mãe, Maiara França, cujo corpo foi encontrado  com o do filho Anthony, de apenas seis meses – quando os bombeiros conseguiram chegar até seu corpo e começaram a escavar em volta, encontraram também o do filho, sendo que ela estava em decúbito ventral, envolvendo o filho –, e o outro filho dela, Richard, de 6 anos. A madrinha dele, Lorraine, estava desaparecida, mas acredita-se que o corpo esteja soterrado. O único sobrevivente foi o pai, Samuel Oliveira, de 25 anos, que estava na casa de sua mãe quando aconteceu o acidente, por volta das 9h30.

A tragédia causou comoção na cidade e verdadeira romaria até o local do acidente. Inconsolável, Samuel é considerado herói de Ibirité, por ser, como dizem os amigos, craque de bola, tendo conquistado vários títulos importantes na várzea. Já havia defendido os times do Valência, Inconfidentes e Princesa Isabel.

“Eu estava na casa da minha mãe, de manhã, e estava chovendo muito forte. A Maiara me ligou, dizendo que estava preocupada com o barranco da parte de trás da casa. Falei, então, com ela pra sair de lá, que iria buscá-la com os meninos, mas não quis sair”, conta ele. Poucos minutos depois, segundo amigos, aconteceu a tragédia. William Fernando, de 39 anos, primo e amigo de Samuel, parceiro de futebol desde criança, disse que levou um susto ao conferir as mensagens em seu celular. “A gente tem um grupo, do nosso time, dos boleiros daqui de Ibirité. Lá estava a notícia do desabamento da casa e que todo mundo poderia ter morrido. Saí correndo de casa, pra ver se conseguia ajudar.”

Quando chegou à Rua Águas de Minas, ele encontrou Bruno Afonso de Matos, de 26 anos, montador de andaime, sujo de terra. Tinha sido um dos primeiros a chegar ao local do desmoronamento e começou a escavar. “Tentei socorrer. Ouvia gritos de uma criança, que logo depois cessaram. O pior é que eu e os amigos que chegaram começamos a escavar, mas começamos a levar choque na terra molhada”, conta ele, que teve a confirmação dos primeiros bombeiros a chegar ao local de que a fiação da rede elétrica tinha se misturado aos destroços.

Pouco depois, chegou Daniel Oliveira, de 27, instalador de painéis. “Eu estava trabalhando quando recebi um telefonema contando sobre a tragédia. Falei com meu patrão o que tinha acontecido e corri pra cá. Mas não podia fazer mais nada. Agora, é esperar e rezar.” A Rua Águas de Minas é estreita, por isso, os bombeiros tiveram de pedir ajuda à Polícia Militar para isolar o local. “Havia ainda o risco de novos desmoronamentos, pois o terreno é muito íngrime”, disse a major Stella Vieira, do Corpo de Bombeiros, que comandava o resgate.

Somente no fim da tarde, por volta de 16h30, foram encontrados os primeiros dois corpos. O da mãe, que estava abraçada ao filho recém-nascido. Quando já era quase noite, foi encontrado o de Richard. Com a chegada da noite, os trabalhos dos bombeiros continuavam. Holofotes especiais foram instalados para iluminar o local. “A área é crítica. O local é de difícil acesso, principalmente por causa do desmoronamento. O talude, logo acima da casa, está exposto e pode ruir a qualquer momento. O objetivo é resgatar todas as vítimas, com a esperança de que ainda haja sobrevivente”, disse a major.

O prefeito de Ibirité, William Parreira, esteve no local da tragédia e informou que área, toda a Vila Ideal, é invadida. Além disso, haviam dois outros pontos críticos na cidade, um na Rua Mangueiras, onde parte de uma casa havia caído, e uma outra, na Rua da Bica, que ameaçava ruir. Segundo ele existem 35 áreas de risco em Ibirité, incluindo a Vila Ideal. “Acolhemos cerca de 70 famílias daqui, pois existe a ameaça de que outras casas caiam. Estamos abrigando as pessoas em duas escolas públicas.

Em alguns casos, estamos bancando o auxílio aluguel. A preocupação maior agora é remover as famílias das áreas ameaçadas. Isso é o que tem de ser feito imediatamente.” Existe, segundo o chefe de governo, outro agravante. “A área da Vila Ideal pertence ao estado. Existe negociação em andamento, para que ela seja repassada para Ibirité. Me sinto responsável. Estamos lutando pela regularização.”

MULHER ESCAPA 
DA MORTE

Ainda à tarde, a major Stella recebeu chamada no celular sobre outra ocorrência em Ibirité, no Bairro Ouro Negro. A primeira informação é que haviam duas pessoas sob os escombros. Outra guarnição do II GI é enviada para o local. Quando os bombeiros chegaram, não havia vítimas. Marlene Lacerda, de 72 anos, moradora da casa na Rua Ouro Branco, sem número, estava sorridente, dizendo que seu marido, Antônio Batista Lacerda, de 76, que sofre de Alzheimer, estava na casa deles, que fica nos fundos. E logo chegou o filho, Rosinaldo. “Não havia mais ninguém aqui”, diz dona Marlene.

Os bombeiros constataram que o muro da frente da casa havia caído, junto com um cômodo que ficava na parte de cima deste. Mas ele estava vazio. Aí vem a história surpreendente de dona Marlene: “Eu trabalho catando recicláveis, que entrego na igreja. Estava assentada na frente da casa, na caixinha de entrada da água. Me levantei e fui buscar umas garrafas que vi colocarem num lixo. Mas bastou um minuto. Quando saí, o muro desabou. Muita coisa caiu onde eu estava assentada. Dei sorte.”Ela conta que ficou presa fora de casa, pois não havia como entrar. Foi ajudada pelos vizinhos, que pediram ajuda ao Corpo de Bombeiros.

Marlene Lacerda se salvou porque se levantou do local onde estava sentada minutos antes do desabamento de muro
Marlene Lacerda se salvou porque se levantou do local onde estava sentada minutos antes do desabamento de muro


2,3 mil fora de casa


Gabriel Ronan

A chuva persistente já deixou moradores desabrigados ou desalojados em 16 cidades mineiras nas últimas 48 horas. Além da tragédia em Ibirité, com três mortes registradas até ontem à noite, o tenente-coronel Flávio Godinho, coordenador da Defesa Civil no estado informou que 1,9 mil pessoas estão desalojadas, ou seja, morando provisoriamente em equipamentos públicos ou em casa de parentes. Outras 400 estão desabrigadas, o que totaliza 2,3 mil com suas moradias afetadas pela chuva em Minas. Uma pessoa ficou ferida durante a chuva na cidade de Abre Campo, na Zona da Mata.

Em Rio Piracicaba, no Vale do Aço, 44 detentas do presídio foram remanejados para a unidade prisional de Ponte Nova. Nosso efetivo está muito voltado a Raposos e Sabará, além de Ibirité que solicitou agora", ressaltou Godinho. Trovoadas e uma tempestade, ao contrário da chuva constante dos últimos dias: essa é a previsão do meteorologista Guilherme Schild, do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) para o fim de semana.  O Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas) está recolhendo doações para as vítimas da chuva. O mesmo vale para a Cruz Vermelha

Desabamentos e alagamentos na Grande BH e no interior


Ana Mendonça*

O volume recorde de chuva em Belo Horizonte e na região metropolitana provocou alagamentos, deslizamentos de terra e desabamentos em várias regiões. O caso mais dramático foi registrado em Ibirité, na Grande BH, onde houve três mortes confirmadas ontem à noite. Também foram registradas ocorrências em outras cidades de Minas. Confira outras regiões onde a terra cedeu:

Bairro Jardim Alvorada Um barranco deslizou durante as fortes chuvas e atingiu uma casa na Rua Antônio Fernandes Melo, perto do posto de combustíveis Carijós, no Bairro Jardim Alvorada, na Região da Pampulha. De acordo com o Corpo de Bombeiros, ninguém ficou ferido. A Defesa Civil foi acionada e interditou 12 residências  no local, deixando 35 pessoas desabrigadas.

Bairro Gutierrez Um barranco que sustentava um edifício na Rua Fernando Esquerdo, no Bairro Gutierrez, Região Oeste de BH, cedeu durante a madrugada e assustou moradores. De acordo com uma moradora do prédio em frente, o deslizamento aconteceu por volta das 2h. Os condôminos afirmaram que a situação que já estava grave começou a piorar quando parte da lama invadiu a rua. Eles temem um possível rompimento da estrutura do prédio desde que as chuvas começaram. A Defesa Civil foi acionada, mas os moradores ainda não obtiveram retorno. O órgão afirmou que vai atender a ocorrência conforme prioridade de risco.

Bairro Tupi Na Região Norte da capital, outro deslizamento foi registrado. Desta vez, a força da terra levou uma casa na Rua Aníbal Machado. Imagens foram registradas pelos moradores.

Contagem Os moradores de Contagem, na Grande BH, também estão em alerta. A prefeitura criou um comitê de crise e manteve o estado de atenção. Quatro famílias ficaram ilhadas no Bairro Flamengo, abrigadas no interior de suas casas após um deslizamento de um barranco. Uma casa foi atingida parcialmente e três foram evacuadas na Rua Coronel Salvador Fernandes. Outras duas pessoas estão feridas após um talude descer e atingir uma casa no Bairro Santa Maria. Um deslizamento também foi registrado na Via Expressa, sentido Bairro São Luiz. Máquinas fazem a abertura no canteiro central para auxiliar no fluxo de veículos. Segundo a prefeitura, as pistas seguirão interditadas durante até o final da intervenção.

Betim Um barranco cedeu e atingiu uma casa na Rua José Gomes Ferreira, no Bairro Nova Amazonas. Agentes da prefeitura e a Defesa Civil estão no local. Outro deslizamento aconteceu na Rua Abílio Gomes Teixeira no Bairro BTB. Neste caso, parte de um muro cedeu sobre uma escada.

Abre Campo Uma família da cidade da Zona da Mata ficou desabrigada após um deslizamento de terra. Três pessoas estão feridas. As informações são do tenente Flávio Godinho, da Defesa Civil.

Ouro Preto Um desabamento atingiu duas propriedades na Rua Benedito Valadares, no Centro Histórico de Ouro Preto. Aproximadamente 6,5 mil pessoas estão em áreas de risco na cidade. O município está sem abastecimento de água, já que a empresa responsável parou as estações de tratamento preventivamente para evitar danos.

* Estagiária sob supervisão do subeditor Paulo Nogueira 

Perguntas para...

Ibirité William Parreira (Avante), prefeito de Ibirité

O que a prefeitura fez para se preparar para os alertas de chuvas nesta semana?
De 23 de dezembro até 1º de janeiro, como teve uma primeira chuva forte, conseguimos retirar todas as pessoas das áreas de risco na beira dos rios, cerca de 50 famílias. Por isso não tivemos muitos problemas com alagamentos. Fizemos um gabinete de crise, desde semana passada. Mas não teve como prever os deslizamentos. Não tinha como ter retirado essas pessoas antes, nem sabíamos quais seriam todos os pontos afetados. A partir do momento que teve alerta de chuva esta semana, já começamos a retirar as famílias das áreas de risco, mas não deu tempo de retirar todas.

O que a prefeitura está fazendo para ajudar as famílias atingidas pelos deslizamentos?
Estamos com dois pontos na cidade, duas escolas, para atender as famílias. No momento elas estão sendo acolhidas e alimentadas, para depois podermos discutir a possibilidade de um auxílio aluguel ou o retorno para as casas. Mas a partir de semana que vem não tem como elas ficarem, já que as aulas começam. Então, imagino que seja só por este fim de semana. Também está sendo feito trabalho preventivo para retirar mais famílias das áreas de risco de deslizamento. (Felipe Quintella, estagiário sob supervisão do subeditor Paulo Nogueira)


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