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Especialistas explicam por que as chuvas causam tragédias nas cidades

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Precipitação atípica, falta de planejamento urbano e até de conscientização da população. Para os especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, essa tríade explica porque a chuva que caiu na quinta e na sexta em Belo Horizonte provocou tanta destruição. O médico sanitarista e ambientalista Apolo Heringer Lisboa defende que os efeitos que estamos sentindo hoje em pleno 2020 se iniciaram lá trás, no século 19, quando BH começou a tomar forma.


Apolo critica o projeto do engenheiro e urbanista Aarão Reis (1853-1936) que elaborou a planta de construção da nova capital. “Ele se se inspirou nas plantas de Washington e Paris, que são construídas em áreas completamente diferentes daqui, que é uma região sobre montanhas e rios. O projeto tinha que respeitar isso. Olha o Serro, Ouro Preto, Caetés. Essas cidades se adaptaram à topografia. Não se pode fazer uma cidade canalizando rios, botando quarteirões e ruas em cima de córregos. E isso é o que mais tem em BH.”

Apolo considera a água uma “benção” e vê essa chuva histórica como um “alerta divino”. “Esse aguaceiro todo veio nos avisar para não aceitar mais que os governos e as empreiteiras estão fazendo. O que estão fazendo é um crime, assim como as mineradoras. Existe uma relação estreita entre o rompimento de uma barragem e inundações. Não é culpa do minério, do ouro e nem da água.”

Para o coordenador do Projeto Manuelzão, há uma grande equívoco quando se culpa a natureza pela tragédia. “As pessoas com o senso comum, a indústria das enchentes e os governantes estão unidos, enganando a população ao atribuírem as tragédias às chuvas. Isso é criminalizar as chuvas, escapando às responsabilidades e preservando as mesmas praticas de antes. As chuvas fazem parte dos ciclos naturais.”



Ele acrescenta que as obras que têm sido feitas na capital não são sustentáveis. “O ideal seria você construir uma cidade evitando colocar casas e avenidas à beira-rio. Sem contar que, na hora de construir, retiram caminhões de terra. E a água mora na terra. O que ela faz é seguir o seu rumo natural e procurar a casa dela. Não se pode cimentar toda uma cidade. São essas obras malfeitas que estão provocando os problemas de BH”, salienta o ambientalista, que prega que a engenharia deve ser, antes de tudo, uma ciência. “E não um quebra-galho para empreiteiras ganharem dinheiro. A engenharia não pode lutar contra a natureza. É o projeto que tem se adaptar ao Planeta Terra, e não o contrário.”



OCUPAÇÃO DESORDENADA

O urbanista e professor da UFMG, Roberto Andrés acredita que a tendência é de que as chuvas causem cada vez mais estragos por conta da crescente impermeabilização do solo, além do aquecimento do planeta e de eventos climáticos extremos. Ele também bate na tecla do planejamento inicial da cidade, que não respeitou os cursos d'água. “Isso vem desde a nossa origem. O planejamento de BH ignorou todos os rios, córregos e ribeirões. E quem conhece o regime dos rios sabe que, durante as cheias, eles se expandem, as águas crescem e ocupam as várzeas. É um fluxo natural”, explica
“A água mora na terra. O que ela faz é seguir seu rumo natural e procurar a casa dela”
Apolo Heringer Lisboa, sanitarista, ambientalista

Outro motivo apontado por Roberto é a ocupação desordenada. “Enquanto aos ricos restaram os territórios centrais, com infraestrutura pública e investimento, os pobres tiveram que se deslocar cada vez mais para as bordas, bairros precários, baseados na autoconstrução, e muitos dos bairros que a gente vê que sofreram com os desabamentos foram construídos dessa maneira. E a principal razão disso tudo é que o Estado que não cumpriu suas obrigações constitucionais, já que uma delas é a moradia digna e de qualidade, que deve ser ofertada à população.”

O engenheiro civil Giovanni Cremonezi também acredita que a falta de planejamento das construções pode ser um fator fundamental e ressalta a importância da infraestrutura eficiente em drenagem. “Essas obras são caras, mas importantes e dão vazão às águas. Acredito que, no caso dessa chuva histórica que tivemos, nem isso seria suficiente. Os efeitos seriam menores, mas alguma enchente ou inundação acabaria acontecendo”, afirma. O especialista defende a implantação de um sistema de captação de chuvas nos imóveis para miinimizar impactos. “Também acho essencial respeitar o código de posturas da cidade. BH tem limite de água permeável e temos ainda muitas construções irregulares. Deveria haver uma maior fiscalização com relação a isso.” (ACB)

Solução definitiva tem foco na drenagem

Medidas para minimizar estragos causados pelas chuvas na Grande Belo Horizonte não dependem apenas de verbas bilionárias e poderiam ser tomadas pelo poder público há anos. A análise é do arquiteto e urbanista Sergio Myssior, que aponta ações viáveis em curto e médio prazo para reduzir problemas causados todos os anos para milhares de moradores da capital e cidades vizinhas. Ele lembra que vários estudos sobre impactos causados por eventos climáticos foram contratados pelas prefeituras nos últimos anos, sendo o último deles em há menos de cinco anos.



“Em 2016, a prefeitura da capital contratou um estudo sobre a vulnerabilidade aos efeitos das mudanças climáticas. Essa pesquisa já indica um cenário preocupante imediato e projeta para 2030 que 80% dos bairros da capital serão classificados como de alto risco, com problemas de inundações, deslizamentos, aumento de doenças como dengue e chikungunya, e ilhas de calor. As situações de tragédia não podem ser uma surpresa para nossos gestores públicos”, afirma Myssior. Outro levantamento sobre o saneamento da capital indica 80 pontos de alagamentos que já são muito bem conhecidos.
“Pesquisa projeta para 2030 que 80% dos bairros da capital serão classificados como de alto risco”
Sergio Myssior, arquiteto e urbanista 
Segundo o urbanista, as ações emergenciais tomadas nas últimas décadas para reduzir os problemas com as chuvas se mostram cada vez mais custosas aos cofres públicos e pouco efetivas. Por isso ele aponta medidas de menor impacto com melhores resultados para os problemas de drenagem.

“Vejo agora o risco de que o poder público repete um modelo esgotado. Quando se vê diante da emergência, tenta alargar canais e criar piscinões. São medidas onerosas e que não atacam a questão em sua raiz. As cidades que enfrentam essa questão de forma mais exitosa apostam em corredores ecológicos, parques e áreas verdes para favorecer a drenagem”, explica. Ele cita como um exemplo bem-sucedido Curitiba, no Paraná, que reduziu os casos de alagamentos desde a década de 1980.

Entre outras medidas apontadas pelo urbanista estão o uso de passeios com drenagem – como o usado na praça da Liberdade – e a preocupação em todos os bairros de se criarem pontos em que é possível a absorção de parte da água de chuva. “Temos muitas rotatórias pelos bairros de Belo Horizonte que poderiam ter jardins e pontos de retenção de água”, afirma. (Marcelo da Fonseca)