Números ampliados a cada balanço: em nova atualização, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) informou ontem que o número de mortes decorrentes das chuvas de quinta e sexta-feira, em Minas Gerais saltou para 45. Em todo o período chuvoso, iniciado em novembro, foram 56 óbitos. Outras 19 pessoas continuam desaparecidas, todas no interior do estado. Na corrida para ajudar as cidades, decreto do governo estadual, que foi publicado na manhã desta segunda-feira, reconheceu situação de emergência em 101 municípios. Hoje, a Defesa Civil do estado informou que Diamantina e Nova Era entraram na lista. Desde de outubro do ano passado, 121 municípios decretaram emergência. Os decretos facilitam a transferência de recursos do governo federal para reparos e a entrega de doações – como colchões, cobertores, travesseiros e alimentos – recolhidas pelo Executivo estadual. Ontem, o governo federal garantiu que tem R$ 90 milhões para atender aos estados atingidos pelas enchentes. O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, que veio a Minas, e o governador Romeu Zema (Novo) se reuniram com prefeitos para alinhar os repasses.
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Por trás das estatísticas, a dor da perda. Histórias como a da cozinheira que trabalhava em um asilo, o jovem que havia acabado de tirar carteira de motorista, a adolescente que iria se formar, o pai que não conseguiu batizar a filha. Sonhos de família enterrados na lama, lembrados por quem sobreviveu em locais como a Vila Bernadete, no Barreiro, na capital mineira, onde, depois de mais de 40 horas, terminaram na manhã de ontem as buscas por sete vítimas soterradas no desabamento de casas durante o temporal da última sexta-feira.
Cinco corpos foram localizados pela manhã e dois haviam sido encontrados no sábado, numa operação que usou técnicas semelhantes às empregadas no rompimento da Barragem da Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. As sete pessoas pertenciam a duas famílias.
O corpo do pequeno João Lucas, de 3 anos, foi o primeiro a ser localizado nos escombros ontem pelo Corpo de Bombeiros (Cobom), que pouco depois achou o pai dele, Thiago Rodrigo da Silva, de 26 anos, e a mãe, Kellen Santos Oliveira, de 25. Thiago retornou para casa para tentar salvar o filho, mas não conseguiu sair dos escombros, surpreendido por um outro deslizamento.
"O menino estava no quarto, não tinha como sair. Thiago voltou, mas não deu tempo", conta o tio dele, Carlos Roberto da Silva, de 55. A única a sobreviver na casa foi a pequena Maria Eduarda, de 7 anos, filha de Kellen. Ela ficou a salvo graças a Senhor do Conselho Gomes, de 57, pai de Thiago, que tirou a menina da sala da casa. A menina foi levada para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII.
A família morava em um barracão no fundo da casa de Senhor. O imóvel, também abalado pelo deslizamento de terra, resistiu à descida da lama e das casas que ficavam acima. Segundo o tenente-coronel Eduardo Ângelo, que acompanhou a reportagem na “zona quente” das buscas, todos os corpos foram encontrados próximos a esse local, que serviu de barreira para os escombros.
No domingo, 28 bombeiros trabalhavam no resgate. A área era de alto risco porque uma casa ameaçava cair. O que se via era um rastro de destruição. Sofá dependurado, paredes destroçadas, roupas, sapatos, tudo destruído pelo barro. Chamava atenção a quantidade de fios elétricos.
Nesse local, lavado pela lama, também foram resgatados os corpos da cozinheira Marlene do Carmo Silva, de 58 anos, e de sua filha Edvânia Rodrigues Silva, de 17. Os outros dois filhos dela, Edmar Rodrigues Silva, de 25 anos, e Luiz Augusto Rodrigues Silva, de 19, foram encontrados no sábado. A família de Marlene, que deixa outros três filhos, é de Frei Gaspar, no Vale do Mucuri. Parentes acompanhavam as buscas.
Ligação
Um dos filhos de Marlene, Gilberto do Carmo Silva, de 41, contou que a mãe estava assustada como terreno da vizinha cedendo e tentou ligar para a Defesa Civil. “Ninguém veio”, disse. Ela era cozinheira de um asilo no Bairro Olhos D'Água, na Região Oeste, e morava com os três filhos. Edvânia estava fazendo curso de computação, Luiz tinha acabado de tirar carteira de motorista. Edmar tinha programado de marcar ontem o batizado do filho, de 2.
Na noite da sexta-feira, dia de recorde histórico de índice de chuva, um barranco cedeu e soterrou pelo menos cinco casas, na Vila Bernadete. Três ficaram completamente destruídas e outras duas parcialmente foram danificadas. Vários moradores contaram que, assim como Marlene, tentaram ligar para a Defesa Civil desde a madrugada de sexta-feira, avisando sobre uma escavação no quintal de uma casa que estava jorrando água e desmoronando.
Somente a Polícia Militar (PM) foi ao local, às 12h30 e aconselhou a saída. Às 21h, as casas desceram junto com o barranco. As buscas por sobreviventes começaram na manhã de sábado, quase 12 horas depois. Segundo os bombeiros, o local oferecia risco às equipes, por causa da chuva e dos choques da rede elétrica. Dois policiais militares ficaram presos nos escombros.A população ficou revoltada com a demora e ontem ainda cobrava respostas. “Fomos tentar resgatar e a PM barrou”, disse Warley Pablo, de 26, morador da Vila Bernadete. “Isso aqui daqui a pouco todo mundo esquece e depois acontece em outro lugar”, afirmou.
O prefeito Alexandre Kalil, que esteve no local na manhã de sábado, disse que o telefone da Defesa Civil estragou na tarde de sexta-feira, quando o órgão público recebeu mais de 500 chamadas relacionadas à chuva. O prefeito não soube precisar por quanto tempo o telefone da prefeitura ficou indisponível.
Fora da curva
A Defesa Civil informou que o local não era considerado área de risco e que soube da ocorrência pela Regional Barreiro, mas que priorizou outros atendimentos. Kalil classificou o episódio como um “desastre natural” e informou que a força-tarefa da chuva vai continuar por tempo indeterminado, até a reconstrução da cidade.
É a primeira vez que os moradores da Vila Bernadete assistem a uma tragédia relacionada a deslizamentos. Situada numa área de encosta próxima ao Anel Rodoviário, no Barreiro, a vila foi urbanizada há pouco mais de 10 anos, quando chegou o asfalto na região. Em 2002, a área, que pertencia ao Bairro Bonsucesso, passou a ser considerada vila. Nascida e criada na comunidade, Vanessa Aparecida, de 43 anos, conta que o local era só mato. “Tinha uma água que corria no meio das casas. O pessoal foi construindo e essa água espalhou”, diz. Irmão dela, Valdinei Alves, de 53, conta que a casa da família foi a primeira, erguida num terreno de propriedade de família tradicional de BH. “Os donos reviraram a terra para ninguém construir, mas o pessoal foi chegando e depois virou um aglomerado”, lembra.
Doações
Ao mesmo tempo que levantam os prejuízos, as autoridades pedem doações para ajudar as pessoas afetadas pelos temporais. As ajudas podem ser entregues em qualquer batalhão do Corpo de Bombeiros ou da Polícia Militar e no Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas), localizado na Avenida Cristóvão Colombo, 683 – Bairro Funcionários (Região Centro-Sul de BH). (Com informações de Cristiane Silva)