Jornal Estado de Minas

EM percorre três cidades em situação de calamidade pela chuva em Minas

(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Barra Longa, Ponte Nova e Raul Soares – Três dias de desespero e choro, em choque ao ver o Rio Matipó engolir sua casa, arrancando tudo que tinha de dentro e deixando apenas algumas paredes e o telhado. Aos poucos, ontem, a produtora de café Márcia Lourenço dos Reis, de 40 anos, conseguiu reunir forças para resolver o que vai ser da vida dela e dos filhos de 14 e 17 anos. “Fomos com a roupa do corpo para a casa da minha mãe. Estamos comendo o que os outros nos dão na rua. Não sabemos como vai ser a nossa vida. Não temos mais casa e perdemos tudo”, afirma Márcia. As enchentes provocadas pelas chuvas históricas que atingiram a Grande BH e parte do interior de Minas desde quinta-feira destruíram as moradias de mais de 40 famílias em Raul Soares, município de 23 mil habitantes na Zona da Mata, uma das regiões mais devastadas pelas tempestades. Um drama que segue ampliado pela falta de água que atinge o município justamente por causa das enchentes e do uso de mangueiras em excesso pelos moradores que tentam remover a lama de suas moradias e pertences. Em todo o estado, 121 municípios estão em estado de emergência e três em calamidade pública (leia texto nesta página). O número de mortos chegou a 47, somente desde sexta-feira, elevando para 58 o total registrado no período chuvoso, que começou em outubro.




O transbordamento do Rio Matipó transformou em canais de lama e esgoto as ruas do Bairro Bom Jesus, o mais atingido de Raul Soares. Os passeios e lotes vagos se tornaram depósitos para pilhas de móveis empapados de lama, eletrodomésticos revoltos por barro, roupas arruinadas e tudo mais que as enchentes conseguiram engolir. Quanto mais próximo do manancial de águas barrentas, que ainda está cheio, mais arrasadas ficaram as moradias, sendo que mais de 40 delas tiveram de ser deixadas depois de partes terem desmoronado e de o imóvel receber as fitas zebradas da Defesa Civil municipal que as classificam como moradias condenadas.

Ruas de Raul Soares viraram canais de lama depois que o Rio Matipó transbordou. Na mesma cidade, população levanta prejuízos com desabamentos (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


Pontilhão da Rua Bom Jesus ficou intransitável para pedestres (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


Mesmo assim, o movimento ontem era intenso. Caminhões e máquinas acionadas pela prefeitura venciam a lama, removiam escombros bloqueando vias e abriam caminho para que as pessoas pudessem tentar salvar seus pertences, seus valores, seus guardados e memórias engolidas pela água e pela lama. Quase todas as casas usavam mangueiras para expulsar o barro, mesmo advertidas pelo carro de som do Serviço Autônomo de Abastecimento (SAE) de que era preciso economizar, sob risco de desabastecimento. Vários bairros já estão sem água, esperando para encher seus reservatórios à noite quando o fornecimento costuma voltar.

A ajuda veio de vários locais, além dos funcionários e voluntários da prefeitura local. Moradores e comerciantes solidários doaram mantimentos, água, pratos de comida e mão de obra para varrer e remover os móveis de quem precisava. Carregando um galão de 10 litros de água mineral para abastecer a igreja onde está abrigada com seus três filhos, de 3, 8 e 9 anos, Eliane dos Reis, de 29, diz não ter tido tempo para ser tomada pela tristeza, ante as tarefas que precisa assumir depois de ter perdido praticamente tudo que tinha em casa. “A gente teve de sair de dentro de casa de canoa. Foi horrível demais. Tudo o que tinha está aí entulhado na pilha de lama no passeio da rua. Agora não sei como vamos fazer, para onde ir. Vamos ver o que dá para salvar”, suspira.




Funcionária da vigilância epidemiológica de Raul Soares, Luciana Alves da Silva, de 42, recebeu ajuda dos colegas de trabalho para vasculhar sua casa, remover a lama e tentar salvar o que fosse possível depois de a residência ter sido totalmente coberta pela enchente. Por incrível que possa parecer, a mulher ainda se diz aliviada. “Tenho um filho com necessidades especiais que estava doente e no dia resolvi levá-lo ao hospital. Não sei como seria com ele doente nessa enchente. Ele é a coisa mais preciosa que tenho. Por isso, nem a lama e a destruição me tiraram a alegria de ficar sabendo hoje (ontem) que ele vai ter alta. O importante é a vida, o resto Deus ajuda e a gente trabalha para conseguir”, disse.

Em Ponte Nova, a prefeitura e a defesa civil municipal conseguiram avisar as pessoas sobre a cheia do Rio Piranga. Por isso, a maioria das pessoas que vivem ou trabalham nas áreas alagáveis do manancial conseguiu salvar seus pertences e deixar as zonas de risco antes que fosse tarde. Uma das pontes que levam ao Centro precisou ser interditada. Mesmo assim, pessoas e motoristas insistiram em atravessar, tendo o rio a poucos centímetros. Até ontem, as rodovias paralelas ao Rio Piranga ainda estavam alagadas no Centro Histórico, onde máquinas da prefeitura trabalharam para desobstruir as vias, comerciantes e moradores limpam seus imóveis. Dono de uma loja de compra e venda de veículos, Felipe Gomide de Oliveira, de 36, enfrentou a quarta enchente deste ano, mas como foi avisado, conseguiu remover a tempo 19 veículos que estava negociando e os estacionou em vias mais altas e seguras. “O prejuízo está sendo só pela limpeza e a paralisação comercial. Nas duas cheias anteriores, a água dentro da loja chegou a atingir 3 metros de altura”, conta.

Medo


Nas ruas, muita gente ainda teme uma nova enchente, principalmente porque o rio, mesmo sem chuvas, ainda não desceu ao nível normal. Muitos aproveitaram o dia para abastecer suas despensas caso venham a ficar ilhados. “A gente não sabe se está chovendo aí para cima (cabeceira do rio). Melhor é prevenir e levar as coisas de mantimentos para casa, se tiver uma emergência a gente fica seguro lá, não precisa de atravessar a ponte”, disse a manicure Tayná Joana Rodrigues, de 29, que foi empurrando um carrinho de mão para o mercado com o filho Cauã Rodrigues Vitoriano da Silva, de 11, receosa da travessia da ponte interditada.


Total de mortos chega a 58


Saltou para 47 o número de mortes decorrentes das chuvas históricas que caíram em Minas a partir de quinta-feira, aponta o boletim divulgado pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) no início da noite de ontem. A esses óbitos, somam-se outros 11, registrados entre outubro e a semana passada, o que leva o total para 58. Em meio às notícias trágicas, um alívio: 13 das 19 pessoas que estavam desaparecidas até domingo fizeram contato com suas famílias ou foram localizadas com vida. Agora, são quatro desaparecidos, já dois corpos foram encontrados e engrossaram a lista de óbitos.

A maioria das mortes está concentrada na Grande BH: 13 em Belo Horizonte, seis em Betim, cinco em Ibirité e duas em Contagem. No interior, os óbitos estão listados em 11 municípios da Zona da Mata mineira: Alto Caparaó (quatro), Alto Jequitibá (três), Carangola (um), Divino (um), Luisburgo (dois), Manhuaçu (um), Pedra Bonita (três), Santa Margarida (um), Tocantins (um) e Simonésia (três). Entre as mortes confirmadas está Ana Júlia Fernandes, de 2 anos e 7 meses, soterrada em Olhos D'Água. Ainda de acordo com o balanço da Defesa Civil estadual, 17.935 pessoas estão fora de suas casas em Minas. O grupo se divide em 7.079 desalojados na Grande BH e 7.530 na mesma condição no interior; e 3.386 desabrigadas, sendo 1.092 na RMBH e 2.294 no interior. Além disso, 65 pessoas ficaram feridas no estado – 54 na Grande BH e outras seis no interior.

Na corrida para ajudar as cidades, decreto do governo estadual, que foi publicado na manhã de ontem, reconheceu situação de emergência em 101 municípios. Na soma desde outubro, são 121 cidades em emergência. Já Carangola (Zona da Mata) e Orizânia (Zona da Mata) e Ibirité (Grande BH) decretaram estado de calamidade pública.


Configura-se situação de emergência quando ocorre a alteração intensa e grave das condições de normalidade comprometendo parcialmente a capacidade de resposta. A calamidade pública ocorre quando há alteração intensa e grave das condições de normalidade comprometendo substancialmente a capacidade de resposta. Os decretos facilitam a transferência de recursos do governo federal para reparos e a entrega de doações – como colchões, cobertores, travesseiros e alimentos – recolhidas pelo Executivo estadual. Domingo, o governo federal garantiu que tem R$ 90 milhões para atender aos estados atingidos pelas enchentes. (Larissa Ricci. Colaborou Luiz Ribeiro)