Rio Doce – O alento que a retenção de 10 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos de minério de ferro que a Barragem de Candonga trouxe para o Rio Doce foi comemorado desde 2015, mesmo ano em que a Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, se rompeu em Mariana. Contudo, as falhas que impediram que o reservatório tivesse esse rejeito dragado até 2018 podem estar agora impactando por causa das chuvas intensas áreas que nunca tiveram contato direto com o material, como Governador Valadares.
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O presidente da Associação dos Pescadores de Conselheiro Pena e Região, Lelis Barreiros, a quantidade de rejeitos que tem descido do barramento que é operado pela Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, seria muito maior do que antes. “Está descendo muito rejeito pelo rio e isso está impactando todo mundo de novo. O rio já morreu uma vez e está morrendo de novo”, considera.
De acordo com o presidente da associação, as barreiras metálicas instaladas pela Fundação Renova para reter o avanço do rejeito não estão sendo capazes de segurar o material dentro do reservatório.
“Esse sistema de três barragens tinha de deixar a água passar por cima e o rejeito ficar. Mas a chuva está tão forte que está saindo tudo arrebentando e voltando para o Rio Doce. Sempre voltou, aos poucos, mas agora está descendo muito e de uma vez”, disse Barreiros.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Governador Valadares, Elias Souto, conta que sua casa na Ilha dos Araújos foi atingida e que ficou encoberta por uma camada de 10 centímetros de material escuro semelhante a rejeitos de minério de ferro.
“Nas últimas quatro enchentes, o rio tinha um outro tipo de lama. Agora, veio essa escura, com a aparência mesmo de rejeitos como os de Mariana e de Brumadinho. Estamos sendo atingidos novamente e de uma forma pior, pois esses materiais não tinham entrado em contato conosco. Quando isso secar, teremos poeira de rejeitos contaminando a cidade. Isso sem falar na vida aquática que vai ser novamente prejudicada se se tratar mesmo de rejeitos”, disse.
O biólogo Matteus Carvalho diz que é preciso medir a quantidade de rejeitos que se movimentou em Candonga para saber qual o tamanho do prejuízo, uma vez que os 10 milhões de m3 que estão no lago correspondem ao mesmo volume liberado pela tragédia de Brumadinho.
“Essa movimentação dos rejeitos, ocasionada pela força cinética da água, piora a qualidade dela. Por outro lado, por causa do volume das chuvas, pode ter havido uma diluição dos contaminantes (quando comparado com a situação original), o que não significa que as águas estejam próprias para o consumo, ou que podem passar por tratamentos convencionais. Teriam que ser feitos testes para avaliar isso”, alerta.
Segundo o especialista, uma pergunta de difícil resposta, e que demandaria especialistas para responder é se as enchentes foram maiores do que seriam por causa do rejeito de Fundão assoreando os rios. “De toda forma, é um cenário contínuo de degradação, amplificado pelo desastre ocorrido há mais de 4 anos”, resume.
Semad pede explicações à Renova
De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), não houve a avaliação da movimentação dos rejeitos sedimentados no reservatório da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves. O órgão estadual vai levantar, junto à Fundação Renova, responsável pela recuperação do curso d'água, a quantidade de rejeitos mobilizados com as chuvas. “Após o diagnóstico, serão traçadas as ações necessárias à recuperação dos possíveis danos e ao controle dos impactos na fonte geradora”, diz a nota.O órgão público considera “prematuro” avaliar que a fonte da turbidez do rio foi o depósito de rejeitos. “Em períodos chuvosos, o aumento da turbidez da água e da quantidade de sólidos em suspensão, é comum nos rios da Bacia do Rio Doce”, informou.
Segundo a Semad, se a contaminação do rio pelo rejeitos depositados na hidrelétrica foram confirmados, haverá a responsabilização da Fundação Renova. Nesse caso, não há responsabilidade do Consórcio Candonga ou da UHE Risoleta Neves, conforme informação da secretaria.
A Semad ainda informou que o processo de licenciamento ambiental para a retirada dos sedimentos está em curso e a previsão é que o desassoreamento do reservatório comece em 1º de junho deste ano, mas que acções emergenciais para estabilizar os rejeitos foram realizadas.
A Fundação Renova não deu resposta ao Estado de Minas até a publicação desta reportagem. O EM entrou em contato com a Usina, sem sucesso.