Depois de cerca de cinco anos de intenso debate, entra em vigor o novo Plano Diretor de Belo Horizonte, com a promessa de adequar a capital aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). O Plano cria conexões verdes, cerca de 950 quilômetros de arborização, aumenta a taxa de permeabilidade do solo, cria as conexões de vales, com a arborização das áreas de córregos ainda não canalizados, e põe fim à política de canalização dos leitos de mananciais ainda naturais. Além disso, estabelece a adoção das chamadas outorgas onerosas, valores que construtores terão que pagar para implantar projetos com área superior à prevista para determinada região. Os recursos serão destinados a dois fundos, o de Centralidades e o da Habitação, destinados a investimentos em infraestrutura e a construção de moradias, respectivamente. Somente neste ano, a projeção é de aporte de R$ 60 milhões no primeiro.
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No Plano Diretor antigo, o coeficiente básico, que determina o quanto pode ser construído, é de 2,7, ou seja, para determinar a área construída, multiplicava-se o tamanho do terreno por esse índice. Se o terreno era de 1 mil metros quadrados, a área construída poderia chegar a 2,7 mil m². Com o novo Plano Diretor, o coeficiente poderá variar de 1 a 5. O índice máximo é direcionado ao Centro da cidade e às novas centralidades, que são áreas próximas a corredores de trânsito em que pode ocorrer maior adensamento populacional. A mudança no coeficiente, porém, ocorrerá num período de três anos. No próximo triênio, esse coeficiente varia de 2,7 a 5. A partir de 2023, entram em vigor os coeficientes de 1 a 5, ou seja, haverá redução na área construída permitida para algumas regiões.
O Fundo de Centralidades recebe aporte das outorgas onerosas das novas centralidades, como a Avenida Antônio Carlos e Avenida Cristiano Machado. Os valores só podem ser investidos em obras de infraestrutura dessas regiões. As outorgas de construções em outras áreas da cidade vão compor o Fundo da Habitação. Nesse caso, os recursos podem ser usados, por exemplo, em programas de construção de moradias.
O professor de economia regional e urbana no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), João Tonucci, lembra que o debate que dominou a tramitação do Plano Diretor no Legislativo foi a instituição da outorga onerosa. “A outorga onerosa é instrumento previsto no Estatuto da Cidade desde 2001. Outras cidades brasileiras já haviam adotado esse instrumento, mas em Belo Horizonte foi protelado”, destaca. O professor lembra que o instrumento tem como objetivo a justiça tributária, de forma que permite um retorno à sociedade.
Nas áreas de maior adensamento populacional e de maior verticalização, o professor lembra que é importante que o setor construtivo possa restituir o investimento público que aquele terreno recebeu. “O Plano reflete a mudança de consciência do poder público e da opinião pública. Apresenta nova agenda urbana, acordada pela ONU, calcada em preocupação com a questão ambiental e social”, diz João Tonucci. Ele destaca como extremamente positivo o fato de grande parte das mudanças ter vindo das Conferências de Políticas Urbanas, realizadas em 2014.
O Plano Diretor entra em vigor em meio à maior chuva da capital nos últimos 110 anos, que resultou em enxurradas, enchentes e inundações e destruição em várias regiões da cidade. No entanto, a secretária lembra que não é possível discutir urbanização tendo como parâmetros os temporais de janeiro deste ano. “Má-fé utilizar dessa chuva para parametrizar ação de governo. Isso foi uma calamidade. Temos que avaliar se essa chuva vai virar padrão. Estamos em período de mudança climática”, diz.
Diretrizes especiais
O Plano estabelece áreas de adensamento (ADE) Vale do Arrudas e do Isidoro. “Algumas áreas da cidade são tratadas como diretrizes especiais, áreas que têm fragilidade ambiental”, afirma. A secretária lembra que o problema da vazão tem que ser controlada com obras que devem ser realizadas em Contagem. “Contribuição dos córregos que chegam ao Arrudas e que estão gerando esse impacto. Por isso, é necessário fazer o saneamento desses córregos, o tratamento a montante. Esse é um problema do tipo de drenagem estabelecido ali”, diz.
Com a instituição das ADEs, o propósito é discutir maneiras de mitigar os problemas ambientais que já estão instalados. Não são soluções definitivas, conforme destaca, mas vão mitigar o problema.“Trabalhamos com a lógica de soluções baseadas na natureza, na engenharia verde. Que possamos trabalhar com outros elementos de drenagem, como pisos, aumento da taxa de permeabilidade nas áreas de lote, na implantação de jardins de chuvas nas áreas públicas e ao longo das bacias para diminuir a velocidade com que a água chega no fundo de vale”, informa a secretária.
Três perguntas para Maria Caldas, secretária de Políticas Urbanas de Belo Horizonte
O que o Plano Diretor traz para minimizar futuros problemas ambientais de BH?
O debate sobre o Plano Diretor foi um processo longo, em que perdemos muito tempo ao focar apenas na discussão da outorga onerosa. Realmente, a outorga é uma estratégia muito importante, mas nem de longe é a única do Plano. Uma das estratégias mais importantes do Plano é a ambiental. Tem um capítulo inteiro que trata dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), acordo entre países do mundo inteiro e de que o Brasil é signatário. Introduzimos no Plano capítulo que mostra como Belo Horizonte vai atender cada uma das 17 metas para se tornar cidade sustentável, inclusiva e resiliente. Ali já tem um conjunto de estratégias. O Plano dá concretude à intenção de redução dos gases de efeito estufa, a principal estratégia de sustentabilidade não só de uma cidade como do planeta.
Quais são essas medidas?
A primeira medida de grande impacto é o aumento das áreas de preservação ambiental na cidade. Eleva em 40 quilômetros quadrados a quantidade de áreas verdes, um aumento de 12% no total. São áreas que poderiam ser edificadas e agora não podem mais, terão que receber tratamento de preservação ambiental. A segunda estratégia é o aumento na taxa de permeabilidade na cidade inteira, que foi revista. Dentro dos lotes, existem percentuais de terreno que você precisa deixar drenar a água de chuva. Na lei anterior, as taxas eram padrão. Você poderia construir, para cumprir a taxa, sobre uma garagem: ter a garagem no subsolo e ter a grama em cima. Agora não. Tem que ser em terreno natural. Precisa colocar uma caixa de captação da água de chuva, além da taxa de permeabilidade, que vai acumular toda a água de infiltração do terreno. Além disso, as edificações recebem estímulos para que essa taxa de permeabilidade seja cumprida no afastamento frontal, para que possa facilitar a fiscalização. Edificações que conseguirem o selo de sustentabilidade têm estímulo nessa nova legislação. Para obter o selo, temos medidas como reúso de água, energia alternativa, elevador inteligente.
E na estrutura geral da cidade, o que muda?
A implantação de 930 quilômetros de vias arborizadas, as conexões verdes, e as conexões de fundo de vale, áreas onde existem córregos, que serão deixados em leito natural. Também está proibida a canalização. O córrego tem que ficar em leito natural e as margens precisam ser urbanizadas como parques, áreas de preservação ambiental e com tratamento dos resíduos e saneamento básico. É o modelo Drenurbs, programa da prefeitura que implantou bacias de contenção no Primeiro de Maio e no Bairro Bonsucesso, por exemplo. A ideia é que a política pública para tratamento de córregos é preservar o leito natural, preservar as margens e recuperar as nascentes. São cerca de 700 córregos e rios e temos 200 canalizados. A maioria não está canalizada.