Jornal Estado de Minas

Saúde pública

Cientistas brasileiros e governo discutem coronavírus; UFMG já faz estudos



Reunião entre um grupo de pesquisadores e cientistas brasileiros e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), ontem, em Brasília, discutiu meios e procedimentos a serem adotados frente à disseminação do coronavírus, além de possíveis novas epidemias virais. Mas, bem antes disso, a comunidade científica do país já vem dialogando sobre ações emergenciais que podem contribuir para a agilidade no diagnóstico e a contenção do vírus, inclusive com estudos feitos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O desenvolvimento de vacinas no Brasil, por enquanto, está descartado por virologistas. De acordo com o balanço mais recente, já são mais de 900 mortes na China continental (fora de Hong Kong e Macau), onde o número de pessoas infectadas supera 40 mil. Há ainda quase 29 mil casos suspeitos.


Ainda não há um conjunto de deliberações para ações concretas. Nesse momento inicial, o debate parte de como o Brasil pode se fortalecer em termos de pesquisa e informação no campo técnico-científico para desenvolver novas ferramentas para o monitoramento sobre o surgimento desses tipos de surto, considerando inclusive a inteligência artificial e a necessidade de um corpo de profissionais capacitados.

É o que esclarece Ana Paula Fernandes, professora titular da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O ponto de partida, segundo a pesquisadora, é um conhecimento mais aprofundado acerca do funcionamento das doenças, mantendo uma vigilância epidemiológica. Movimento que deve se dar antes que o problema se alastre, entendendo os modos de transmissão, de contenção, terapias e diagnósticos mais precisos e possíveis origens das enfermidades, entre outros pontos.

“Discutimos sobre como desenvolver respostas diagnósticas, vacinas e tratamentos para dar suporte ao ministério com instrumentos para lidar com essas ameaças à população, a fim de que o Brasil tenha condição de enfrentar questões emergenciais com rapidez e eficiência. É uma situação similar ao que ocorreu no combate ao zika vírus. A intenção é estabelecer uma rede de pesquisa”, conta.


Para Ana Paula, é fundamental adotar postura proativa, em vez de tentar correr atrás depois de o problema instaurado. “É preciso ter a capacidade de inovar rapidamente e oferecer instrumentos de assistência aos serviços de saúde”, salienta. Sobre a intenção de que o governo resolva pôr aportes financeiros para custear estudos em relação ao coronavírus, Ana Paula diz que ainda é cedo: “Observamos na reunião quais são os gargalos, quais diretrizes e ações possíveis. Foi uma primeira reunião, um primeiro levantamento, quase como uma brainstorm. Ainda é uma semente”.

Tratamentos


Desde o fim de 2019, quando teve início, a epidemia do novo coronavírus se expandiu para além da China e a cada dia extrapola fronteiras. A fim de frear esse avanço tão rápido, em uma situação considerada emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), começa uma corrida para desenvolver formas de detecção, tratamento e vacinas em relação à contaminação pelo micro-organismo, e o Brasil participa.

Iniciativa relacionada à UFMG, à Fiocruz-Minas e ao Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec), um dos projetos na pauta da reunião é o que está sendo elaborado pelo Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG (CT Vacinas), na capital mineira, especializado em estudos de biotecnologia. A intenção dos profissionais é encontrar modos de otimizar o diagnóstico da infecção.


Professor e pesquisador do Departamento de Microbiologia da UFMG, Flávio da Fonseca é um dos coordenadores do estudo: “É um teste novo, já que é um problema novo. É um projeto ainda em fase inicial, de desenho. O teste de eficácia dos exames deve ser feito em quatro meses. Esse tempo depende de amostras de pessoas infectadas, o que ainda não há no Brasil, então não tem como testar”.
 
 
 
O CT Vacinas é um órgão vinculado à UFMG, braço do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCT), cujo objetivo é gerar testes diagnósticos e vacinas contra doenças infecciosas, fazendo a ligação entre o conhecimento gerado em laboratório na universidade e a iniciativa privada – que produz os kits diagnósticos para diferentes doenças.

No que concerne a vacinas, Flávio diz que é consensual entre os virologistas brasileiros que ainda não é tempo de desenvolvê-la por aqui, já que não se sabe o comportamento do coronavírus. “Para tanto, é preciso ter certeza sobre o problema. Ainda não há indícios de que o coronavírus vai se espalhar pelo mundo. Por enquanto, é um momento de incertezas e uma questão com muitas lacunas”, pontua.


No grupo de trabalho, são cerca de 25 integrantes, entre estudantes e professores. O norte da atuação é a realização de exames moleculares e sorológicos capazes de identificar o agente patológico. Um dos processos parte da análise de secreção pulmonar ou sangue, que torna possível atestar a presença do RNA do vírus no corpo. “O teste sorológico detecta anticorpos no organismo, é indicado para aplicação em massa e pode ser implementado em condições epidêmicas. O exame molecular, por outro lado, demanda infraestrutura laboratorial mais complicada e profissionais treinados, portanto, sua aplicação é mais restrita”, explica Flávio da Fonseca. Nos dois casos, o resultado demora em torno de seis horas.

No CT Vacinas, o alicerce do procedimento parte do código genético do coronavírus, considerando a descoberta publicada por especialistas da China em janeiro. O instituto está fabricando em laboratório frações do vírus, o que é fundamental para a eficácia dos exames para seu reconhecimento no organismo.

No mundo


Em algumas partes do mundo, empresas e universidades correm contra o relógio para conceber uma vacina contra o coronavírus. É assim nos Estados Unidos, na Europa e na China. Entretanto, ainda que esse processo não seja tão demorado, seria preciso ao menos um ano para disponibilizar a vacina, uma vez que testes em humanos têm regras rígidas e precisam passar por diversas etapas.


A vacina contra o ebola, por exemplo, chegou a testes em dois anos. No caso da síndrome respiratória aguda grave (Sars), outra cepa do coronavírus que atingiu a China entre 2002 e 2003, a vacina foi criada em 20 meses, em um processo acelerado, mas, quando ficou disponível para testes em pessoas o problema havia sido superado.

Para Flávio, a decisão sobre como agir dependerá dos rumos futuros do coronavírus pelo mundo: “Ainda não sabemos se o problema vai se tornar uma pandemia ou não. Definimos esse sistema de diagnóstico porque o importante é estar preparado caso o vírus chegue ao Brasil. Já vivi problemas como esse em relação a outros tipos de coronavírus, e tenho uma percepção pragmática. Não se transformaram em pandemias, e a minha impressão sobre o novo coronavírus é que caminha para o mesmo tipo de desfecho. Acho que é uma infecção que será contida e com o tempo desaparecerá”, acrescenta.

Pouco mais de dois meses depois do registro dos primeiros casos, o coronavírus já superou o surto de pneumonia causada pelo vírus da Sars. Ante as 908 pessoas mortas desde dezembro em decorrência do novo coronavírus, foram 774 mortes registradas no surto da Sars, conforme a Comissão Nacional de Saúde da China.


Segundo especialistas, o novo vírus, embora ainda em estudo, parece ter características que o fazem mais transmissível e adaptável ao ser humano. Essa avaliação é feita baseada em fatores como a via de transmissão, sua capacidade de se adaptar a um novo hospedeiro, o tempo que sobrevive suspenso no ar e sua velocidade de replicação.

Os vírus de transmissão respiratória costumam ser os mais “eficientes” na contaminação. Mas outro ponto importante é o quando o vírus consegue se adaptar a diferentes tipos de hospedeiro – animal ou humano.

A boa notícia é que, caso o novo coronavírus esteja se adaptando bem ao ser humano, a tendência é que ele continue provocando quadros mais leves e passe a ocasionar doenças menos graves por uma questão evolutiva.