Milhares de moradores expulsos de casa pela força da água ou ilhados, 71 mortes desde o início da estação chuvosa, incontáveis áreas de inundação e pontos de alagamento, interdições em rodovias que cortam o estado, pontes caídas e prejuízos cujo total ainda não foi possível sequer contabilizar. Depois da chuva que voltou a castigar quase todas as regiões de Minas, a mancha de estragos se espalha de norte a sul pelo mapa do estado, poupando até agora apenas o Triângulo Mineiro, o Alto Paranaíba e o Noroeste de Minas (veja mapa). Já são 211 as cidades em situação de emergência, cinco em estado de calamidade pública, mais de 26 mil desalojados e de 7,5 mil desabrigados. Para piorar, o medo de barragens de mineração volta a assombrar comunidades, como em Ouro Preto, onde 28 famílias foram preventivamente retiradas de suas moradias. E a previsão é de mais chuva durante esta sexta e no fim de semana, principalmente na Zona da Mata.
Ontem, dezenas de municípios voltaram a registrar problemas, especialmente na região. Ponte Nova, por exemplo, parou durante todo o dia de ontem. A chuva forte durante a madrugada alagou diferentes pontos da cidade. Vídeos feitos por moradores mostram a força da correnteza em algumas ruas. A prefeitura optou por suspender as aulas das escolas municipais no turno da tarde, mas os estudantes que compareceram às instituições pela manhã foram atendidos. Segundo a administração, oito equipes foram para as ruas atender moradores, além do Corpo de Bombeiros e Defesa Civil.
Também na Zona da Mata, em Cajuri, duas pontes que dão acesso a Viçosa foram danificadas por causa da cheia do Rio Turvo, que passa pela cidade. Segundo relatos de moradores, muitas pessoas perderam seus pertences durante as enchentes. A saída para Belo Horizonte pela MG-262 também ficou interditada. Em Muriaé, na BR-356, altura do Km 270, houve alagamento da pista que precisou de ser interditada totalmente. Em Ubá, um prédio ficou suspenso e com risco iminente de desabar depois de mais um temporal. O edifício fica na Rua Comendador Jacinto Soares de Souza, no Bairro Dico Teixeira.
Pelo menos outros 16 municípios foram afetados na região. O Corpo de Bombeiros divulgou lista de municípios da Zona da Mata onde eram atendidas demandas de resgate de pessoas ilhadas e vistorias em imóveis danificados. As comunidades registraram ocorrências de alagamentos e inundações, mas sem vítimas: Recreio, Palma, Laranjal, Cataguases, Tocantins, Tabuleiro, Guiricema, Piraúba, Astolfo Dutra, São Sebastião da Vargem Alegre, Muriaé, Teixeiras, São Miguel do Anta, Cajuri, Ervália e Leopoldina.
No Sul de Minas, as aulas também precisaram de ser suspensas. Foi o que ocorreu, por exemplo, em Machado, cidade que sofreu com vários pontos de alagamentos. Os problemas na região começaram ainda na quarta-feira. Em Bandeira do Sul, 400 pessoas tiveram de deixar suas casas devido a alagamentos, segundo o Corpo de Bombeiros. Em Varginha, um dos maiores municípios da região, bombeiros registraram 24 ocorrências relacionadas às chuvas desde a quarta-feira. No Bairro Santa Maria, moradores relatam que o ribeirão que passa pela comunidade chegou a transbordar. A cena se repetiu no Bairro Santana e também na região da Feira dos Produtores.
Em Pouso Alegre, a prefeitura monitora o volume dos rios que cortam o município. Sete pessoas de duas famílias que moram às margens do Rio Mandu tiveram que sair de casa por segurança e foram levadas para abrigos pela Defesa Civil do município. O curso d'água permanece estável, mas com quatro metros acima do nível normal. Já o Rio Sapucaí Mirim subiu meio metro. Um flagrante de solidariedade chamou a atenção nas redes sociais: dois cães foram resgatados por um mecânico durante a enchente.
Norte de Minas
Tempestade acompanhada por vento forte e granizo também castigou o município de São Francisco, cidade de 56,3 mil habitantes, no Norte de Minas, a 590 quilômetros de Belo Horizonte. Cerca de 150 famílias tiveram de sair de casa, 250 árvores caíram, vário imóveis ficaram destalhados e em outros, muros foram derrubados. Os números foram divulgados pela Defesa Civil do município, que, na manhã de ontem, com o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar e funcionários da prefeitura, montou força-tarefa para a limpeza das ruas, recuperação dos danos e apoio às vítimas. A cidade já havia decretado situação de emergência em janeiro, por causa de estragos provocados pelas chuvas na zona rural. Agora, autoridades estudam a possibilidade de decretar estado de calamidade pública.
O prefeito Evanilson Aparecido Carneiro viajou para Belo Horizonte, onde conseguiu junto à Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) o envio de dois caminhões com cestas básicas para as vítimas das chuvas. O município fica às margens do Rio São Francisco, cujo volume aumentou muito desde janeiro por causa da intensidade de chuvas, embora sem danos aos moradores ribeirinhos.
Segundo o coordenador municipal de Defesa Civil, em apenas uma hora choveu 75 milímetros em São Francisco, com granizo e vento forte. “Foi um desastre muito grande para nossa cidade, onde não estamos acostumados com tanta chuva. Estamos em uma região seca. Por isso o pessoal ficou muito assustado”, afirmou Cláudio Oliveira. Ele informou que houve inundações de ruas e casas no Centro e nos bairros Sagrada Família e Luzia, situados na parte baixa da cidade. Os moradores desalojados foram para as casas de parentes.
Na Região Central de Minas Gerais, uma viatura do Corpo de Bombeiros sofreu um acidente depois de resgatar pessoas de uma casa alagada. A viatura onde viajavam três militares do Corpo de Bombeiros de Barbacena foi parar dentro de um ribeirão depois que uma ponte cedeu. Chovia no momento do acidente, mas ninguém ficou ferido.
Segundo a corporação, por volta das 23h, os militares foram acionados para atender a uma ocorrência em Sá Fortes, distrito do município de Antônio Carlos. Uma casa da comunidade estava alagada e três moradores não conseguiam sair. Os bombeiros conseguiram resgatar as pessoas, que foram levadas para a casa de alguns parentes. Quando voltavam pela MG-135, a viatura acabou caindo após um desmoronamento.
Previsão é de mais chuva
De acordo com o meteorologista Heráclio Alves, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a chuva persiste no estado até o fim da semana. A previsão é de tempo nublado com pancadas e trovoadas no Noroeste, Região Central, Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Já na Grande Belo Horizonte e as regiões Oeste, Sul, Sudeste, Campo das Vertentes e Zona da Mata devem amanhecer com céu nublado com pancadas de chuva e trovoadas isoladas. “As chuvas estão sendo provocadas pelo canal de umidade que vem no Norte do país. Nada fora do comum, é um fenômeno típico de verão. As chuvas mais fortes devem ocorrer na Zona da Mata”, disse. Nas demais regiões, o céu deve ficar parcialmente nublado, com possibilidade de chuva isolada.
Vizinhos de barragem da Vale são removidos
Vinte oito famílias precisaram ser retiradas de região próxima à Barragem do Doutor, da Mina de Timbopeba, gerenciada pela Vale, no distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto. Na manhã de ontem, ao anunciar a evacuação, a empresa informou que começará em março o plano de reintegração da estrutura ao meio ambiente.
A mineradora acrescentou que, durante a fase de execução das obras, os órgãos de Defesa Civil estadual e municipal vão realocar as famílias que vivem abaixo da estrutura, em Antônio Pereira. Os moradores serão encaminhadas a hotéis da região e, posteriormente, para moradias temporárias conforme as suas escolhas.
A Barragem Doutor está em nível 1 do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM). Segundo a empresa, a represa não recebe rejeitos de mineração desde março de 2019. A Vale garantiu que "não há qualquer situação que exija a elevação de nível de emergência."
Cerca de 160 animais de pequeno e grande portes, serão levados para uma fazenda alugada pela Vale, até que possam ser devolvidos aos seus donos.
A Prefeitura de Ouro Preto informou que a decisão de evacuar a área foi tomada em conjunto com a Vale. As famílias vivem às margens do rio e a retirada é uma medida preventiva, já que os imóveis foram inundados no ano passado. O leito também seria a rota da lama em caso de rompimento da barragem. A próxima etapa é o cadastramento desses moradores.
Antônio Pereira fica a 40 quilômetros do Centro de Ouro Preto. A prefeitura garante que, em um eventual rompimento, não há risco para o Centro Histórico. A medida preventiva não altera a programação de carnaval, nem mesmo no distrito.
Também há o relato de que uma barragem se rompeu em Campos Gerais, no Sul de Minas. Segundo o secretário de Obras da cidade, a represa não comportou o volume de águas e a população próxima foi alertada.