A identificação de pacientes que apresentaram quadro semelhante ao da intoxicação por dietilenoglicol, mas que ficaram sem diagnóstico preciso, leva a Polícia Civil a estender para 2018 a investigação sobre a contaminação das cervejas da Backer. Até agora, o inquérito policial apura 34 casos suspeitos – sendo seis mortes –, todos a partir de outubro de 2019. Três necrópsias de corpos de supostas vítimas apresentaram resultados compatíveis com a presença da substância tóxica no organismo e quatro exames de sangue confirmam o agente químico no sangue de pacientes. O anúncio de ampliação das apurações coincide com decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que deferiu pedido do Ministério Público estadual e bloqueou bens da empresa.
Em 18 de janeiro, o Estado de Minas revelou que, a partir da contaminação identificada em cervejas da Backer, médicos iriam revisar casos antigos que ficaram inicialemnte sem esclarecimento. Ontem, no último episódio da série em podcast O caso Backer, o EM contou histórias de três pacientes, um deles morto em abril de 2019, que apontavam que a janela de contaminação poderia ser bem anterior a outubro.
Segundo o delegado, a ampliação vai ocorrer a partir de notificação à Secretaria de Estado da Saúde, que também compõe a força-tarefa que investiga a intoxicação de consumidores de cerveja por dietilenoglicol. Apesar disso, a pasta informou, em nota, que a definição de caso suspeito, por ora, inclui apenas casos a partir de outubro de 2019. Entretanto, isso não impede que policiais deem andamento à investigação criminal.
Durante entrevista coletiva, a Polícia Civil também informou que parte dos reagentes para fazer o exame de dietilenoglicol, que estavam em falta no IML, chegou. Segundo a corporação, a novidade é que, além do dietilenoglicol, serão feitos exames que detectarão a presença do monoetilenoglicol tanto nas amostras de cervejas quanto no sangue dos pacientes. A expectativa é de que os exames fiquem prontos nos próximos 15 dias. As duas substâncias são usadas no processo de fabricação da cerveja, mas não podem ter contato com o produto.
Na quarta-feira, o EM denunciou que a falta de reagentes estava atrasando a perícia. Em mais de 40 dias de inquérito policial e com 34 vítimas sob suspeita, a corporação havia divulgado resultados de somente quatro exames. “Estávamos esperando chegar mais reagentes para o monoetilenoglicol. Estamos validando a tecnologia para o monoetilenoglicol e acredito que no prazo de 15 dias tenhamos novos resultados, tanto nos lotes de cerveja quanto nas amostras de sangue dos pacientes”, afirmou o superintendente de Perícia Técnica e Científica, Thalles Bittencourt.
Ele justificou que as intoxicações por dietilenoglicol e monoetilenoglicol são muito raras e que, por isso, os laboratórios não tinham os reagentes em estoque. Apesar do receio das famílias de vítimas, de que a demora impeça autoridades de detectar as substâncias tóxicas no organismo, Bittencourt afirmou que não existe um período determinado para que os agentes químicos deixem de ser encontrados no corpo.
Sobre o número reduzido de exames de sangue prontos, Bittencourt explicou que a perícia optou por esperar a chegada dos reagentes para monoetilenoglicol, para que a dosagem fosse feita para as duas substâncias. “Desde o dia 10, especificamos o produto. No dia 13, iniciamos o processo de compra, mas há um tempo (para a aquisição) e também de entrega. São produtos importados e controlados, que não ficam em estoque”, disse.
Exame de sangue não será determinante
Os representantes da Polícia Civil destacaram que o exame de sangue não será imprescindível nas investigações. “Inicialmente, há uma investigação epidemiológica. Se aquele paciente fez ou não uso da cerveja, se aquele lote estava ou não contaminado pela substância, qual o quadro clínico que a pessoa desenvolveu e, em caso de óbito, qual o resultado da necrópsia”, diz Bittencourt.
Com diagnóstico impreciso, de um tipo raro da doença autoimune Guillan-Barré, revisto pelos médicos assim que as investigações relacionadas a cervejas contaminadas da Backer vieram à tona, o engenheiro de redes Vanderlei de Paula Oliveira, de 37 anos, tem esperança renovada com a notícia de ampliação do período de investigação. “É o que faz mais sentido. Como não há mais a oportunidade de dosar o dietilenoglicol em nosso sangue, o mais correto é reavaliar os prontuários médicos desses pacientes, que até hoje não têm um diagnóstico compatível com suas enfermidades”, disse. Ele ficou internado de fevereiro a julho de 2019, com sintomas semelhantes aos dos pacientes investigados.
A Polícia Civil também divulgou que, das quatro necrópsias de corpos de vítimas da intoxicação por dietilenoglicol, três são compatíveis com a presença da substância tóxica no organismo. A polícia aguarda a liberação do pedido de exumação de corpos. Até agora, foram colhidos 39 depoimentos.
Com mais de um mês de investigação, que começou em 9 de janeiro, e muitas perguntas em aberto, a principal delas sobre como as substâncias proibidas foram parar na cerveja, Grossi diz que os trabalhos não têm prazo para conclusão. “Há um trabalho intenso da parte pericial de engenharia e química para entender primeiro o processo fabril da cerveja e, depois, entender onde ele é falho. É um processo complexo, que não é comum à atividade policial”, explica.
BLOQUEIO Ontem, a Justiça bloqueou bens da cervejaria mineira, em ação que atende a pedido do MP, sustentando que a Backer não cumpriu medidas de acordo extrajudicial. Segundo o processo, a companhia de bebidas negou “apoio aos consumidores que ingeriram as cervejas colocadas no mercado de consumo”.
Técnicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também estiveram na empresa, ontem, com o objetivo de colher informações para auxiliar a apuração do processo administrativo. Em nota, a Backer informou que a argumentação do MP não procede. “Diferentemente do alegado, (o acordo) foi integralmente cumprido pela Backer”, sustenta a cervejaria, que informou estar tomando providências para que prevaleça “a verdade dos fatos”. (Com Gabriel Ronan)
Como noticiou o EM
Em 18 de janeiro, o Estado de Minas revelou que, depois da identificação de contaminante em cervejas da Backer e em amostras de pacientes, médicos revisariam casos antigos, com quadros compatíveis, que à época ficaram sem esclarecimento. Na edição de ontem, o EM contou as histórias de alguns desses pacientes, que podem fazer a investigação recuar até 2018. Já a edição de quinta-feira denunciou o atraso nas apurações, devido à falta de reagente para identificar o dietilenoglicol em amostras.