Da janela do cômodo em que dorme, em um edifício interditado que teve o bloco vizinho demolido há oito anos, o vigia Antônio Hélio Souza Cruz, de 42 anos, observa um fantasma que põe em dúvida sua segurança, mas ainda não foi suficiente para tirá-lo de lá. A paisagem que ele vislumbra é remanescente do desabamento do Edifício Vale dos Buritis, em 10 de janeiro de 2012, e da posterior demolição do Bloco 2 do Edifício Art de Vivre, três dias depois, no Bairro Buritis, na Região Oeste de Belo Horizonte. O episódio envolvendo as duas construções é uma demonstração de como o solo que sustenta os alicerces de edificações pode ceder e provocar tragédias diante de chuvas intensas. Mesmo que o incidente não tenha provocado morte, os proprietários dos apartamentos tiveram grande prejuízo, pois só em 2017 conseguiram uma indenização, de R$ 120 mil, na Justiça.
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Mas as lições representadas pelo desabamento de um prédio e demolição de outro parecem não ter sido suficientes. Em um raio de apenas um quarteirão em torno do Bloco 1 do Edifício Art de Vivre, que está interditado e sob disputas judicias, onde dorme Antônio, a equipe do Estado de Minas identificou nada menos do que cinco outros pontos próximos a prédios residenciais nos quais, devido ao encharcamento do solo e a deslizamentos, foi preciso usar lonas para cobrir vastas extensões de terreno. A Defesa Civil recomendou essas ações, e os trabalhos não param para remover o que desceu dos barrancos e reconstituir estruturas de drenagem que impedem que o solo ceda mais e ameace os alicerces de edificações vizinhas. “É perigoso. Se não fosse, não estariam trabalhando para cobrir tudo. Mas aqui onde estou, não acho que vai desmoronar. Tem uma base sólida debaixo”, acredita o vigia.
Um sintoma que mostra como a destruição não escolhe posição social ou condição financeira é o intenso uso de lonas em bairros de todas as regiões da cidade. O material usado como providência emergencial para que o solo não se sature e desabe tornou-se presença disseminada aos pés de barracos e sobre as fundações de grandes edifícios residenciais. O EM apurou que, em 10 grandes depósitos de material das regiões Oeste e Centro-Sul – as mais afetadas pelas chuvas – as vendas de lonas aumentaram entre 55% e 70%.
“Tem muita gente cobrindo os telhados e os barrancos até que a chuva passe, muitos imóveis na Barragem Santa Lúcia e região. Vendiam-se 30 rolos de lona ao mês, agora estão saindo em média 70 (crescimento de 133%)”, informou Wagner Lúcio Souza, da Carmo Sion Materiais de Construção, na Região Centro-Sul da capital. O Depósito Magi, na Região Oeste, multiplicou suas vendas de lonas só com os atingidos da Região Oeste próximo à Avenida Teresa Cristina. “Antes, vendíamos 110 metros por mês, agora, sai toda semana essa quantidade. Quase tudo para a área da Teresa Cristina. Até um funcionário daqui precisou de lona, porque a casa dele no Bairro Vista Alegre ficou debaixo da lama”, conta o vendedor Diego Alexandre da Silva.
Segundo a professora Maria Giovana Parizzi, do Departamento de Geologia da UFMG, o uso de lonas para revestir o solo próximo a construções ou em área que sustenta edificações é um paliativo. “Isso evita a saturação do solo com a água das chuvas. É preciso colocar muita lona mesmo, mas isso é emergencial. Tem de ser temporário. Depois, é preciso erguer várias estruturas de contenção, muros de arrimo, telas que grampeiem o solo para segurar, cortinas atirantadas para enfrentar a gravidade e para reforçar a resistência e dar apoio para conter o solo, lembrando que sempre é necessária uma drenagem associada, para que a água saia do terreno”, afirma.
Resposta emergencial para minimizar danos
Os reflexos dos estragos que deixaram marcas em Belo Horizonte foram amenizados com uma grande estrutura de Defesa Civil mobilizada pela prefeitura da capital. Segundo a administração municipal, foram distribuídos 2.640 metros de lonas para que a população atingida protegesse telhados e solos em áreas de risco geológico, material suficiente para cobrir um terço do comprimento da Avenida Teresa Cristina.
Outras necessidades dos atingidos também precisaram ser atendidas para que pudessem ser acolhidos enquanto não podiam retornar a suas casas. Para isso, foram distribuídas 2.034 cestas básicas desde 25 de janeiro. Outros insumos foram entregues aos necessitados, como 2.414 colchões, 1.557 cobertores, 715 lençóis, 60 kits de limpeza e 10.430 marmitas embaladas em recipientes térmicos.
“Desde 23 de janeiro, 2.500 funcionários estão nas ruas da cidade, entre eles 945 garis. É importante esclarecer que esse efetivo estava responsável pela limpeza e desobstrução das vias e que todos os órgãos da prefeitura estão empenhados nos trabalhados. Além dos trabalhadores, foram disponibilizadas 266 máquinas”, informou a prefeitura.
A administração municipal destaca que o “grande volume de chuva provocou o encharcamento do solo em toda cidade e potencializou o risco geológico, com ocorrências de quedas de muros, deslizamentos e desabamentos”. Com essa situação, as famílias que precisaram deixar suas casas e que não contavam com uma rede de apoio pessoal para acolhimento (amigos, parentes, vizinhos) foram encaminhadas para pousadas preparadas pela prefeitura. “Foram disponibilizadas 500 vagas, em seis pousadas. São 309 pessoas acolhidas, com garantia de abrigamento, quatro refeições diárias e atividades de socialização promovidas por diferentes órgãos municipais”, acrescentou a PBH.
O município destaca que a hospedagem é uma medida provisória. A Urbel realizou cerca de 500 remoções de pessoas. A maioria das interdições por riscos geológicos fica na Vila Bernadete, onde 62 imóveis foram vistoriados preventivamente, sendo 27 interditados, cinco parcialmente interditados e 30 liberados. “Todos os moradores dos 62 imóveis vistoriados foram notificados e orientados a não expor a própria vida e de familiares a riscos de morte, e a ligar para o 199 em caso de necessidade”, orienta a prefeitura.