A contaminação das cervejas da Backer por substâncias tóxicas atinge mais da metade dos 22 rótulos que eram comercializados pela empresa. Análises do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) apontam a presença do dietilenoglicol ou do monoetilenoglicol em 54 lotes de 12 marcas da cervejaria artesanal – a listagem oficial indica 55 lotes, mas um deles, o L2 1604, figura duas vezes na relação. As substâncias proibidas foram detectadas em um quarto das 221 amostras analisadas. Somente da Belorizontina, rótulo em que foram identificadas as primeiras contaminações e carro-chefe da cervejaria mineira, são 33 lotes comprometidos, o que corresponde a cerca de 1 milhão de garrafas.
Em relação ao último levantamento divulgado pelo Mapa, são 13 novos lotes identificados como contaminados, e mais dois rótulos – Layback D2 e Três Lobos Pilsen. As cervejas com contaminação comprovada foram produzidas entre julho de 2019 e janeiro de 2020. Com isso, as análises reforçam a possibilidade de que intoxicações tenham ocorrido antes de outubro de 2019 – período inicialmente delimitado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) para notificações de casos suspeitos. A Polícia Civil ampliou, na última sexta-feira, a investigação para dezembro de 2018.
As amostras contaminadas são das marcas Belorizontina, Backer Pilsen, Backer Trigo, Brown, Backer D2, Capixaba, Capitão Senra, Corleone, Fargo 46, Layback D2, Pele Vermelha e Três Lobos Pilsen. Uma das maiores cervejarias do Brasil, a fábrica da Backer no Bairro Olhos D'Água, Região Oeste da capital, está interditada desde 10 de janeiro, proibida de vender seus produtos.
A Polícia Civil investiga 34 casos de intoxicação por dietilenoglicol, sendo seis mortes, pela contaminação das cervejas. Três necrópsias são compatíveis com a presença da substância tóxica no organismo das vítimas e quatro exames de sangue confirmam a presença do agente químico no sangue de pacientes.
Segundo o Mapa, até ontem o Laboratório Federal de Defesa Agropecuária (LFDA/MG) havia analisado 315 amostras, entre elas de cervejas produzidas pela Backer, de cervejas de outras marcas, além de matérias-primas, insumos e resíduos de produção, na tentativa de detectar a presença dos contaminantes. Foram verificados problemas somente em amostras da cervejaria Backer. Servidores do ministério também identificaram os agentes químicos tóxicos na água e em equipamentos da indústria. “O caso envolvendo a contaminação por etilenoglicol e dietilenoglicol em cervejas da empresa Backer é um evento isolado e que não coloca em risco a segurança das demais cervejas nacionais, sejam elas produzidas por estabelecimentos de grande ou pequeno porte”, informa o Mapa.
Em nota, a Backer informa que “ainda não foi comunicada pelo órgão competente sobre essa questão e que a ausência de informação quantitativa sobre a presença de dietilenoglicol permanece”. A empresa reitera que já retirou do mercado todas as suas marcas e, que portanto, não há nenhum risco de contaminação exposto aos consumidores.
ESCALA O engenheiro de redes Célio Barros, de 59 anos, irmão de um dos pacientes internados com suspeita de intoxicação, Luciano Barros, de 56, está assustado com a extensão da contaminação. “O estrago é muito grande. E a possibilidade de outros terem sido envenenados é alta, mesmo sem terem sentido o extremo do envenenamento”, afirma.
O superintendente de Perícia Técnica e Científica da Polícia Civil, o médico legista Thalles Bittencourt, afirma que vários fatores explicam porque, embora a contaminação de cervejas seja em grande escala, até o momento, haja 34 casos suspeitos. “A primeira explicação é a faixa de toxicidade da substância. Para uma pessoa de 70 quilos, a dose tóxica letal encontrada foi de 1 grama a 12 gramas. Isso quer dizer que, se eu ingerir menos de 1g, não tenho nada. Se ingerir mais de 12g, a dose é letal. Ou seja, óbito. Entre 1 grama e 12 gramas, pode acontecer de tudo”, afirma.
O volume de substância consumido também pesa, assim como o tipo de consumo. “Vai depender se a pessoa consumiu junto com outro destilado, que tem teor de etanol mais elevado. O etanol é um antídoto que compete com a mesma enzima do dietilenoglicol, ele evita a transformação do tóxico em metabólicos”, explica o médico-legista. Ele aponta também que cada pessoa tem uma capacidade diferente de reação. “Isso tudo explica por que algumas pessoas tiveram quadros tão drásticos, outras, sintomas mais leves e outras, sintoma nenhum”, ressalta.
Olho no rótulo
Confira lotes de cervejas da Backer com contaminação comprovada pelo Mapa» Belorizontina L2 1354
» Belorizontina L2 1348
» Belorizontina L1 1348
» Belorizontina L2 1197
» Belorizontina L2 1604
» Belorizontina L2 1455
» Belorizontina L2 1464
» Belorizontina L2 1593
» Belorizontina L2 1557
» Belorizontina L2 1474
» Belorizontina L2 1546
» Belorizontina L2 1487
» Belorizontina L 882
» Belorizontina L2 1467
» Belorizontina L2 1521
» Belorizontina L2 1534
» Belorizontina L2 1547
» Belorizontina L2 1546
» Belorizontina L2 1552
» Belorizontina 1354
» Belorizontina L2 838
» Belorizontina L2 867
» Belorizontina L2 899
» Belorizontina L2 907
» Belorizontina L2 934
» Belorizontina L2 1004
» Belorizontina L2 1058
» Belorizontina 1081
» Belorizontina L2 1215
» Belorizontina L2 1227
» Belorizontina L2 1388
» Belorizontina L2 1479
» Belorizontina L2 8565
» Backer D2 L12007
» Backer Pilsen L1 1549
» Backer Pilsen L1 1565
» Backer Pilsen L1 1351
» Backer Pilsen 827
» Backer Pilsen 851
» Backer Pilsen 882
» Backer Pilsen L1 1093
» Backer Trigo 1099
» Backer Trigo L1 1598
» Brown 1316
» Capitão Senra L2 1609
» Capitão Senra L2 1120
» Capixaba L2 1348
» Corleone 1121
» Fargo 46 L1 4000
» Layback D2 L1 2005
» Pele Vermelha L1 1448
» Pele Vermelha 1248
» Três Lobos Pilsen L1 1180
» Três Lobos Pilsen L1 1389
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e abastecimento
Entenda o caso
Entenda o caso
No fim de dezembro, pacientes começam a apresentar sintomas de uma doença misteriosa. No início, problemas gastrointestinais (náusea e/ou vômito e/ou dor abdominal). Depois, insuficiência renal aguda de evolução rápida (em 72 horas) somada a alterações neurológicas, como paralisia facial e descendente, borramento visual, perda da visão parcial ou totalmente, entre outros sintomas.
Em 4 de janeiro, começam a circular em redes sociais, principalmente no WhatsApp, boatos sobre doença grave entre moradores do Bairro Buritis, na Região Oeste de BH. Usuários ligam a enfermidade ao consumo de produtos de um supermercado e da Cervejaria Backer, que negaram o teor dos conteúdos compartilhados.
Em 5 de janeiro, a Secretaria de Estado de Saúde se manifesta pela primeira vez sobre o caso. A pasta abre um inquérito epidemiológico. No dia seguinte, confirma a internação de sete pacientes com o mesmo quadro, batizado de síndrome nefroneural, e emite nota técnica.
Até 7 de fevereiro, foram notificados 31 casos suspeitos pela SES, sendo seis mortes. Há notificações em 10 municípios mineiros. A Polícia Civil apura 34 casos suspeitos. Exames de sangue confirmaram a presença do dietilenoglicol em quatro pacientes, sendo um deles Paschoal Demartini Filho, morto em 7 de janeiro.
No último dia 14, a Polícia Civil informou que ampliará a janela de investigação, antes restrita a casos registrados depois de outubro de 2019, para o período posterior a dezembro de 2019