Blocos de carnaval criados e formados por moradores de comunidades de Belo Horizonte resistem à falta de infraestrutura e, com a mobilização de vizinhos e amigos, mantêm a festa de Momo em regiões periféricas da capital. Enquanto o poder público e alguns blocos da Região Centro-Sul, onde estão 60% dos cortejos, passaram a defender recentemente a bandeira da descentralização, agremiações de áreas como o Morro das Pedras, Conjunto Felicidade, Aglomerado da Serra e Vila Senhor dos Passos estão nessa luta há alguns anos.
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Mapa dos blocos do carnaval de BH 2020: datas, horários e locais da foliaVencedores do concurso Mestre Jonas fazem política rimar com risoBlocos de carnaval de BH se mobilizam contra apreensão de carros de som pela PMAcessos à Vargem das Flores serão bloqueados no carnavalDisputa por instrumento de arte marcial termina em morte na Praça Sete; veja vídeo“Desde o início, foi um ‘junta’ para conseguir nossos primeiros instrumentos. Aos poucos, conseguimos alguns, que foram cedidos. Além disso, realizamos uma série de ações para abrir o caminho na comunidade não só na capacitação musical”, explica Gabriel Moura, organizador e coordenador do Orisamba, que desfila na sexta-feira (21), pelo sétimo ano seguido.
Mapa dos blocos de carnaval de rua de BH 2020
Cerca de 800 pessoas acompanharam o bloco pelas vielas da Vila Senhor dos Passos, no ano passado. Para Gabriel, mais do que atrair novos foliões, o objetivo principal do Orisamba é integrar a comunidade e fortalecer os laços por meio de ações efetivas que ocorrem ao longo do ano. “Ensinamos, por exemplo, a entender o que é a música de comunidade. A gente faz esse trabalho aos sábados, duas vezes por mês, investindo na transformação social e nas pessoas. Nosso trabalho faz dois movimentos: um para dentro, outro para fora, que nem um coração”, comenta. O bloco conta com uma bateria composta por 75 pessoas, entre jovens da região e integrantes do terreiro de umbanda onde surgiu.
"Nós por nós, da favela para a favela"
Outro bloco criado por moradores da periferia de BH para atender às demandas da comunidade é o Arrasta Bloco de Favela, que desfila pelo terceiro ano na Vila Antena, no Aglomerado Morro das Pedras, Região Oeste da cidade. Quem vive por lá, prefere trocar os blocos dos bairros como o Gutierrez, Santa Lúcia e Cidade Jardim pelo carnaval da vila.
“A comunidade se sente muito mais fortificada em ter o carnaval dentro dela, tanto que o público vem aumentando. A gente conta com a presença dos moradores dentro do bloco. Isso é importante, porque somos nós por nós, da favela para a favela. Antes, as pessoas desciam para curtir os blocos centralizados. Agora, a gente consegue articular para que seja tudo aqui dentro da quebrada”, comenta Pabline Santana, organizadora do Arrasta.
O lema do bloco este ano será o funk mineiro de artistas como MC L da Vinte e MC Delano, além de apresentação autoral de um de seus integrantes. O Arrasta desfilará na terça-feira de carnaval (25). A escolha do tema veio como forma de protesto a uma ação da Polícia Militar que, segundo os integrantes, encerrou o cortejo do bloco antes do término do horário em 2019.
Mesmo sem trio elétrico – o bloco desfila com uma kombi –, o Arrasta promete animar os foliões com o gênero musical que, assim como o bloco, tem como berço a favela. “Desde o primeiro ano a gente sempre teve problema com a Polícia Militar e, no ano passado, a gente teve problema com os funks. Os policiais queriam que tirássemos a música, alegando que o funk não é de carnaval, mas o funk é de carnaval sim. Tem blocos que desfilam no Centro e tocam funk, mas o preconceito está relacionado com o lugar do funk dentro da comunidade. A gente tenta quebrar essas barreiras”, afirma Pabline.
O Bloco Infantil Unidos do Felicidade, no Jardim Guanabara, Região Norte de BH, garante a festa de rua das crianças com aparelho de som emprestado por uma instituição sem fins lucrativos. A intenção é levar o carnaval para a comunidade apelidada de Mabel pelos moradores. “Quando criamos o bloco, nossa intenção era propor um momento de alegria e cultura popular para as crianças que atendemos e suas famílias e estender essa proposta a crianças de toda a comunidade que tem poucas, ou nenhuma opção, voltadas para elas”, explica Vanessa Soares responsável pelo bloco, criado em 2018. O desfile deste ano será na sexta-feira, dia 21.
Dúvidas sobre edital de financiamento
Na disputa entre os mais de 450 blocos pelo patrocínio da Belotour, que só contempla um quinto deles, teoricamente as agremiações periféricas saem na frente. O edital de financiamento da PBH pontua melhor blocos que trabalham com a descentralização dos desfiles, com o desenvolvimento de ações de cidadania, respeito às diversidades e com o diálogo com a comunidade, por exemplo.No entanto, alguns blocos, como o Orisamba, dizem que o documento não considera as características desses grupos. A dificuldade de acesso a informações para cumprir as exigências do edital, de 56 páginas e alguns adendos, é apontada como um entrave para conseguir os recursos públicos. “O que encanta o pessoal é o som e as cores. Quando a gente não consegue com a prefeitura, a gente tem de correr com as próprias pernas. O que nós queremos é que os blocos da periferia tenham recursos para serem uma potência igual aos do Centro”, comenta Gabriel.
Para ele, blocos periféricos, além de tudo, combatem o estigma da comunidade e cumprem uma função social que deveria ser mais incentivada. “A periferia produz muita cultura, arte, progresso, criatividade e acolhimento. A comunidade é extremamente ativa e o bloco só existe por causa dela. Sabemos que são nessas ações que os músicos, poetas e escritores da comunidade mostram a arte e os seus talentos são descobertos. Os blocos da periferia têm seus próprios protagonistas”, afirma.
O valor recebido por cada bloco varia de R$ 3,5 mil a R$ 12 mil, dependendo da categoria inscrita no edital. Contemplado na categoria A, o bloco Arrasta recebeu R$ 12 mil para arcar com custos de desfile. No entanto, Pabline Santana, organizadora do bloco do Morro das Pedras, concorda com a opinião de Gabriel.
“Acho que os blocos mais antigos e de maior visibilidade ganham um maior apoio, porque o edital que a prefeitura faz é muito complicado de responder. É aquele tanto de pergunta e nem todo bloco de favela consegue se organizar para ter dois ou três representantes por conta de fazer o edital e nisso os blocos acabam perdendo ponto. Este ano, o edital veio muito mais difícil, pedindo portfólio e a nossa pontuação baixou. Então, de uma forma ou de outra, a galera que não é da periferia e tem acesso a informação consegue receber o auxílio com mais facilidade.”
“Acho que os blocos mais antigos e de maior visibilidade ganham um maior apoio, porque o edital que a prefeitura faz é muito complicado de responder. É aquele tanto de pergunta e nem todo bloco de favela consegue se organizar para ter dois ou três representantes por conta de fazer o edital e nisso os blocos acabam perdendo ponto. Este ano, o edital veio muito mais difícil, pedindo portfólio e a nossa pontuação baixou. Então, de uma forma ou de outra, a galera que não é da periferia e tem acesso a informação consegue receber o auxílio com mais facilidade.”
* Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho