Carnaval de Belo Horizonte foi parar na Justiça. De um lado, autoridades de segurança do Estado, que alegam problemas nos trios elétricos. De outro, os blocos de rua, que atestam terem seguido à risca as determinações dos órgãos municipais, Belotur e BHTrans. A advogada que representa blocos da capital Laura Diniz Mesquita entrou com pedido de liminar para garantir o cortejo frente a determinação do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran). Na tarde de ontem, os blocos fizeram protesto diante do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
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São mais de 450 blocos na cidade e muitos deles costumam alugar os mesmos trios elétricos, o que significa que a proibição pode ter um impacto grande. Advogada Laura Diniz Mesquita afirma que é impossível regularizar a tempo e que os blocos atenderam às solicitações sobre segurança determinadas pela prefeitura, sendo que a maior parte foi aprovada pelos bombeiros. Alô Abacaxi, Juventude Bronzeada, Pisa na Fulô, Garotas Solteiras, entre outros, podem ter dificuldade para sair.
O tenente-coronel Alisson de Lima, comandante do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, afirmou que, se os blocos saírem sem cumprir as exigências, a polícia “não será omissa”. Segundo as autoridades, os problemas vão desde falta de licenciamento do veículo ao não cumprimento da legislação federal que regulamenta a circulação de trios elétricos. De acordo com as autoridades, muitos veículos prestam outros tipos de serviço durante o ano e devem agora participar do carnaval.
“As exigências são preconizadas pela legislação e os órgãos de segurança pública, que atuam de forma integrada, foram amparados pela lei”, disse o superintendente de integração da Secretaria de Justiça e Segurança Pública, Leandro Almeida. O diretor completou: "Não estamos aqui para impedir o carnaval, mas para trazer segurança."A legislação de 2008, com resolução de 2018 atualizando, explica todo fluxo de adaptação dos veículos e transformação em trios elétricos.
O tenente-coronel Alisson de Lima, comandante do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, apresentou fotos de trios elétricos que estavam, no fim de semana, com geradores próximos a tanques de combustível. Ele não informou a quais blocos o trio irregular atendeu. Quando questionado sobre como os blocos foram orientados pelos órgãos municipais e estaduais, afirmou que “a responsabilidade é das empresas de verificar a documentação”.
As reuniões entre blocos, Corpo de Bombeiros, Belotur e outras entidades estão sendo realizadas desde setembro. O Corpo de Bombeiros afirmou que mais de 90% dos blocos estão regularizados. "São 416 blocos cadastrados e autorizados", informou o tenente-coronel Peron Batista da Silva Laignier.
Durante coletiva, o militar, que comanda o Batalhão de Carnaval, confirmou que as conversas estão sendo realizadas desde o ano passado – foram 486 reuniões com os blocos carnavalescos. Ele disse que os bombeiros avaliam se os grupos têm extintores, isolamento, grades de proteção e que não dispunha da informação se o bloco, apontado com irregularidade pelo Batalhão de Trânsito da PM, teria sido vistoriado pelos bombeiros.
O comandante garantiu que os bombeiros farão vistoria em todos os blocos. “Se detectarmos uma possível irregularidade em questão do trio, acionamos a polícia ou a Guarda Municipal para que possam adotar as medidas competentes a cada órgão. A questão do bombeiro analisa a prevenção contra incêndio e pânico. Se detectarmos alguma medida, vamos fazer a interdição em caso de risco iminente e, se for questão de documentação, acionar a polícia”, disse.
'BUROCRACIA' A determinação do Detran, porém, caiu como uma bomba entre os blocos da cidade. Um áudio circulou no Whatsapp em que se afirmava que a medida coloca em risco o desfile de grande parte deles. Os blocos alegam que atenderam todas as determinações apresentadas pelos Bombeiros e a Belotur e que as exigências do Detran são de ordem burocrática.
São cinco etapas a serem seguidas: obter certificado de adequação junto a uma empresa credenciada no Denatran, fazer a expedição de uma guia no Detran para ser paga, procurar empresa certificada pelo Inmetro e posteriormente retorna ao Detran para vistoria e emissão de documento. A Polícia Civil abriu um canal para atender os blocos (0800 28301190) por 24 horas.
A advogada Laura Diniz afirmou que os blocos não terão tempo hábil para se adequar às exigências do Detran. "O primeiro prazo já é amanhã (hoje). É impossível", afirmou. "De fato, existe um requisito formal que não foi cumprido. Porém, esses requisitos nunca foram exigidos", disse. Ela defende que a decisão de liberação dos blocos leve em conta princípios de razoabilidade, segurança jurídica. "A administração pública não pode fazer exigências ao cidadão sem aviso-prévio", pondera.
No início da noite de quarta-feira (19), Laura contou que havia feito contato com o juiz responsável pelo caso por volta das 17h para discutir o pedido. O Judiciário tem 48 horas para definir se acata ou não a liminar, segundo a advogada.
No início da noite de quarta-feira (19), Laura contou que havia feito contato com o juiz responsável pelo caso por volta das 17h para discutir o pedido. O Judiciário tem 48 horas para definir se acata ou não a liminar, segundo a advogada.
A reportagem entrou em contato com a Belotur para saber sobre a extensão da determinação da Detran, mas o´órgão não se manifestou sobre o tema.
Surpresa e indignação
Depois de entrevista coletiva concedida pelas autoridades de segurança pública do estado, 66 blocos de rua de Belo Horizonte emitiram uma nota em que se mostram indignados com as exigências do governo de Minas. Os blocos pontuam que o carnaval está em risco. "Arbitrariedade do governo do estado impede carnaval de BH", diz a nota. Para os blocos, as exigências apresentadas pelo Batalhão de Trânsito da Polícia Militar e pelo Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) são meramente formais e administrativas: a alteração da categoria nos documentos dos veículos para trio elétrico.
O documento pontua que "o carnaval de Belo Horizonte, nos moldes que se popularizou na última década, é uma construção popular que enfrenta resistências todos os anos". A nota retoma as discordâncias com o ex-prefeito Márcio Lacerda. "Nos tempos da prefeitura de Lacerda, tinha até ameaça de multa pra bar que abrisse onde ia passar bloco!"
Confira os blocos representados em pedido de liminar
- Juventude Bronzeada
- Daquele Jeito
- Tchanzinho Zona Norte
- Unidos do Samba Queixinho
- A Roda
- Alô, Abacaxi
- Seu Vizinho
- Haja Amor
- Truck do Desejo
- É o Amô
- Alcova Libertina
- Magnólia
- Garotas Solteiras
- Pisa na Fulô
- Lavô, Tá Novo
Os blocos afirmam ainda que a festa foi abraçada pela administração municipal. "Ano após ano, a prefeitura entendeu o potencial lucrativo da festa e a abraçou, sendo quem mais ganha dinheiro com a folia". Reafirmam que atendem a todas as obrigações e que fazer carnaval ficou mais oneroso. "Os blocos lidam com cada vez mais obrigações, que vêm também com mais custos. A arrecadação da maioria não cresce junto com o aumento dos foliões, o que significa cada vez mais dificuldades para colocar o bloco na rua", dizem.
Os blocos se dizem surpresos com as exigências feitas a uma semana do carnaval, "já durante o período carnavalesco oficial da cidade". "Nesse período, diariamente temos blocos na rua, e ainda não tivemos uma resposta sobre essa situação", escreveram. Afirmam ainda que estão em dia com "tudo que foi solicitado pela Belotur". "A PMMG mantém sua postura de impedir desfiles devido a uma burocracia que até então não era de conhecimento dos blocos, que não têm dinheiro para contratar outros carros em cima da hora", escrevem.
Os grupos dizem que para realizar a alteração de categoria é exigido um laudo de segurança. Segundo eles, é o mesmo exigido para a emissão da Autorização para Tráfego de Veículos (ATVE). "Os procedimentos e requisitos de alteração de categoria junto ao Detran e para admissão da ATVE são os mesmos. O que falta, é a exigência da PM, é apenas a alteração no documento do carro. Mera formalidade".
As agremiações temem que o carnaval não aconteça. "A poucos dias da folia, o cenário é de desespero. Nosso trabalho de um ano pode ser jogado fora. Centenas de trabalhadores ambulantes terão sua possibilidade de trabalho prejudicada. Alguns blocos que recebem patrocínio precisarão rescindir contratos e ficar no vermelho. Os que sobrarem ficarão tão lotados, que a estrutura certamente não comportará", escrevem.
Para finalizar, os blocos pedem apoio à população "para pressionar o governo de Minas e o prefeito Kalil para tentarmos salvar nosso carnaval!”. Mas já adiantando um pedido de desculpas pelo provável cancelamento de nossos cortejos.