Jornal Estado de Minas

Impasse atravessa o som dos blocos

Matheus Muratori e Pedro Lovisi*
Representantes de blocos com os advogados Paulo Martins e Laura Diniz (D) tentaram negociar com a autoridade de trânsito (foto: paulo filgueiras/EM/D.A Press)

Com 15 dos 30 trios elétricos longe da regularização, o carnaval de Belo Horizonte segue ameaçado e, às vésperas dos desfiles, blocos de ruas começam a pensar em um plano B, havendo entre eles até quem já tenha anunciado o cancelamento do desfile. Em reunião entre carnavalescos, representantes das forças de segurança pública e do governo de Minas, na tarde de ontem, na Cidade Administrativa, o impasse persistiu. Metade dos carros de som disponíveis na capital mineira segue barrada pelo Departamento de Trânsito (Detran/MG). Advogados dos blocos prometem entrar hoje com uma segunda ação na Justiça, ao mesmo tempo em que seus representantes tentarão mais um acordo com o Detran. Apesar da insistência, um dos maiores blocos de BH, o Juventude Bronzeada, anunciou o cancelamento do cortejo neste ano. Outros seguem indefinidos.



Enquanto os carnavalescos defendem que apresentaram os documentos exigidos pela Prefeitura de Belo Horizonte, policiais e diretores do Detran consideram que os trios estão irregulares para prestar o serviço, alegando problemas de segurança. Em entrevista depois da reunião de ontem na sede do governo de Minas, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Giovanne Gomes, afirmou que os trios permanecem irregulares e que cabe à corporação assegurar a segurança dos foliões e evitar acidentes.
 
“A Polícia Militar não quer, em momento algum, inviabilizar o carnaval; inclusive, estou investindo R$ 14 milhões para trazer policiais de outras cidades para Belo Horizonte. Mas tem que ser um carnaval sustentável, na tutela do maior patrimônio que nós temos, que é a vida. Quando se trata de vida, não pode haver flexibilização”, defendeu.
 
O comandante-geral relembrou dois acidentes que ocorreram em carnavais passados. “Imagina você sair com um bloco de 30 mil pessoas e achar que está seguro com a PM e lá ter um caminhão que pode provocar acidentes, como em Bandeira do Sul, com 16 mortes e 261 pessoas feridas com sequelas eternas, ou Sabará, que foi recente, com 16 pessoas feridas, todos os acidentes envolvendo carro de som.”


 
O acidente de Bandeira do Sul ocorreu em 2011, quando 16 pessoas morreram após um curto-circuito na rede elétrica durante um show de pré-carnaval. Já em 2008, em Sabará, uma menina de 6 anos e uma adolescente de 16 morreram ao ser atropeladas por um trio elétrico. Outras 12 pessoas também foram atingidas pelo veículo.
 
Ao fim da reunião, o comandante-geral foi questionado a respeito da segurança do carnaval do ano passado, uma vez que, segundo os representantes dos blocos, as adaptações feitas neste ano são as mesmas realizadas em 2019. Inclusive, um dos caminhões barrados também foi usado no carnaval passado. “Ano passado, não chegou ao meu conhecimento nenhum caso concreto como o registrado este ano. Como chegou, tomamos as providências, se tivessem chegado a mim no ano passado, a postura teria sido a mesma”, respondeu.

força-tarefa no Detran  Na reunião na tarde de ontem, ficou estabelecido que o Detran fará uma força-tarefa e estenderá seu horário de funcionamento para atender os representantes de blocos de rua que queiram tentar regularizar os veículos. No entanto, há risco de a medida não resolver o problema, uma vez que a liberação depende de documentos emitidos por outras duas empresas privadas licenciadas pelo Detran. Um dos empecilhos é que os carros têm somente a Autorização de Tráfego para Veículos Especiais (ATVE), concedida pela Empresa de Transportes e Trânsito de BH (BHTrans). No caso, o Detran exige outro documento destes veículos: um Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) específico para a função de carro de som a automóveis adaptados.


 
Como muitos dos potenciais trios funcionam em outras atividades fora da época de carnaval, representantes de blocos que desejam usá-los nos cortejos devem procurar o Detran, que o encaminha a uma empresa que dá ao veículo um certificado de adequação para modificação e transformação. Após isso, o representante do bloco ou dono do veículo deve retornar ao Detran, que dá uma autorização para o responsável ir a uma empresa de inspeção, que fiscaliza se as transformações feitas são adequadas. Por fim, depois de todo o processo, o Detran emite o documento de regularização do trio elétrico. “Se o veículo não estiver com a documentação correta o Detran não vai liberar”, reforçou o diretor do departamento, Kleverson Rezende.
 
Caso os blocos ignorem a exigência de regularização, a Polícia Militar garante que o veículo será retido e rebocado 30 minutos antes de os blocos saírem, momento em que a corporação realiza a fiscalização dos carros de som.

EM BUSCA DE OUTRAS VIAS

Advogada que representa blocos de rua de Belo Horizonte, Laura Diniz Mesquita anunciou que entrará pela segunda vez com uma ação judicial pedindo a liberação dos trios para desfilar no carnaval 2020. Na manhã de ontem, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais indeferiu o pedido feito por ela própria, um dia antes, ao entender que é preciso uma alteração no documento do veículo. Desta vez, a advogada prepara outro argumento jurídico, que não quis antecipar.


 
Caso a liminar seja novamente negada, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG) anunciaram a possibilidade de emprestar carros de som das entidades para que blocos possam desfilar. Até a noite de ontem, 10 blocos teriam manifestado interesse no empréstimo. Uma reunião está agendada para hoje, às 9h30, para discutir o assunto.

*Estagiário sob supervisão do editor Roney Garcia

Peregrinação sem sucesso

Márcia Maria Cruz

Aliados ao fenômeno dos blocos carnavalescos, que se disseminou por Belo Horizonte, os caminhões adaptados permitiram a descentralização do carnaval na cidade. Mas, com a determinação do Detran-MG e do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, baseado em legislação federal de 2018, os grupos podem não ter carros de som suficientes para a folia. A preocupação estampava as feições de representantes de blocos que estiveram na manhã de ontem no Detran, onde começou a peregrinação para tentar superar o impasse, que se estenderia mais tarde à Cidade Administrativa do governo do estado e à busca de outras alternativas para garantir a festa.
 
Os grupos estimam que a metade dos blocos com sonorização usa veículos de montagem temporária. A esperança dos blocos era que a Justiça deferisse pedido de liminar proposto na quarta-feira, mas na manhã de ontem ele foi indeferido. Os blocos entraram então em uma corrida contra o tempo para conseguir alugar trios elétricos que atendessem à legislação federal. Alguns alugaram às pressas trio elétrico que vem de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.


 
A produtora do Magnólia, Joyce Cordeiro Silva, disse que o bloco tentava um plano alternativo para o cortejo na terça-feira de carnaval. “Estamos tentando traçar plano B, mas como é um bloco que é de instrumentos de sopro, precisamos muito do carro de som. De qualquer forma, a gente precisa resistir e vamos tentar sair mesmo sem microfonar. Difícil é fazer com que a música chegue a todos os foliões que acompanham o Magnólia”, disse.
 
O bloco prepara seu sétimo cortejo. “A gente começou com um carro menor, mas com aumento do carnaval de BH foi necessário nos adaptar a esse crescimento. A gente já usa esse carro há muitos anos e nunca tivemos problemas”, afirma. Ela lembra que Belo Horizonte é o segundo destino mais procurado pelos foliões. “O sentimento que a gente tem é de boicote”, criticou.
 
O bloco Garotas Solteiras é um dos que têm o desfile ameaçado. O produtor e integrante da ala de coreografia Matheus Ribeiro Brizola disse que o bloco buscava ontem um novo trio. “A gente é um bloco que depende muito do carro de som. Para fazer nosso trajeto, temos que ter carro de som que projete a voz dos cantores e da bateria para todo o público”, diz. O bloco faz o cortejo na Avenida Brasil. "É um trajeto que não comporta trio maior. Estamos apreensivos para conseguir resolver, organizar tudo e fazer as alterações necessárias. A vontade é colocar o bloco na rua na segunda-feira, à tarde.”



EXIGÊNCIAS Autoridades de segurança do estado dizem que os problemas com os trios elétricos vão desde falta de licenciamento do veículo ao não cumprimento da legislação federal que regula a circulação de trios elétricos.
A advogada Laura Diniz Mesquita, que representa blocos de BH, afirmou que os trios elétricos estão seguros. “Têm laudo de segurança, inclusive confeccionados por empresas credenciadas pelo Detran. Não há que se falar em falta de segurança desses caminhões. Os veículos cumprem todos os requisitos de segurança, assinados por engenheiros eletricistas, mecânicos. Foram vistoriados pelo Corpo de Bombeiros. Não há que se falar de ausência de segurança", reforçou.

LIMINAR O Fórum Lafayete informou, por meio de nota, que o juiz Mateus Bicalho de Melo Chavinho considerou legal a autuação e posterior apreensão de carros acústicos da empresa Emer-Som, que teve dois caminhões apreendidos e mantém contrato com 15 blocos carnavalescos da capital mineira. Para o magistrado, a prestadora de serviços viola o Inciso 2 do Artigo 230 do Código de Transito Brasileiro, que proíbe o transporte de passageiros em compartimentos de carga.
 
O juiz observou ainda que as adaptações realizadas carrocerias dos caminhões para atendimento do carnaval devem constar no Certificado de Registro e Licenciamento dos veículos. No fim de semana passado, o Batalhão de Trânsito identificou irregularidades no trio elétrico, como a proximidade de tanque de combustível e gerador, situação que foi considerada de alto risco pelas autoridades de segurança do estado. O veículo foi apreendido e levado para o pátio do Detran.