Jornal Estado de Minas

Carnaval 2020

Carnaval de BH: ambulantes e artesãos buscam cifrões em meio à folia

Caroline Oliveira sua para vender bebidas: dinheiro para a educação dos filhos (foto: Sidney Lopes/EM/D.A Press)
 

Para eles, a festa é trabalhar, garantir a alegria de todos, e, é claro, faturar. Quanto mais melhor. Mas pra isso, têm que suar e lá se vai a própria folia. Nada de participar de desfiles ou ao menos assistir aos cortejos. A hora é de garantir o sustento e complementar a renda. Bebidas, fantasias de última hora, viseiras, tudo para agradar o folião. Muito suor, cerveja para todos e bom humor para não desafinar.


No meio dos milhões de foliões que curtem os blocos, cerca de 15 mil ambulantes se credenciaram via Belotur para trabalhar no carnaval. Há ainda cerca de 1 mil artesãos, que não precisaram de licença para trabalho, já que lei municipal de 2012 libera sua atuação nos eventos públicos e privados e nas ruas da capital.

O casal Rodrigo Queiroga, de 41 anos, e Alexandra Carvalho, de 39, já trabalha com artesanato há 20 anos. Proprietários de uma loja na feira da Savassi, os dois aproveitam o carnaval para incrementar os ganhos. Eles mesmos produzem brincos de paetê vendidos ao público por R$ 15 o par, e viseiras femininas, a R$ 25 cada uma, ambos tendências do carnaval belo-horizontino, com multiplicação em grande escala dos artesãos que os produzem.

 

“Já trabalhamos com fantasias de carnaval há algum tempo e, como sobraram essas mercadorias, apostamos em vendê-las no carnaval. Vimos pelo Instagram que os brincos estão muito na moda. Imaginamos que, na terça-feira (amanhã), arrecadaremos um bom dinheiro”, confia Alexandra, que prometia andar de bloco em bloco na região central para ampliar as vendas.


Disposto a economizar quanto puder, Lucas Pimenta (E) carregou cooler improvisado de Ribeirão das Neves ao Centro-Sul de BH (foto: Sidney Lopes/EM/D.A Press)

A também artesã Priscila dos Santos, de 28, investiu na venda dos tradicionais arquinhos femininos, mas não estava satisfeita com o movimento. Ela começou a trabalhar no bloco Chama o Síndico,  mas depois ia investir no Alô Abacaxi, também com trajeto na área central. “Achei que o fluxo de venda seria melhor. Mas há muitos ambulantes e lojas abertas. No domingo, normalmente as lojas não abrem, mas hoje estão cheias.”

Vinícius e Laura investem na Ousadia, sensação alcoólica do carnaval (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

Proprietária de uma loja de eletrônicos em BH, a comerciante Caroline Oliveira, de 32, espera arrecadar mais no carnaval para investir na educação dos filhos. Pela primeira vez, ela optou por investir na compra de bebidas e refrigerantes para vender nos blocos. Segundo ela, o objetivo é embolsar pelo menos R$ 1 mil por dia líquidos. “Concorrência tem em todo lugar. Já trabalho no comércio há algum tempo e conheço bem as dificuldades. E o maior problema é aquele vendedor que joga os preços muito para baixo para acabar rápido com a mercadoria. Isso atrapalha os demais”.

Este ano, mais um empecilho para driblar: a bebida carregada em coolers pelos próprios foliões para abastecer a galera. “Eles compram cervejas e refrigerantes por atacado com preço bem abaixo do que vendemos. Então, nosso lucro fica menor”. Já a artesã Dani Moreira apostou no bloco Pena de Pavão para faturar com a venda de tiaras. No sábado, ela esteve no bloco Divina Banda e passou todo o dia em Santa Tereza, para onde voltou ontem à tarde, durante a apresentação do Românticos são Loucos.


FOLIÕES ECONÔMICOS

Se tem gente querendo trabalhar, não falta folião no outro lado da corda tentando gastar menos. Na companhia de cinco amigos, a comerciante Letícia Reis, de 21 anos, veio de Contagem com um cooler com refrigerantes, vodka e cervejas para não ter economizar. “Se fôssemos comprar tudo diretamente da mão de vendedores, gastaríamos uns R$ 250. Mas tudo o que compramos ficou um pouco mais de R$ 100. Essa economia é importante. A gente se diverte e protege o bolso”.

Igor Duarte, de 22, fez o mesmo. Morador de Divinópolis, ele está hospedado na Rua São Paulo, no Bairro Lourdes, Região Centro-Sul da capital mineira. "Para onde eu for, levo esse cooler", contou o folião, calculando um economia de R$ 100.

Willian Lima escolheu o sabor limão para 'degustar' a bebida da moda (foto: Sidney Lopes/EM/D.A Press)

Nem a distância impediu Lucas Pimenta, de 18,  de tentar economizar. Morador de Ribeirão das Neves, ele chegou de ônibus a Belo Horizonte segurando um cooler e um carrinho de compras típico de feiras e sacolões. Junto com o amigo Cleiton, de 38,  também de Betim, ele acredita ter economizado mais de R$ 200. "Pegamos um objeto de cada amigo e montamos esse cooler. Aqui,a cerveja é quase R$ 8 e nós compramos por R$ 2,70."


COM SABOR DE OUSADIA


O líquido toca a língua e o gosto de “suco de pozinho” é logo sentido pelo folião. Então, ele passa pela garganta e a sensação, agora, é de que há algo queimando por dentro, como se fosse um gole forte de vodca. A ação é repetida mais algumas vezes e, aí, a bebida finalmente ativa. Depois disso, é melhor perguntar a seu amigo o que acontece….

A bebida em questão é a Ousadia, nova sensação do carnaval de Belo Horizonte, que é produzida pela Arbor Brasil, mesma fabricante da catuaba Selvagem, que já foi estrela na cidade . De várias cores – verde, amarelo, laranja e vermelho – e poucos sabores, o drink caiu no gosto dos foliões este ano. E é bom avisar que o verbo tem dois sentidos: é beber e cair. Com meio litro de muita cor e 13,5% de muito álcool, a bebida é sempre vista na mão dos foliões.

Aissa Mac, estagiária (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

“Fico arrepiada quando bebo esse tipo de coisa. Parece álcool com corante”, diz uma jovem que já teve a ousadia em experimentar a novidade e prefere manter distância da garrafa. Por outro lado, há quem tenha aderido à nova sensação e comprovado que a moda, durante o carnaval, também passa pela garganta. Segurando uma ousadia verde, “sabor limão”, Willian Lima, de 23 anos, não mostra nenhuma dúvida ao falar sobre a bebida: “É mil vezes melhor do que corote de limão”, afirma ao comparar com a bebida que mais fez sucesso na folia do ano passado.


SUCESSO


Ao curtir o cortejo do Angola Janga, na Praça Sete, com uma blusa verde estampada com a frase “Cruz Quero”, João Victor, de 23, celebra a nova bebida. “É melhor que corote, porque além de embriagar, nos dá ousadia”, diz o não tão sóbrio folião.

Priscila dos Santos esbarrou em lojas abertas na concorrência com seus arquinhos (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

Quem comemora também o sucesso da bebida são os ambulantes, que com a grande procura, chegam a vender o álcool por R$ 10.  “Essa playboyzada gosta, então a gente vende”, explica Vinícius, de 18 anos, que vende Ousadia em um pequeno cooler, junto com sua namorada Laura Araújo.

“A gente fala que é gostoso, mas nem sabemos o gosto”, confessa outra ambulante, Ivone das Graças, de 43. Ela conta que, atualmente, a bebida é a mais vendida. Desde sexta, quando o carnaval começou, Ivone já vendeu 6 caixas de 15 garrafas. “Ousadia é o que mais vende, o Corote – que brilhou no ano passado – já está saindo de moda”.  O preço, segundo ela varia, de R$ 5 a R$ 10, dependendo da região por onde passa o bloco.




Além do Ousadia, outra bebida que atrai os foliões é a Skol Beats GT (com Gin Tônica). A Lata de 269 ml chega a superar os R$ 10, sendo encontrada, mesmo na Região Central de Belo Horizonte, onde os preços costumam ser menores, por R$ 12.

Ao mesmo, apesar de todas as inovações, os ambulantes confirmam: a boa e velha cerveja segue sendo a mais procurada. Custando, em média, R$ 6, os latões de Skol, Brahma e Budweiser são vendidos por praticamente todos os ambulantes da capital mineira. “A Brahma continua imbatível”, explica Guilherme dos Santos, ambulante que vendia vários tipos de bebida na Praça Sete, na tarde de ontem.

 

E o nosso bloco, uai!

Estreia nos bastidores


Nascida em fevereiro, foliã de carteirinha e apaixonada pelo carnaval. Antes mesmo de trabalhar no Estado de Minas eu já havia dado as caras nas páginas do caderno de cultura, justamente por causa da festa de Momo. 'Alegria compartilhada: carnaval é usado muitas vezes como pretexto para a reunião de amigos de longa data', dizia o texto. Mas não em 2020. Neste carnaval, me separei dos amigos de folia e comemorei meu aniversario a trabalho, no desfile do Tchanzinho Zona Norte. Quando me perguntaram se eu gostaria de participar da cobertura da festa, na mesma hora abri um sorrizão e concordei sem pestanejar. Na cabeça o pensamento: 'de carnaval eu entendo'. Mas, que nada! Muito além das fantasias e da empolgação de foliã, durante minha primeira cobertura do carnaval descobri que a festa mais democrática do mundo era também protesto, arte e principalmente resistência. Foram quase 30 dias acompanhando cada detalhe da folia, os problemas com a chuva, as dificuldades financeiras dos blocos, os preparativos, os impasses com os trios, que permaneceram até o último momento. Brinquei com os colegas da Redação: 'Vocês querem carnaval com ou sem emoção?'. E bota emoção nessa cobertura.”