"Todo mundo andando a pé." O verso da música que abriu o cortejo do Pena de Pavão de Krishna (PPK) neste domingo deu a cara do desfile deste ano, em que o trio elétrico foi abandonado. Com os impasses envolvendo o Detran-MG, o bloco retornou às origens, no pedal da bike, mas nenhum folião reclamou. O "tuk-tuk elétrico", que levou o gerador para garantir o som, passou por vistoria do Corpo de Bombeiros e foi liberado em seguida. O veículo, muito comum na Índia, é uma alternativa que não precisa do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV), documento exigido pelo Detran-MG. "Estamos voltando às raízes, pois o primeiro desfile em 2013 foi assim (com a bicicleta)", conta Manuel Andrade, um dos produtores do bloco.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) ofereceu um trio elétrico ao bloco, mas, por solidariedade aos que não teriam mais alternativas para sair, o PPK preferiu ceder a oferta a esses blocos sem estrutura, como conta Krpalu Dasa, músico, ator e também produtor do Pena de Pavão. "Pelas mudanças a gente pode ter um menor público. É consenso dos blocos que participamos das reuniões com a segurança. A grande questão é que a própria PM não havia colocado impasse. Três dias antes do carnaval colocam dificuldade", reclama.
O tradicional café da manhã compartilhado do Pavão recebeu os foliões do bloco na Praça Guimarães Rosa, no Bairro Cidade Nova, Região Nordeste de BH. Abraços fraternais e pinturas faciais ao som do mantra Hare Krishna. O ritualístico cortejo de rostos azuis começou às 9h40 e seguiu em direção à Avenida Cristiano Machado e Rua Alberto Cintra. Moradores do bairro acompanharam o desfile, que ainda levou foliões azuis pela janela. Pela primeira vez, o bloco desfilou em área residencial. Segundo a organização do Pena, a escolha é o início de uma relação com a região. Em junho, o PPK dará as caras a um projeto cultural e ambiental em proteção de mananciais no local, chamado Água Gerais.
Enquanto a ala de dança se remexia na frente do bloco, Danielle Seles, de 37 anos, gritava: "Lindo, lindo, meu Pavão!". A confeiteira veio de São Paulo só para o cortejo. "Conheci em 2016 e me apaixonei. É o bloco mais lindo e colorido. Só paz e amor", disse. Este ano, ela trouxe o marido e outros familiares para prestigiar o desfile.
Assim como Danielle, outros foliões se apaixonaram pelo Pavão e suas particularidades. "Gosto deste bloco porque é diferente dos outros, que normalmente as músicas são pop. Aqui é mais axé, a gente pinta de azul, envolve pessoas de várias classes sociais", diz a pequena Ana Freitas, de 12, incentivada pela mãe, Flávia Freitas, de 47. "Há uns seis anos, encontramos esse bloco por acaso na Lagoinha. Ele entrou e nunca mais saiu da nossa vida", explica a publicitária.
E as crianças tiveram uma ala especial no bloco azul. Os irmãos Renato, de 2, e Beatriz, de 6, foram curtir a folia com os pais, Gustavo Machado, de 44, e Mila Lima, de 42. O casal preferiu abandonar a festa no Rio de Janeiro, onde mora, para conhecer o carnaval de BH. “Estamos na casa de uma amiga que nos indicou este bloco. O carnaval aqui é diferente, bem melhor. Estamos positivamente surpreendidos”, disse a servidora pública. No sábado, a família esteve no Bairro Santa Tereza e ainda não sabe quais os blocos dos próximos dias.
ENERGIA DO CHÃO
O consultor de sustentabilidade Rodrigo Wanderley, de 32, carrega a cara do Pena de Pavão. “É um momento de celebrar, encontrar os amigos e levar diversidade cultural, música e alegria”, disse. Rodrigo acredita que descer do trio deixa o bloco mais aconchegante. “Conectar com o território é muito importante para envolver a cidade e famílias nesse movimento”. Com a mesma energia, a flautista Cristiane Lacerda, de 23, acompanha o desfile do bloco há três anos. “É a forma que encontrei de estar no carnaval e celebrar a cultura hindu. Achei maravilhoso esse ano o propósito da terra”, ela diz, sobre a perda do trio elétrico.A família da pediatra Márcia de Oliveira Franca, de 44, acordou cedo para prestigiar o carnaval e elogiou a acessibilidade. “Vim com meu marido, meus filhos e minha sogra, que é cadeirante. Estou achando que fomos bem acolhidos, minha sogra até se emocionou. Ela nunca imaginava, nessa idade (72), acompanhar um bloco de carnaval”, conta, também elogiando a volta às origens. “Achei lindo ser no chão, o trio não fez diferença nenhuma. É a cara do bloco e todo mundo respeita. É um bloco da paz”, afirma.
Após imbróglio, multidão no Alô Abacaxi
O Alô Abacaxi agitou as ruas do Centro de Belo Horizonte na manhã deste domingo. O cortejo ocorreu após ter sido cancelado na sexta-feira (21), depois da decisão do governo de proibir a saída de trios sem o CRLV, documento exigido pelo Detran-MG. Uma multidão acompanhou o desfile e os foliões reclamaram do veto imposto pelas autoridades.
“É triste ver que em 2020 a gente sofre esse tipo de censura. Alguns blocos não puderam tocar funk, já outros blocos tiveram os carros apreendidos. A impressão que fica é de que temos um governo que é totalmente contra a diversidade e a felicidade do carnaval. É triste ver isso, mas a gente tem que resistir e existir, a gente tem que ir para a rua para mostrar que nós existimos”, disse Matheus Fraga, integrante do coletivo Mocreias Sedentas Por Amor.
O impasse na realização do desfile fez com que muitas pessoas alterassem seus roteiros de última hora para marcar presença no Alô Abacaxi. Este foi o caso de Rúbia Nascimento, que acompanhou o trio elétrico com seus amigos. “Nós tivemos que alterar o nosso roteiro de última hora. A gente está aqui porque gosta muito do bloco, mas vejo que se fosse um bloco menor, esse impasse na realização teria afetado bastante o público. A sorte do Alô Abacaxi é que é um bloco mais tradicional”, comentou Rúbia.
* Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro
Luta e resistência no Angola Janga
Foi com muito canto de luta, resistência e emancipação do povo negro, que o bloco Angola Janga lotou a Praça Sete de foliões na tarde de ontem. Apesar de problemas com o trio elétrico, inclusive durante o cortejo, o desfile foi marcado por alegria e coreografias de duas alas de dançarinos – uma atrás do trio e outra na frente. Com o lema “Ginga: Agbara na luta do povo”, o bloco deu destaque a músicas autorais, mas sem deixar de apresentar outras canções e axés que vibram a força do povo afro.
Entoando os versos “A cor dessa cidade sou eu, o canto dessa cidade é meu”, a multidão que acompanhava o cortejo foi ao delírio. O grupo reservou uma ala especial para crianças, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção. Completando dois anos como produtora do bloco, Ofélia Helária, de 61 anos, era só alegria: "Isso aqui é a valorização da cultura afro-brasileira", comemorou.
Se por um lado, a beleza do cortejo foi esplêndida, a calmaria não reinou. Logo no início, o Angola Janga reencontrou um problema que já vinha assombrando o cortejo de muitos blocos: o trio elétrico. O desfile foi interrompido no meio da Avenida Amazonas para vistoria do Corpo de Bombeiros. Sob vaias e gritos de “fora, Zema”, os militares exigiram mudanças. Após as alterações serem feitas, o bloco seguiu encantando com o seu desfile.
*Estagiário sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro
Microfone aberto do uai
Coro de desconhecidos
A Rua dos Tupinambás parou quando o folião anônimo chegou ao microfone e começou as primeiras frases de I want to break free. Poucos segundos depois, aproximadamente 10 desconhecidos se abraçavam e cantavam em coro o hit da banda Queen. Este é o poder do 'Tô no carnaval, Uai', projeto especial para a cobertura do Estado de Minas, que leva um microfone aberto para o meio da folia. Montamos nosso pedestal ao fim do Alô Abacaxi (mas alguns preferem chamar de Hello, pineapple) e comprovamos: dependendo do álcool, pode ser muito difícil pronunciar corretamente a palavra carmavau, carnizal, enfim, essa festa maravilhosa. Veja tudo em www.uai.com.br/carnaval.