Prevista para durar somente um dia, a higienização de tanque da Backer para retirada de resíduos de cerveja e produtos químicos não pôde ser concluída ontem e não há previsão de quando isso vai ocorrer. A etapa é a primeira de procedimento conduzido pela Polícia Civil nas dependências da fábrica, localizada no Bairro Olhos D'Água, para verificar se há rachadura, furo, trinca ou porosidade no tanque de cerveja que expliquem como a bebida foi contaminada por mono e dietilenoglicol, provocando a intoxicação de consumidores. O procedimento faz parte do inquérito que apura o caso, aberto em 9 de janeiro, e que completa hoje 50 dias. A maneira como o processo, iniciado na quinta-feira, vem sendo feito parece não agradar a cervejaria.
Entre quinta-feira e ontem, os investigadores se concentraram, principalmente, no esvaziamento do tanque 10 – a cerveja foi transferida para outro equipamento – um dos 70 da fábrica, e sua higienização. As medidas são uma preparação para que o equipamento possa, posteriormente, funcionar sem nenhum líquido dentro. O objetivo é verificar se haverá vazamento das substâncias monoetilenoglicol ou dietilenoglicol de sistema de refrigeração durante o processo.
A previsão dos investigadores era de que cada uma dessas duas etapas durasse apenas um dia, mas houve complicações durante a higienização do tanque e a fase não foi concluída ontem. Durante a manhã, a corporação, por meio de nota, chegou a informar que a limpeza do tanque já tinha sido realizada. “Hoje, os peritos devem colocar as máquinas para funcionar a fim de detectar a possível causa de contaminação das cervejas”, detalhou a instituição naquele momento.
Porém, em nota de esclarecimento divulgada no fim da tarde de ontem, a Polícia Civil disse que será necessário utilizar uma nova metodologia para a efetivação da limpeza. “Esvaziamos os tanques e realizamos uma primeira limpeza padrão, como se lá tivesse somente a cerveja, mas não foi suficiente para limpar. São necessárias produtos específicos para a retirada de mono e dietilenoglicol”, explicou o delegado Flávio Grossi, da 4ª Delegacia de Polícia Barreiro.
Ainda segundo os peritos, os tanques foram lacrados novamente ontem. De acordo com o delegado, a fornecedora dos tanques está auxiliando na elaboração de uma técnica que possibilite a retirada total de qualquer produto químico do equipamento a ser testado.
Segundo nota divulgada pela Backer, a Polícia Civil coletou duas amostras do líquido, para prova e contraprova. O material ainda será encaminhado a um laboratório de testes. Ainda conforme nota da cervejaria, só a partir do resultado é que o tanque poderá ser ligado vazio. “Caso o resultado seja negativo para os líquidos intoxicantes (monoetilenoglicol e dietilenoglicol), o tanque será liberado para a realização do teste de estanqueidade. Caso o resultado seja positivo, o processo de higienização será refeito”, pontuou a empresa.
Além de cobrar mais uma análise no líquido presente no tanque, na quinta-feira a Backer tentou impedir o início dos testes, alegando que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ainda “não definiu a melhor metodologia para análise quantitativa das amostras coletadas”. No entanto, por meio de nota enviada ao Estado de Minas, o Mapa, que também participa dos testes, não confirmou a afirmação da Backer.
Com o entrave no processo, ainda não se sabe se hoje a perícia da Polícia Civil vai ligar o tanque de número 10 (tanque escolhido entre os 70 da fábrica) ou se a etapa de lavagem do equipamento continuará. Os investigadores se limitaram a dizer que a PCMG retomará, nos próximos dias, a segunda fase da perícia.
Após a segunda fase, ainda há uma final: caso seja encontrada alguma rachadura, furo ou trinca no tanque, a perícia vai checar qual a quantidade de material vazada. A hipótese de contaminação por vazamento é uma das consideradas pela polícia, que não descarta, no entanto, que a mistura tenha ocorrido intencionalmente.
Conflito
No dia em que iniciaram essa nova fase nas investigações, os policiais já tinham encontrado resistência da Backer. A mudança de tom da empresa, que vinha colaborando com a investigação, ocorreu no mesmo dia em que o Estado de Minas revelou que a polícia investiga quem, dentro da fábrica, sabia da contaminação e se alguém assumiu o risco. Na ocasião, a cervejaria resistiu ao trabalho de inspeção porque considerou que o método para esvaziamento poderia levar à contaminação de outros tanques.
Ao explicar o caso, a Backer informou que, na quinta-feira, os policiais chegaram ao local por volta das 9h30, mas as análises só começaram a ser feitas após as 14h30. A empresa alegou que ainda não havia os “resultados dos testes quantitativos das amostras coletadas pelo Mapa, de modo a atestar a concentração de monoetilenoglicol e dietilenoglicol”.
Ao todo, a Polícia Civil investiga a intoxicação de 34 pessoas e a morte de seis. Dessas, foi constatada a presença de dietilenoglicol no sangue de uma e amostras das outras três ainda é analisada no laboratório do Instituto de Criminalística. Corpos de duas vítimas não foram necropsiados. Mais de 40 pessoas já prestaram depoimentos, entre vítimas, familiares e outras testemunhas. Os laudos dos exames realizados em amostras das cervejas entregues pelos familiares das vítimas estão em fase final de elaboração.
Ainda em janeiro, quando a presença das substâncias tóxicas em cervejas da Backer foi constatada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de qualquer produto da marca com data de fabricação igual ou posterior a agosto de 2019.
*Estagiário sob supervisão da subeditora Rachel Botelho