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'Certidão de Minas Gerais' é encontrada em Lisboa

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Uma descoberta no acervo da Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, mostra que Minas Gerais, estado com nome e sobrenome, tem também certidão de nascimento. Datado de 21 de fevereiro de 1720, o documento com a cor do tempo, caligrafia nobre e assinatura do rei dom João V (1690-1750) anuncia a decisão da Coroa Portuguesa de criar a Capitania de Minas – desde 1709, vigorava a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, em decorrência da Guerra dos Emboabas. Já em 2 de dezembro do mesmo ano, veio o “batismo”, por meio de um alvará especificando a delimitação do território, organização administrativa e questões jurídicas, afirma o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, que preside a comissão História de Minas do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), que organizou programação especial para as celebrações do tricentenário de Minas.



“Muitos dos documentos sobre nossa história, a exemplo da carta régia de dom João V e do alvará de 2 de dezembro de 1720, se encontram em arquivos, bibliotecas e outras instituições de Portugal”, conta Souza Miranda, pesquisador contumaz de documentos no país europeu e autor de livros com base nos estudos além-mar, entre eles O Aleijadinho Revelado: Estudos históricos sobre Antonio Francisco Lisboa e Jurisdição Dos Capitães – A história de Januario Garcia Leal, o Sete Orelhas e seu bando.

“Neste ano das comemorações, tais documentos são de suma importância para jogar mais luz sobre os fatos históricos. Estamos, inclusive, mergulhados nas pesquisas sobre outros episódios do século 18, como a Sedição de Vila Rica (1720), cujo expoente foi Felipe dos Santos, morto há 300 anos. Vale ressaltar que, na carta régia, o rei de Portugal ordenava maior defesa do porto de Santos (SP), com construção de uma fortaleza, para impedir o contrabando de ouro da região das minas para o exterior e barrar o contato da população daqui com a faixa litorânea”, explica Souza Miranda. Uma das conclusões do período é que Minas, fechada como um gigantesco cofre de tesouros minerais, ficou sem passagem para o mar e, assim, sem praia no seu território. “É pesquisando que vamos descobrir mais sobre nossa trajetória.”

Páginas de valor

Até o fim do ano, Minas terá uma programação extensa para celebrar os três séculos, e muitas dessas “descobertas” recentes já estão disponíveis ao público, destaca o integrante do IHGMG, Adalberto Andrade Mateus, que coordena, com a geógrafa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Márcia Maria Duarte dos Santos, a Comissão do Tricentenário de Minas pela instituição. “Esta é realmente uma ótima oportunidade para aprendermos mais e conhecermos documentos que estão distantes de nossos olhos. Por isso, teremos, na nossa sede, em BH, uma série de atividades, a exemplo de palestras, exposições, mesas redondas, seminários e painéis, com estudiosos do tema. A sede do IHGMG fica na Rua dos Guajajaras, 1.268, no Bairro Barro Preto, na Região Centro-Sul de BH.



Na programação, já estão definidos um seminário sobre a Inconfidência Mineira (1789), em abril; exposição sobre cartografia de Minas, em julho e agosto, no Museu das Minas e do Metal, na Praça da Liberdade, em BH; exposição sobre documentação dos primórdios das Gerais, no Museu Mineiro, também em julho e agosto; seminário sobre a Revolução Liberal de 1842, em agosto, em Santa Luzia, na Grande BH; seminário Genealogia sobre a Gente Mineira, em novembro, na capital. Para realização das atividades, o instituto formou parceria com o Centro de Referência em Cartografia História da UFMG, Arquivo Público Mineiro, vinculado à Superintendência de Museus, Bibliotecas e Arquivo Público e Equipamentos Culturais, Fundação Clóvis Salgado e outros.

Primeira vila, cidade, capital e diocese de Minas, Mariana, na Região Central, deu início, em 13 de fevereiro, às comemorações intituladas “Os 300 anos das Minas: as Gerais começaram aqui”, com palestra, na abertura, da professora especialista em história da arte colonial, Adalgisa Arantes Campos “O objetivo é resgatar nossa história, envolver a comunidade em programas de educação patrimonial e pôr em prática uma agenda de ações nas áreas educativa, cultural e social”, disse o secretário municipal de Cultura e Turismo, Efraim Rocha. “O maior pintor do período colonial, Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), nasceu em Mariana, e nem todos sabem que o julgamento de Felipe dos Santos ocorreu aqui”, acrescentou o secretário, destacando que a promoção é da prefeitura com organizações culturais locais.

Já em Caeté, antiga Vila Nova da Rainha (nome em homenagem a Maria Ana de Áustria, mulher de dom João V, que reinou em Portugal de 1706 a 1750), houve festa no dia 14, com a celebração dos 306 anos do município surgido antes de Minas se separar da Capitania de São Paulo, e entrega da Comenda dos Emboabas. A cidade saiu na frente, em setembro, com desfile, pelas ruas, de estudantes e autoridades carregando a chama simbólica dos 300 anos de Minas, agora percorrendo outras localidades. Segundo a prefeitura, foi criada uma identidade visual alusiva à data para ser compartilhada com as cidades mineiras.



Em Ouro Preto, há mais duas frentes: a comemoração dos 40 anos da cidade como Patrimônio da Humanidade e o tricentenário da Sedição de Vila Rica. Na quinta-feira, uma reunião na Câmara Municipal, com representantes de 15 instituições, definiu a comissão encarregada da programação – à frente, está o presidente do Legislativo, vereador Juliano Ferreira, estudioso da história local e autor de dissertação de mestrado sobre o Morro da Queimada, sítio arqueológico que guarda vestígios da mineração no século 18 e um dos palcos da revolta de Filipe dos Santos. Além da prefeitura e da câmara, o grupo é integrado por especialistas da Fundação de Arte de Ouro (Faop), Museu da Inconfidência e outros.

História 

A Guerra dos Emboabas levou, em 1709, à criação, pela Coroa Portuguesa, da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, onde anos depois, após a Sedição de Vila Rica, nasceu a Capitania de Minas. Vale saber, portanto, um pouco desses fatos. Lendas e fatos históricos povoam a história de Filipe dos Santos e em seu livro Ouro Preto – um novo olhar, o professor do Instituto Federal de Minas Gerais, Alex Bohrer explica os acontecimentos. “Em 1720, o governo português propôs a instalação de casas de fundição em Minas. Isso gerou descontentamento geral entre os mineradores. Logo começaram manifestações pelos arraiais da região. O ponto alto da revolta aconteceu na Praça da Matriz de Cachoeira do Campo, onde Filipe dos Santos, um dos líderes sediciosos, apregoava forte discurso contra o governo português. No adro da igreja foi preso e levado para Vila Rica, onde foi enforcado e esquartejado na presença do governador, o conde de Assumar.”

O autor explica que “ao contrário do que diz a história oficial, a tradição local conta que Filipe foi arrastado por cavalos pela Ladeira (atual Rua Padre Afonso de Lemos), onde foi esquartejado sem julgamento prévio. De qualquer forma, a praça principal de Cachoeira (local da prisão e onde ficou exposta uma parte do corpo do condenado) hoje leva o nome de Filipe dos Santos”.



E mais: “O Conde de Assumar, após esse episódio, sugeriu ao Rei de Portugal a separação das Minas e São Paulo (que até então formavam uma só capitania). Era o nascimento de Minas Gerais. Assumar ainda propôs que se construíssem em Cachoeira um quartel e um palácio para os governadores de Minas, tendo em vista o ponto estratégico que o local era por excelência, aqui convergindo os principais caminhos da capitania, lugar ideal, como argumentou, para uma capital. O quartel seria construído já em 1720 e reconstruído em 1779, quando se tornaria célebre. Porém, achou-se melhor conservar Vila Rica como capital oficial, enquanto Cachoeira possuiria um Palácio de Campo para os governadores, onde, longe da turbulência de Vila Rica, seria mais seguro residir. As ruínas deste luxuoso Palácio de Campo continuam como testemunhas mudas de um dos movimentos históricos que mais despertaram interesse dos pesquisadores: a Inconfidência Mineira.”

A história dos emboabas começa bem antes, quanto Minas, conforme os estudiosos, era uma terra sem lei, No início do século 18, os paulistas, descobridores das minas, estavam estabelecidos nos arraiais que iam de Caeté a São João del-Rei. Atraídos pelas riquezas, os emboabas, grupo formado por portugueses, baianos e pernambucanos, também chamados de reinóis e forasteiros, chegaram em massa, invadindo a área e revoltando os pioneiros. A disputa pelo ouro e pelo poder – a guerra foi, acima de tudo, uma disputa política, em torno dos principais cargos e postos da administração montada na região – levou a conflitos armados e à escolha, em 1707, de um emboaba para governador, o português Manuel Nunes Viana, à revelia da Coroa Portuguesa.

Território de ouro 

Século 17
 Primeiros colonizadores chegam às minas em busca de ouro e pedras preciosas. Até início do século 18, a região fazia parte da Capitania do Rio de Janeiro

1709
Neste ano, é criada a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, em decorrência da Guerra dos Emboabas

1711
Surgem as primeiras vilas do ouro: Mariana, em 8 de abril; Ouro Preto, ex-Vila Rica, em 8 de julho; e Sabará, antiga Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará, em 17 de julho

1714
Em 6 de abril, são instituídas as comarcas, em Minas, de Rio das Mortes, Vila Rica e Rio das Velhas

1720
Região de exploração do ouro se torna capitania: em 21 de fevereiro, carta régia anuncia a separação de Minas de São Paulo, e em 2 de dezembro um alvará define questões administrativas e jurídicas