Jornal Estado de Minas

Bispo auxiliar de BH fala na ONU sobre tragédia de Brumadinho



Peregrinação para mostrar ao mundo a situação das comunidades atingidas pelo rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, da Vale, ocorrida em 25 de janeiro de 2019 e considerada a maior tragédia humanitária da história do país, com 259 mortos e 11 desaparecidos. O bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, dom Vicente de Paula Ferreira, falou, nesta segunda-feira, na 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (ONU), em Genebra, Suíça, contestando o relatório da ONU que considera “boas” as práticas do Brasil na preservação do meio ambiente. Segundo o religioso, “as populações não são consultadas no processo de licenciamento para a implantação de megaprojetos”.


 
O bispo pediu que o governo brasileiro ratifique o Acordo de Escazú, fornecendo informações, consultas e participação suficientes das comunidades e da sociedade nos processos de licenciamento. E ressaltou que os rompimentos das barragens em Brumadinho e em Mariana, na Região Central do estado, há cinco anos, “continuam produzindo efeitos nocivos nas comunidades e no meio ambiente, nada tendo sido feito para impedir outros eventos semelhantes”. O Acordo de Escazú é o primeiro tratado ambiental de direitos humanos na América Latina e no Caribe, sendo aprovado em março de 2018 após negociação que durou seis anos.
 
Na sexta-feira, dom Vicente, capixaba, concelebrou missa presidida pelo papa Francisco, na Casa Santa Marta, no Vaticano, com o frei franciscano mineiro Rodrigo Peret e o padre Dario Bossi, missionário italiano provincial dos combonianos no Brasil. No dia seguinte, o bispo auxiliar e o frei foram recebidos pelo prefeito e pelo secretário do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, cardeal Peter Turkson e monsenhor Bruno Marrie Duffé. Passado mais de um ano do rompimento da barragem em Brumadinho, “depois de muitas lágrimas, missas e tantas caminhadas”, dom Vicente compara “esses momentos” ao de Maria ao pé da cruz, afirmando que “o amor existe, é Deus, mas o amor que resiste até o fim é feminino, é de mulher, é de Maria. A resistência de um amor que não desiste é mariano”.

Agenda 


Dom Vicente, que integra a Comissão Episcopal de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cumpre uma intensa agenda de compromissos na Europa ao lado do frei Rodrigo Peret, da Rede Igrejas e Mineração da Arquidiocese de BH e explicou que “orações, debates, encontros, anúncios e denúncias fazem parte dessa busca por novos caminhos”. O bispo auxiliar atende ao convite de organizações de defesa do meio ambiente, após coordenar importante trabalho da Arquidiocese de BH no amparo às vítimas do rompimento barragem de rejeitos de mineração no Córrego do Feijão.
 
Com agenda até 7 de março, dom Vicente Ferreira iniciou a viagem pela cidade de Roma, Itália. Em seu primeiro compromisso, participou de evento sobre impactos da mineração e acompanhamento dos atingidos por parte da Igreja, promovido pela União Internacional das Superioras Gerais (UISG) – Centro per la Vita Religiosa Regina Mundi. Na oportunidade, falou sobre questões relacionadas às consequências da atividade mineradora e a ação da Igreja junto à população e ao poder público. No mesmo dia, participou de reunião com a equipe do Escritório Geral da Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC) da Ordem dos Frades Menores – Franciscanos. Em nota, a Arquidiocese de BH informa que se tornou referência no apoio da Igreja às comunidades atingidas, em suas necessidades de reparação e respeito à cidadania.


 

Envolvimento 


Dom Vicente não apenas vem trabalhando, com afinco, no amparo às vítimas da tragédia de Brumadinho, como se mudou para a cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte ainda imersa nas consequências do rompimento da barragem. Logo após o episódio que comoveu o mundo, ele disse ao Estado de Minas: “Há um rio de lágrimas e sangue correndo entre nós. E ninguém pode ficar de fora, ignorar o que está acontecendo”. Num misto de lucidez e emoção, a frase veio após a visita a família das vítimas ao lado do arcebispo metropolitano dom Walmor Oliveira de Azevedo e do então titular da Paróquia São Sebastião, padre Renê Lopes.
 
Desde o rompimento da barragem em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, a arquidiocese começou uma ampla campanha para acolher as famílias vítimas da tragédia, incluindo, principalmente, amparo psicológico, espiritual e material. O bispo auxiliar disse, na época, ser fundamental o acolhimento às famílias dos mortos já identificados e dos desaparecidos sob a lama de rejeitos de minério, e ajuda espiritual aos profissionais que trabalham no resgate e tentativa de salvamento de centenas de pessoas.
 
Os depoimentos dos moradores ficaram gravados na memória do bispo, que traduziu a emoção em palavras: “De tão desesperados, alguns falam até em tirar a vida. As pessoas recebem as notícias de morte de um parente, por exemplo, e ficam sem amparo, daí a importância de haver esse acolhimento e também ajudando na cerimônia de despedida, no sepultamento.”



Conversão


Em entrevista recente, quando a tragédia completava um ano, dom Vicente destacou: “Do dia 25 (de janeiro de 2019) em diante comecei a viver uma conversão de vida. Incluí a pauta da ecologia integral. Nossa forma de lidar com o meio ambiente. O rastro de destruição foi muito impactante para mim não apenas como um homem de fé, mas como pessoa. Comecei a perceber que por mais que tivesse estudado e que acumulasse conhecimento, estava lá e não sabia onde havia barragens, que riscos elas tinham. Me percebi em uma alienação.” 
 
“Mas foi uma mudança brusca, porque as soluções para a região são imediatas. Tivemos de nos lançar (a Igreja e ele) de corpo e alma para alcançar os caminhos (dos atingidos). Quando aconteceu (o rompimento), tivemos de nos lançar por inteiros. Nessa hora não tem diretrizes para seguir.”

Pronunciamento de dom Vicente, na íntegra


“Obrigado Sr. Vice-Presidente,

Congratulamo-nos com o relatório do relator especial, Sr. Boyle. Também concordamos que proteger o meio ambiente contribui para o cumprimento dos direitos humanos e isso contribui para salvaguardar nossa casa comum.
Embora o Brasil tenha sido listado no seu relatório como um exemplo de boas práticas, a realidade difere do que o país possui em sua legislação, particularmente no acesso a informações ambientais. As comunidades geralmente não são consultadas quando da concessão de licenças para megaprojetos ou essas licenças são concedidas sem seguir o procedimento legal.


 
Nesse sentido, pedimos ao governo do Brasil que ratifique o Acordo de Escazú* e forneça informações, consultas e participação suficientes das comunidades e da sociedade civil no processo de licenciamento de megaprojetos, principalmente de mineradoras.
 
Faz um ano desde a quebra da barragem de rejeitos em Brumadinho e cinco anos desde Mariana. Até agora, os dois desastres continuam produzindo efeitos nocivos nas comunidades e no meio ambiente locais e nada foi feito para impedir eventos semelhantes. Somente no estado de Minas Gerais, existem pelo menos 40 barragens com risco de colapso e grande risco de possíveis danos.
 
Não será possível realizar progressivamente o direito a um ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável no Brasil se o governo não assumir suas obrigações internacionais, inclusive ao prevenir e garantir que as empresas sejam responsabilizadas e ao combater a impunidade como um impedimento para evitar que desastres criminosos aconteçam de novo e de novo.”

Saiba mais - Acesso à informação


Primeiro tratado regional em todo o mundo que busca aprimorar o acesso à informação pública, a participação cidadã e a justiça em temas ambientais, o Acordo de Escazú foi apresentado pela América Latina em setembro de 2018 e conta hoje com 21 países signatários. Entretanto, para que o acordo entre em vigor, 11 dos 33 países da América Latina e do Caribe precisam ratificá-lo. Até balanço realizado em encontro em outubro do ano passado, apenas oito países haviam ratificado o acordo: Bolívia, Guiana, São Cristóvão e Nevis, São vicente e Granadinas, Uruguai, Equador, Nicarágua e Panamá. Outros 14 signatários, entre eles o Brasil, não ratificaram o documento, e 11 países da região nem sequer o assinaram.