Em um cenário de mobilização nacional contínua contra a propagação da COVID-19, doença provocada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), o atendimento primário básico em Belo Horizonte ainda não se mostra plenamente preparado para receber pacientes com sintomas. Levantamento em centros de saúde e Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) mostra que parte deles ainda carece de profissionais, equipamentos e insumos básicos, como máscaras e álcool em gel. Faltam também padronização de procedimentos e informação a atendentes.
A falta de insumos levou dois dos centros consultados a recomendar improvisações a pacientes que tenham sintomas compatíveis com a COVID-19. No Centro de Saúde João XXIII, no Bairro Vila Oeste, na Região Noroeste da capital, a atendente recomenda uma cobertura simples e ineficaz, mesmo depois de admitir que o local se encontrava cheio de outros usuários. “O melhor é vir mais tarde, porque o centro agora está muito cheio e pode demorar o atendimento. Não temos máscaras aqui para fornecer, mas você pode amarrar um paninho (no rosto) e vir que está tudo bem”, disse. Também revelou que o planejamento para lidar com o isolamento na unidade também não está bem definido: “Até a enfermeira chegar, você (paciente) fica na sala de curativos ou na de enfermagem”.
Problema semelhante foi verificado na Região Norte, no Centro de Saúde Tupi, no bairro de mesmo nome. Um dos enfermeiros que trabalham no local disse que, na falta de máscaras cirúrgicas para os pacientes, era preciso tomar outras medidas. “Tem de vir com um lençol ou uma toalha amarrada no rosto, tampando a boca”, disse.
Além do improviso, o funcionário alertou que o atendimento não seria prioritário: estaria sujeito à agenda da equipe de atendimento a que cada paciente pertence, dependendo do endereço. “Se seu endereço é da equipe 3, então você tem de vir logo, ou então pode ficar sem atendimento, se não sobrarem vagas de urgência”, frisou, ignorando o fato de que o atendimento a suspeitas da COVID-19 deve ser prioritário.
A microbiologista Viviane Alves, do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que medidas como as sugeridas são precárias, e que o correto, preconizado inclusive pelos protocolos dos planos de contingência, é que pacientes com sintomas suspeitos e funcionários usem máscaras – sendo que a proteção para quem lida diretamente com os doentes deve ser do modelo N95, mais cara e eficiente que a máscara cirúrgica.
A microbiologista Viviane Alves, do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que medidas como as sugeridas são precárias, e que o correto, preconizado inclusive pelos protocolos dos planos de contingência, é que pacientes com sintomas suspeitos e funcionários usem máscaras – sendo que a proteção para quem lida diretamente com os doentes deve ser do modelo N95, mais cara e eficiente que a máscara cirúrgica.
“Usar tecido é uma questão complicada, porque pode gerar contaminação. Teria de ser descartado após o uso, pois o vírus pode ficar viável por várias horas nesses materiais. O tecido precisaria ser esterilizado ou descartado em lixo hospitalar. O certo mesmo é a máscara”, disse.
Sobre o fato de não haver um local adequado para isolamento, a especialista enumera vários procedimentos necessários para que funcionários e outros frequentadores não sejam contaminados. “É bom que se tenha um local designado para isso, porque é preciso que todas as superfícies sejam limpas com frequência. O vírus não é transmitido pelo ar, mas pelas gotículas de saliva, secreções e da tosse”, disse Viviane Alves.
Na falta de solução, redirecionamento
A falta de insumos e equipamentos também traz preocupação e motiva até o redirecionamento de pacientes que chegam a alguns postos. Nos centros de saúde Itaipu/Jatobá (Região do Barreiro), Camargos (Região Oeste) e Novo Horizonte (Região Leste), pacientes com sintomas tiveram atendimento recusado e foram redirecionados a outras unidades.
No posto do Barreiro, o atendente disse que máscaras estão em falta até para funcionários e que as pessoas com sintomas deveriam procurar o Hospital Júlia Kubitschek. “Ainda estamos esperando que venham as máscaras do almoxarifado. Até lá, todos devem ir para o Júlia (Kubitschek)”, disse.
Na unidade do Camargos, o redirecionamento é para a UPA Oeste, onde a reportagem também apurou falta de insumos. “Aqui ainda está sem condições, porque nem médicos estamos tendo hoje”, disse um atendente. O Novo Horizonte encaminha suspeitos para a UPA Leste, que até a última sexta-feira também não dispunha de máscaras N95, segundo apuração. No posto, a reclamação é a de falta de máscaras e dispensadores de álcool em gel.
Prefeitura diz que segue protocolo
Questionada sobre as situações constatadas pela reportagem do EM, a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informou em nota que “não há falta de máscaras nas unidades da capital”, e que a rede segue as orientações da Secretaria de Estado de Saúde com relação ao uso de insumos no atendimento a casos suspeitos de COVID-19. “Caso alguma unidade fique temporariamente desabastecida, a secretaria atua para repor o insumo”, acrescentou.
A Saúde municipal argumenta que está apenas fazendo uso racional dos insumos, e que não distribui máscaras para que as pessoas levem para casa. “Além do estoque de máscaras N95 (tipo que oferece maior proteção), foram adquiridos mais 20 mil em compra extra e está em processo final de compra de mais 1 milhão de máscaras cirúrgicas”, informou, acrescentando que as UPAs Leste e Oeste estão abastecidas.
A pasta reiterou que apenas profissionais que mantêm contato direto com pacientes com sintomas suspeitos fazem uso da máscara N95, e que profissionais que fazem atendimento na linha de frente das unidades municipais, “como recepcionista, administrativo responsável pelas fichas e enfermeiros que se encontram na classificação, fazem uso das máscaras simples”. O EM, no entanto, flagrou profissionais sem a proteção em várias unidades.
Sobre o redirecionamento de pacientes que procuram os postos, a secretaria informa que a orientação é de que pessoas com sintomas suspeitos “sejam atendidas imediatamente e encaminhadas para leito de isolamento, fazendo uso de máscara simples”. Procedimento que tampouco foi verificado em algumas das unidades consultadas pela reportagem.
Sobre as situações específicas verificadas pela reportagem, aA Saúde municipal sustenta que no Centro de Saúde Itaipu/Jatobá “não há orientação para usuários procurarem o Hospital Julia Kubitschek”, o que se restringiria a gestantes. “No Centro de Saúde Camargos já foi autorizada a reposição das vagas em aberto. A unidade conta ainda com dois clínicos e pediatra. Apenas casos considerados urgentes são encaminhados para as UPAs”, acrescentou.
Quanto ao Centro de Saúde João XXIII “pacientes com sintomas da COVID-19 são encaminhados para sala de curativos, que fica na área externa da unidade”, diz nota da secretaria. Caso o local esteja ocupado, o paciente é atendido na sala de enfermagem, acrescenta.
A secretaria nega que no Centro de Saúde Tupi haja orientação para que os pacientes usem lençol ou toalha. “No Centro de Saúde Novo Horizonte, os profissionais estão trabalhando de máscara”, diz o texto. Segundo a pasta, apenas casos de maior complexidade, que demandem intervenções como internações e maior suporte são encaminhados às UPAs.