Os aplausos ecoam pelo país, os gritos de "viva" saem a plenos pulmões e os agradecimentos se multiplicam. No foco de um Brasil em estado de calamidade pública devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), estão os doentes e casos suspeitos, mas também os profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, farmacêuticos, atendentes, encarregados da limpeza e demais funcionários de hospitais e centros recém-montados para atender a população. Durante horas dedicados ao trabalho, eles põem em prática o conhecimento para salvar vidas, a atenção contra o sofrimento humano, a técnica a serviço da informação e a higiene como arma para impedir o avanço do inimigo invisível.
"Estamos no meio de uma guerra, porém ninguém estava preparado, nem aqui nem no mundo inteiro. Tem sido um trabalho exaustivo para todos", diz a diretora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sônia Maria Soares. Embora não esteja atuando dentro de hospital, ela diz que há vários ex-alunos e estagiários no front, enquanto os atuais estudantes estão envolvidos em ações para atender a população, tirando dúvidas e orientando sobre os cuidados necessários para se evitar o contágio, dirigido a diversos públicos, com vídeos, inclusive. Os interessados podem acessar as redes sociais e página na internet da escola de enfermagem da UFMG.
Satisfeita com o reconhecimento da sociedade – que tem homenageado os profissionais de saúde mundo afora – , a diretora lamenta a falta de equipamentos em muitas unidades públicas de atendimento no momento em que há aumento dos casos e, de acordo com autoridades federais, previsão de pico no mês que vem. "Muitos hospitais já estavam sucateados antes do coronavírus", alerta Sônia.
O certo mesmo é que, a exemplo dos heróis de farda, os bombeiros, que atuaram incansavelmente em Brumadinho, na Grande BH, após o rompimento, em 25 de janeiro, da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, são agora os homens e mulheres de jaleco branco, às vezes também de azul e verde, que se tornam protagonistas de um capítulo dramático da história da humanidade. "Nossa força vem, junto da profissão que escolhemos, da vontade de ajudar o próximo em todos os momentos, ainda mais nesse de agora...tão difícil. É com amor mesmo que trabalhamos", destaca a gerente da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Centro-Sul, enfermeira Chirley Madureira Rodrigues, de 38 anos. No local, que fica na região hospitalar, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), via Secretaria Municipal de Saúde (SMS), implantou, em 3 de março, o Centro Especializado em Atendimento para o Coronavírus (Cecovid).
Durante as fotos para esta reportagem, parte da equipe da UPA segurava cartazes formando a frase: "Nós estamos aqui por vocês. Por favor, fiquem em casa por nós". Ao passar na rua, motoristas buzinaram e pedestres aplaudiram. Considerada símbolo de paz, uma pomba branca apareceu em cena e também posou para a foto.
TEMPO INTEGRAL
Casada há 14 anos, mãe de duas meninas, de 6 anos e de 1, a enfermeira Chirley Madureira Rodrigues gerencia a UPA Centro-Sul há sete anos, comandando atualmente uma equipe de 250 profissionais, em turnos diversos. "Nas duas últimas semanas, estamos de plantão em tempo integral, em torno de 20 horas por dia. Quando não é presença física, estamos conectados pelo celular. Bate um cansaço, mas estão todos envolvidos. Tenho as crianças em casa, mas cancelei de imediato as férias", diz a gerente.
Chirley conta que foi procurada por profissionais se oferecendo para ser voluntário nas ações desenvolvidas na UPA e no Cecovid, que atende, de forma espontânea, pessoas com sintomas de doenças respiratórias (febre, tosse e dificuldade para respirar) e que estiveram recentemente em viagem ao exterior ou tiveram contato com pessoas apresentando sintomas ou confirmação da doença.
Conforme a PBH, o Cecovid conta com médico, enfermeiro, técnicos de enfermagem, auxiliar administrativo e de serviços gerais, além de infraestrutura para atendimento com macas, medicamentos e equipamentos de oxigenação e de aferição de pressão arterial. Na unidade, há coleta de material para realização de exame e, conforme condições clínicas, o paciente é liberado, encaminhado para isolamento domiciliar e tratamento com acompanhamento de equipe médica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) ou ainda internação hospitalar. O serviço fica na
Rua Domingos Vieira, 488, Bairro Santa Efigênia, e funciona todos os dias das 7 às 19h. "Queremos fazer um bom atendimento. O medo das pessoas é natural, pois os casos aumentaram rapidamente, porém é importante não haver pânico", ressalta a gerente.
FRAGILIDADES
Médica há oito anos, Lucília Coelho Guimarães trabalha há cinco com atendimento domiciliar. "Quase todos os meus pacientes são idosos, frágeis, portadores de doenças crônicas e síndromes demenciais. A COVID-19 trouxe o foco dos atendimentos para prevenção da transmissão e orientação dos familiares, principalmente. As pessoas ainda têm dúvidas sobre a real necessidade do isolamento social e qual sua importância nesse momento."
Dessa forma, a médica ocupa boa parte das consultas em conversa com os pacientes e seus familiares sobre essa questão. "O momento é de afastamento físico, sim, mas em função do coletivo. Nenhum sistema de saúde está apto a atender uma demanda muito grande num curto tempo, então precisamos frear a transmissão para garantir atendimento de qualidade e possibilidade de tratamento para o maior número possível de pessoas", reforça.
Conciliar trabalho, família e outras atividades não desanima a médica. "É hora de apelar para o senso de responsabilidade com o próximo. Tenho filhos de 8 e 5 anos. Como as aulas estão suspensas, os dois estão em casa. A escola enviou os deveres e atividades a serem realizados até o dia 31, então estabelecemos uma rotina a ser cumprida diariamente para eles não se sentirem em férias".
E o lazer? "Depois das obrigações, o momento é de diversão. Eles adoram o 'cineminha': escolhem o filme, faço pipoca e assistimos juntos. Também gostamos dos velhos e bons jogos de tabuleiro."
Para o estagiário de enfermagem da UFMG Carlos Roberto Gomes, de 23, se o momento inspira cuidados, traz também oportunidade de aprendizagem. "Há uma mobilização grande, uma dinâmica que será valiosa no futuro e, se Deus quiser, será passageira".
Enquanto isso...
... Fraturas expostas
Nesses tempos de coronavírus, a sociedade agradece pelo trabalho, mas os profissionais de saúde passam apertos. Uma técnica em enfermagem que atua em uma unidade de saúde de Belo Horizonte, e pediu para não ser identificada, relata problemas como falta de orientações e de máscaras em hospitais públicos. A máscara é um dos principais equipamentos de proteção individual.
"Alguns setores se reuniram e foram orientados sobre alguns novos procedimentos. O Centro de Terapia Intensiva (CTI) foi o principal orientado, porque os pacientes com suspeita do coronavírus são encaminhados para lá, e o pronto-atendimento também, que recebe o paciente. Nós, de outros setores, não recebemos qualquer informação".
O que mais indignou a técnica é que "tudo foi passado pelo WhatsApp, e ainda houve a proposta de que reutilizássemos a máscara cirúrgica, sendo que ela tem a duração de 12 horas e, no caso de confirmação da doença, só pode ser usada por duas horas". Na avaliação dela, "querem que a gente use uma máscara por uma semana". O que foi afirmado, acrescenta, "é que estão faltando máscaras”. E afirma: “Mas fora do meu setor tem. Estávamos pegando lá e em outros setores, escondidos, para poder usar máscaras novas."