A maior operação de resgate do Brasil deixa lições que podem ajudar no enfrentamento ao coronavírus. Um ano e dois meses após o rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, a cidade de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, registrou até essa terça-feira 24 casos suspeitos, sendo um em estado grave. Por causa da pandemia, bombeiros precisaram suspender as buscas por vítimas.
Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, o coronel Edgard Estevo da Silva, comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, que se viu à frente de uma tropa trabalhando de forma extenuante durante 421 dias ininterruptos, resgata a esperança de continuidade das buscas, defende o isolamento e apresenta lições aprendidas com a Operação Brumadinho que podem ser aplicadas no combate à COVID-19.
O que representa para você e para o Corpo de Bombeiros a suspensão da linha de frente de buscas na Operação Brumadinho após mais de 400 dias ininterruptos de trabalho?
O mundo está assustado com a pandemia. Estamos vivendo um momento diferente de tudo o que já enfrentamos e todos temos que aprender a lidar com a situação. Mas de uma coisa estamos convictos: o momento exige de todos nós uma pausa.
É hora de repensar o modo de agir, de reunir os esforços para seguir as novas diretrizes que o protocolo nos impõe, é hora de distanciar de quem amamos para protegê-los. Só não é hora de desistir. Aliás, desistir para o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais nunca foi uma opção.
Entendemos que essa pausa provocada pelo coronavírus é passageira, e que em breve nosso compromisso, que permanece inalterado para com as famílias das 11 vítimas que ainda estão desaparecidas em virtude do rompimento da barragem em Brumadinho, seguirá adiante. Não podemos enterrar nossas esperanças junto com as adversidades que nos são impostas.
Foram 421 dias de luta e suor que provocaram no Corpo de Bombeiros um sentimento de ter feito o melhor que podíamos, por conseguir oferecer uma resposta há pelo menos 270 famílias. Mas a missão não está concluída e nossa motivação tem nome. São 11 joias que nos ajudam a permanecer firmes no propósito de uma resposta mais digna às famílias que sofreram uma abrupta separação.
Os bombeiros pretendem retomar as buscas após o período de pandemia do coronavírus? Ainda existe esperança de mais corpos serem encontrados?
Sim, a esperança é o combustível para o nosso trabalho diariamente. É a esperança que nos move diante de uma ocorrência de soterramento. É a esperança que nos motiva a combater um incêndio e salvar vítimas de enchentes e inundações. Portanto, ela é nossa maior aliada quando a natureza de nosso trabalho nos exige o impossível.
Não ignoramos as dificuldades que a situação oferece. O tempo é um elemento prejudicial às buscas. Quanto mais tempo se passa, mais aumentam os fatores que inviabilizam as atividades de campo. No entanto, o Corpo de Bombeiros, sempre precavido, se planejou com antecedência e implementou ações de preservação e controle da área, tais como georreferenciamento, levantamento topográfico e identificação de todo o material, a fim de restringir possíveis dificuldades.
De que forma os bombeiros podem contribuir no controle da pandemia de coronavírus?
O Corpo de Bombeiros Militar age de forma integrada com o governo do estado e em apoio aos demais órgãos competentes para garantir os objetivos de enfrentamento aos impactos do coronavírus, conforme o protocolo do Plano de Contingência da COVID-19. A corporação continua de prontidão contribuindo com o planejamento das ações e orientando a população a manter isolamento.
O protocolo tem o objetivo de reforçar as atividades de biossegurança e criar uma conduta específica para o atendimento de ocorrências, em especial a vítimas atingidas pelo coronavírus, primando ainda pela segurança dos militares que trabalham diretamente no atendimento das ocorrências operacionais.
Que lições você, comandante de uma corporação tão guerreira, tira de toda a Operação Brumadinho e que podem ser usadas na nova luta que é o combate à COVID-19?
Uma das lições mais importantes aprendida nas duas situações é que o esforço isolado não alcança grandes resultados. A cooperação, a integração e união das comunidades, forças de segurança, governos, instituições privadas e públicas são as formas mais eficazes de triunfar diante de situações extraordinariamente avassaladoras. Foi assim em Brumadinho e é assim que conseguiremos enfrentar essa crise mundial causada pelo coronavírus.
O isolamento parece assustador, assim como o cenário contemplado pelos primeiros militares que chegaram em Brumadinho no ato do rompimento, e que por alguns breves momentos podem ter pensado que já não havia mais o que fazer diante da fúria do mar de lama. Sentir medo não é demérito algum, o medo faz parte do sistema de defesa do ser humano. É preciso, no entanto, aprender a não sucumbir a ele e nos agarrarmos ao fio de esperança que resta.
Essa lição da corporação serve para as famílias que perderam entes queridos na avalanche de rejeitos com o rompimento da barragem?
O luto causado pela perda dos familiares em Brumadinho e o pavor disseminado pela pandemia, isolamento e notícias ruins dos últimos dias são sentimentos que podem destruir a alma e nos impedir de seguir em frente. A menos que você faça a escolha certa e tome a decisão de lutar pelo que importa, de oferecer todo o seu empenho e dedicação não apenas pelo bem próprio, mas sobretudo pelo bem comum.
Não é momento de desistir! A batalha só acaba quando o vírus e seus males forem abatidos. Faça sua parte, se preserve e preserve aqueles que você ama evitando encontros, aglomerações e seguindo todas as recomendações de higiene pessoal. O Corpo de Bombeiros está pronto para atender a população diante de qualquer adversidade.