O distrito de Milho Verde, no município do Serro, no Alto Jequitinhonha, sempre foi um lugar marcado pela tranquilidade, o motivo de atrair muitos visitantes, que também aproveitam para curtir os encantos naturais dos arredores. Mas, agora, o lugar praticamente parou. De sossegado passou a deserto, e as pousadas estão vazias.
O acesso a Milho Verde (distante 24 quilômetros da sede urbana) foi interrompido como medida preventiva contra a transmissão do coronavírus.
O isolamento foi feito pela Prefeitura do Serro e contou com o apoio dos cerca de 1,6 mil moradores “nativos” do lugarejo, que ficaram apreensivos com a possibilidade da chegada da COVID-19 por meio dos turistas.
Também foi interditado o acesso ao distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, situado no mesmo caminho de Milho Verde. Em outra localidade próxima, Capivari, com medo da propagação do coronavírus, a comunidade trancou a cancela de acesso com um cadeado. Passam por ela somente moradores do arraial, situado perto do pico do Itambé, área muito procurada pelos turistas.
Ainda como medida preventiva contra o vírus causador da doença respiratória, as visitas às cachoeiras e áreas de proteção ambiental da região foram suspensas pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF).
Milho Verde é lugar bucólico, onde os moradores têm o costume de conversar na porta de casa nas ruas, a maior parte de terra. Mas, diante do isolamento social para a prevenção contra a pandemia do coronavírus, esse velho hábito também foi abolido. No início desta semana, um carro de som circulou na localidade pedindo aos nativos para permanecerem dentro de suas casas.
Nos últimos dias, movimento de pessoas – ainda reduzido – tem ocorrido somente nas três mercearias do arraial, mesmo assim, seguindo as normas de higienização.
O isolamento acarretou grandes perdas para os donos de pousadas, que tiveram de cancelar as reservas para a Semana Santa e para feriados seguintes – de Tiradentes (21 de abril) e 1º de Maio (Dia do Trabalho). Mesmo amargando prejuízos, eles alegam que concordam com o isolamento para afastar o risco de contaminação da COVID-19.
“Eu não tenho ideia do meu prejuízo, mas sei que será muito grande”, diz Maria dos Anjos, dona de uma pousada em Milho Verde que leva o mesmo nome do distrito. Ela disse que já tinha recebido várias reservas de casais e grupos de excursões para os feriadões dos próximos dois meses. “Mas tive que cancelar tudo e não sei quando vão voltar as reservas novamente”, contou Maria dos Anjos, revelando que recebeu o último hóspede há duas semanas, antes do “paradeiro do coronavírus”.
A dona da Pousada Milho Verde disse que, mesmo com o prejuízo, concorda com a proibição da chegada de turistas como prevenção contra a COVID-19. “Concordo (com a medida), porque quanto menos pessoas circularem por aqui, mais segurança pra gente do lugar e menos riscos de a doença se espalhar”.
“Dinheiro não é tudo”, completou Maria dos Anjos, cuja hospedaria conta com 45 leitos e cobra diária de R$ 160 por casal, incluindo café e meia pensão. “Com fé em Deus, vamos vencer essa batalha”, prevê.
Arrendatária da pousada Luar do Rosário, também em Milho Verde, Susan Chiode Perpétuo também lamenta os prejuízos e diz que sabe que corre até o risco de não suportar as perdas. Porém, ela apoia as medidas de prevenção.
“O prejuízo é muito grande. Milho Verde não tem outra fonte de renda a não ser o turismo. No meu caso, sei que corro até o risco de quebrar. Mas, se quebrar, depois a gente consegue um financiamento e se recupera daqui a seis ou oito meses. Se morrer, o destino é o cemitério”, compara Susan.
“A quarentena é ruim para os negócios. Mas, no mundo inteiro, é a alternativa encontrada para conter o coronavirus”, observa a empresária. A pousada dela tem 33 leitos, e a diária por casal varia de R$ 200 a R$ 240, incluindo o café da manhã.
O comerciante Sérgio Luiz Guimaraes Nepomuceno, dono de um dos poucos e mais conhecidos restaurante do distrito, o Angu Duro, disse que, “por consciência própria” fechou o estabelecimento há mais de uma semana e que não sabe quando vai reabri-lo.
Ele disse que o isolamento de Milho Verde e o afastamento dos turistas agora pesaram mais ainda para a economia local, porque os donos de pousadas e comerciantes do lugarejo estavam na esperança de melhor faturamento na Semana Santa e nos feriados de Tiradentes e do 1º de Maio.
“Depois da baixa temporada, é no movimento de férias e nesse período agora que a gente consegue pagar as contas. Agora, estamos completamente perdidos”, afirma Sérgio Nepomuceno. Ele disse ainda que teme que, por causa da pandemia, 2020 venha se tornar “um ano perdido”.
Toque de recolher
No distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, a oito quilômetros de Milho Verde, também no município do Serro, além do isolamento como medida preventiva contra o avanço da pandemia, a população está sendo obrigada a cumprir toque de recolher. As pousadas e comércio local foram fechados, com exceção de alguns estabelecimentos, como restaurantes, que podem atender somente no sistema de entregas (delivery).
Moradora do distrito, a sanitarista e veterinária Cleide Greco reclamou das medidas, que, segundo ela, foram exageradas, contribuíram para gerar pânico entre os moradores e criar um clima ruim em São Gonçalo do Rio das Pedras. “Foi criado um grupo de WhatsApp que, ao contrário de prestar serviços, serve para fofocas e pessoas vigiarem a vida das outras”, disse.
Por outro lado, a moradora considera pertinentes as barreiras e o fechamento da cidade, uma vez que a população é carente, e a maioria, idosa.
Ainda segundo ela, o posto de saúde da localidade ficou sem atendimento médico, pois a médica da unidade interrompeu o trabalho por ter mais de 60 anos. Apenas a enfermeira atende ao posto. (colaborou Elian Guimarães)
Cadeado em porteira
Os moradores do povoado de Capiravari, no município do Serro, por conta própria tomaram uma medida radical na tentativa de afastar os riscos de contaminação do coronavírus. A comunidade colocou cadeado em uma cancela na estrada vicinal de acesso ao lugarejo, que fica distante 15 quilômetros do distrito de Milho Verde. Somente os moradores de Capivari passam pelo local, já que têm o número do segredo que abre o cadeado da porteira.
Capivari conta com cerca de 120 casas e aproximadamente 300 moradores. A região é muito procurada pelos turistas por causas das paisagens do pico do Itambé, o ponto mais alto da Serra do Espinhaço (2.060m de altitude).